22 março, 2019

DESPEDIMENTO DISCIPLINAR (OU POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR)

Noção 
O despedimento disciplinar (por facto imputável ao trabalhador ou «justa causa subjectiva») tem em todas as legislações dos países lusófonos por fundamento comum um comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.(Vd. Infracção Disciplinar e Justa Causa de Despedimento)
As leis adiantam, exemplificativamente, determinados comportamentos do trabalhador, susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento disciplinar, que se podem resumidamente sintetizar do seguinte modo: 
  •  faltas injustificadas ao trabalho, desde que atinjam determinado número por mês ou ano (obviamente variável de país para país), ou independentemente do seu número, desde que originem prejuízos ou riscos graves para empresa; 
  • desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; 
  • desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou funções que lhe estejam atribuídas; 
  • lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa, designadamente por furto, roubo, abuso de confiança, burla e outras fraudes praticadas na empresa ou durante a realização do trabalho; 
  • falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho; 
  • prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elementos dos corpos sociais ou seus representantes; 
  • quebra de sigilo profissional ou de segredos da produção e outros casos de deslealdade, de que resultem prejuízos graves para a empresa; 
  • reduções anormais de produtividade. 
Do ponto de vista técnico-jurídico, a justa causa é um conceito indeterminado (desde logo, porque as enumerações previstas nas leis são meramente exemplificativas, podendo haver outras actuações do trabalhador que configurem a noção de justa causa), cujo preenchimento depende das circunstâncias de cada caso concreto.
O seu núcleo essencial reside na «impossibilidade da manutenção da relação jurídico-laboral», o que pressupõe a subsunção dos factos que lhe estão subjacentes “o comportamento culposo do trabalhador” a essa situação de impossibilidade ou de inexigibilidade em sentido jurídico (haverá justa causa para despedir disciplinarmente sempre que se conclua que não é exigível ao empregador a subsistência da relação), decisão esta que cabendo num primeiro momento ao empregador é susceptível, no entanto, de posterior apreciação judicial. 
Procedimento (Vd. Processo Disciplinar) 
A realização de um despedimento por facto imputável ao trabalhador pressupõe a realização pelo empregador de um processo (disciplinar) destinado a verificar a existência de justa causa e a permitir que o trabalhador se defenda das acusações que lhe são feitas. 
Genericamente, pode dizer-se que o processo ou procedimento disciplinar obedece em todas as legislações de trabalho lusófonas a um padrão comum, que podemos confinar a três fases distintas: 
  • Fase de acusação - que se inicia com o envio, no prazo – fixado nas leis respectivas – e contado da data do conhecimento da infracção, ao trabalhador arguido de uma nota de culpa (documento escrito), em que o mesmo deve obviamente ser identificado e na qual se enunciarão, de forma clara, os factos que lhe são imputados, com a sua localização no tempo e no espaço e modo como ocorreram (quando, onde e como tiveram lugar) bem como as consequências danosas e/ou riscos que o comportamento do trabalhador acarretou para a empresa. 
  • Fase de defesa – à acusação segue-se a fase da defesa, na qual o trabalhador pode apresentar resposta (por escrito) à nota de culpa, juntando documentos ou requerendo a sua audição, ou solicitar as diligências probatórias com interesse para o apuramento da verdade. A fase de defesa, incluindo a realização, pela entidade empregadora, directamente ou através de instrutor que tenha sido nomeado para o efeito, da audição do arguido ou das diligências de prova requeridas, deve, em regra, estar concluída dentro de determinado prazo (fixado na lei de cada país) a contar da recepção pelo trabalhador da nota de culpa. 
  • Fase de decisão – o processo disciplinar conclui-se com a decisão, a qual deve ser fundamentada e comunicada por escrito ao trabalhador igualmente dentro de determinado prazo fixado em cada uma das legislações. 
Importa, além disso, assinalar a existência de outros traços comuns à tramitação do processo disciplinar nos diversos países:
  • previamente à realização do processo disciplinar pode efectivar-se um “processo de inquérito”, destinado a averiguar da ocorrência da infracção e da sua autoria, por forma a habilitar a entidade empregadora a tomar uma decisão melhor fundamentada quanto à necessidade e oportunidade da instauração de um processo com vista ao despedimento; 
  • com a notificação da nota de culpa, o empregador pode proceder à suspensão do trabalhador, mantendo embora o pagamento da retribuição ou salário; 
  • em todas estas fases (nuns países) ou apenas aquando da fase decisória (noutros países), é obrigatória a remessa do processo aos órgãos representativos dos trabalhadores (sindicatos ou comissões de trabalhadores) para que estes emitam o respectivo parecer que não é, contudo, considerado como vinculativo; 
  • a caducidade da acção disciplinar ou a prescrição do procedimento, se o empregador não der início à acção ou terminar o processo, decorridos os prazos prescritos na lei (variáveis de país para país) contados após ter tido conhecimento da infracção; 
  • todas as leis indicam expressamente quais os vícios que podem gerar a nulidade do processo disciplinar: falta da comunicação de intenção do despedimento (“nota de culpa”); violação do direito de defesa do trabalhador; omissão da decisão de despedimento devidamente fundamentada e feita por escrito. 
Remissões legislativas: 
Portugal – artigos 351.º a 358.º do CT 
Brasil – artigo 482º, 493º e 494º da CLT 
Angola – artigos 46.º a 61.º da LGTA 
Moçambique – artigos 67 a 69 da LTM 
Cabo Verde – artigos 232.º a 234.º, e 371.º a 393.º do CL 
Guiné Bissau – artigos 31.º a 41.º da LGTGB 
São Tomé e Príncipe – artigos 29.º a 33.º, 115.º e 116.º do RJCIT 
Timor Leste – artigos 23.º, 24.º, 50.º e 51.º da LTTL

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