44. Férias
O direito dos trabalhadores ao gozo de férias encontra-se expressamente consagrado na Constituição (art.º 85/1).
O direito a férias visa proporcionar ao trabalhador um repouso anual que lhe permita recuperar as suas energias físicas e psíquicas e ainda assegurar-lhe condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural na sociedade.
O reconhecimento pela Constituição e Lei do Trabalho das férias como um direito do trabalhador, não permitindo que estas possam ser entendidas como um prémio ou recompensa pelo trabalho prestado, explica que o legislador o configure como um direito indisponível, a cujo exercício o trabalhador não pode renunciar (“irrenunciabilidade do direito a férias”) nem estas lhe podem ser negadas pelo empregador (art.º 98/1 da LT.
A mesma afirmação da natureza constitucional deste direito, justifica que as férias sejam efectivamente gozadas, não podendo estas ser substituídas por qualquer compensação económica, salvo o disposto n.º 3 do art.º 98: as partes podem convencionar essa substituição por uma remuneração suplementar (correspondente às férias não gozadas), devendo, contudo, o trabalhador gozar obrigatoriamente um período mínimo de 6 dias úteis.
44.1. Aquisição do direito a férias
O direito a férias é inerente à qualidade de trabalhador subordinado, sendo adquirido com a celebração do contrato de trabalho, ou seja, pelo simples facto da celebração do contrato de trabalho, o trabalhador adquire o direito a férias em cada ano civil.
Contudo, o facto de o direito a férias passar a existir (se constituir) logo desde o momento da celebração do contrato, não significa que ele se vença, isto é, que possa ser de imediato exigido pelo trabalhador – daí que a lei determine que as férias «devem ser gozadas no decurso do ano civil seguinte» (art.º 98/2), reportando-se, assim, ao trabalho prestado no ano civil anterior.
Trata-se, por isso, de um direito que se reporta ao trabalho realizado nos doze meses anteriores, o que significa que o seu gozo efectivo se vence decorrido cada período anual de duração do contrato, pelo que é necessário ter em atenção a data em que o contrato começou a produzir os seus efeitos: por isso, para determinar os ciclos anuais de trabalho que conferem o direito a um período completo de férias é relevante a data em que o trabalhador começou efectivamente a trabalhar.
Além disso, trata-se de um direito que se vai formando progressivamente com a execução do contrato, uma vez que a lei faz depender a duração do período anual de férias da antiguidade do trabalhador (art.º 99/1 da LT).
44.2. Duração das férias
(i) Trabalhadores contratados sem prazo
A lei faz depender, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 99, da LT, a duração do período anual de férias da antiguidade do trabalhador:
- 1 dia de férias por cada mês de trabalho efectivo, durante o 1.º ano de trabalho;
- 2 dias de férias por cada mês de trabalho efectivo, durante o 2.º ano de trabalho;
- 30 dias de férias por cada ano de trabalho efectivo, a partir do 3.º ano.
No entanto, caso um dia feriado ocorra durante as férias, esse dia não é contado como dia de férias (art.º 102/1), tal como também não são contablizados como férias os dias de doença ocorridos no período de férias, desde que a doença esteja devidamente certificada por entidade competente e o empregador seja informado do facto (n.º 3 do mesmo art.º 102).
Neste âmbito, como nada é dito relativamente às situações em que o trabalho realizado não perfaz meses completos, poder-se-á levantar a dúvida quanto a saber se, para efeitos de contabilização das férias, a fracção do mês deve ser considerada como um mês completo ou não; contudo, tendo em conta que a LT alude no preceito em causa a «cada mês de trabalho efectivo», dever-se-á admitir que são irrelevantes para aquele cálculo os períodos inferiores a trinta dias.
(ii) Trabalhadores contratados a prazo certo
Os trabalhadores contratados a prazo certo gozam de um regime de férias semelhante ao que vigora para os restantes trabalhadores. Assim, se o contrato for de duração superior a 3 meses e que não exceda 1 ano, o trabalhador tem direito a um período de férias equivalente a um dia por cada mês de serviço efectivo.
No caso de o contrato a prazo certo tiver logo à partida duração superior a 1 ano, ou se vier a atingi-lo mercê de renovação (incluindo as prorrogações), em tal hipótese a LT estabelece uma igualdade de tratamento entre o contrato de trabalho a prazo e o de duração indeterminada, na medida em que as férias são calculadas em função do tempo de trabalho (um dia de férias por cada mês de trabalho efectivo), aplicando-se as regras em vigor para os contratos sem prazo (art.º 99/3).
(iii) Efeitos das faltas sobre a duração das férias
Determina o n.º 2 do art.º 99 que as faltas justificadas expressamente mencionadas no art.º 103/3, bem como as faltas justificadas que sendo previsíveis forem comunicadas ao empregador com antecedência mínima de 2 dias, não têm efeito sobre o direito a férias, regime de âmbito geral e que é aplicável tanto aos contratos de duração indeterminada como aos contratos a prazo.
Quanto aos efeitos das faltas injustificadas sobre as férias, o legislador tomou posição expressa determinando que são “descontadas no período de férias” (art.º 106/1), ou seja, interrompem por si só o decurso do ciclo anual (dos 12 meses) de trabalho efectivo necessário para a aquisição do direito a férias.
44.3. Gozo das férias
As férias são, como se disse, interrupções da prestação de trabalho que visam proporcionar ao trabalhador um repouso anual remunerado que lhe permita recuperar as suas energias físicas e psíquicas e ainda assegurar-lhe condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural.
Por isso, o legislador preocupou-se em criar as condições necessárias para assegurar o seu gozo efectivo garantindo a irrenunciabilidade do direito a férias: o trabalhador não pode renunciar ao direito a férias, nem estas lhe podem ser negadas pelo empregador (art.º 98/1). Pela mesma razão, o gozo efectivo das férias não pode também ser substituído por qualquer compensação económica, salvo o disposto no art.º 98/3: as partes podem convencionar essa substituição por uma remuneração suplementar (correspondente às férias não gozadas), devendo, contudo, o trabalhador gozar obrigatoriamente um período mínimo de 6 dias úteis.
Quanto ao gozo das férias propriamente dito, muito embora o direito a férias seja inerente à qualidade de trabalhador subordinado, sendo adquirido com a celebração do contrato de trabalho, ou seja, passe a existir (se constitua) logo desde o momento da celebração do contrato, tal não significa que ele se vença, isto é, que possa ser de imediato exigido logo pelo trabalhador - daí que a lei determine que as férias «devem ser gozadas no decurso do ano civil seguinte» (art.º 98/2), reportando-se, assim, ao trabalho prestado no ano civil anterior.
As férias devem, em princípio, ser gozadas de forma seguida (gozo ininterrupto) de modo a garantir ao trabalhador um descanso efectivo. Porém, nada impede que, por acordo entre as partes, o seu gozo seja fraccionado em vários períodos, embora com limites; com efeito, a lei é clara no sentido de que não pondo limitação ao número de períodos interpolados de férias, estatui que cada um deles não poderá deixar de ter, pelo menos, 6 dias consecutivos (art.º 100/5).
Por outro lado, se tivermos presentes os fundamentos que justificam o gozo das férias, compreende-se que, em regra, não possam ser cumuladas férias correspondentes a dois ou mais anos (princípio da não cumulação das férias), pelo que a lei impõe que as mesmas devem ser gozadas durante o ano subsequente ao seu vencimento e reportam-se, como se disse, ao trabalho prestado no ano civil anterior (art.º 98/2). Permite, no entanto, a acumulação de férias, desde que não excedam, no mesmo ano, 60 dias, sob pena de caducidade do direito às mesmas, nas seguintes situações:
- as férias podem ser gozadas no ano civil imediato em acumulação (total ou parcial) com as férias do ano anterior, por razões imperiosas ligadas à empresa, à satisfação de necessidades essenciais e inadiáveis da sociedade ou dos interesses da economia nacional, desde que o empregador o comunique previamente ao trabalhador, ao órgão sindical e ao Ministério do Trabalho (art.º 101/1);
- os trabalhadores poderão ainda acumular um máximo de 15 dias por cada doze meses de serviço efectivo, desde que as férias assim acumuladas sejam gozadas no ano em que esse cúmulo atinja o limite dos 60 dias de férias (art.º 101/2).
Por último, importa referir que o gozo de férias durante o período de doença do trabalhador está sujeito a um regime específico: adoecendo o trabalhador quando está no gozo de férias, estas suspendem-se, desde que a doença esteja devidamente certificada por entidade competente e a entidade empregadora seja informada do facto. Terminada a doença, com a alta, prosseguirá imediatamente o gozo de férias compreendido naquele período, salvo se o empregador determinar ao trabalhador uma outra data para o reinício das férias não gozadas (n.ºs 2 e 3 do art.º 102), em defesa de interesses legítimos da empresa.
44.4. Marcação e alteração das férias
Como resulta do art.º 100/1, o gozo das férias é fixado pelo empregador, que deve elaborar o respectivo plano em coordenação com o órgão sindical existente na empresa. Ao contrário de outros ordenamentos jurídico-laborais em que as férias são fixadas por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador, e apenas na sua falta cabe àquela proceder à respectiva marcação, o legislador moçambicano não exige qualquer acordo prévio do trabalhador, competindo ao empregador proceder directamente à marcação das fèrias.
Na elaboração do mapa de férias, o empregador deve, ainda assim, atender aos interesses dos trabalhadores, proporcionando-lhes nomeadamente:
- a permuta do início ou dos períodos de férias entre trabalhadores da mesma categoria profissional (art.º 100/2);
- a possibilidade de os cônjuges que trabalhem na mesma empresa, mesmo que em estabelecimento diferente, gozarem as férias no mesmo período (art.º 100/4);
- o gozo ininterrupto do período de férias a que os trabalhadores tenham direito (art.º 100/5).
A entidade empregadora pode também encerrar a empresa ou o estabelecimento para gozo de férias dos seus trabalhadores, mediante consulta prévia ao órgão sindical competente, e pressupondo, obviamente, que a natureza e organização do trabalho, bem como as condições de produção, o imponham ou permitam (art.º 100/3).
Embora a lei não o refira expressamente, os trabalhadores, por virtude do encerramento do estabelecimento para férias, não podem ser prejudicados no gozo efectivo do período de férias a que tenham direito. Assim, os trabalhadores que tenham direito a um período de férias superior ao do encerramento do estabelecimento (por ex., o estabelecimento encerra durante 15 dias consecutivos e há trabalhadores com direito a 30 dias de férias), têm direito a gozar o período excedente de 15 dias de férias antes ou depois do encerramento, ou com o acordo do trabalhador a receber a remuneração correspondente aos 15 dias em falta - é o que resulta conjugadamente do disposto nos n.ºs 1 in fine (o direito a férias não pode ser negado pelo empregador) e 3 (substituição do gozo de férias por uma remuneração suplementar) do art.º 98.
Uma vez elaborado o plano de férias, circunstâncias diversas podem levar à alteração do gozo das férias no período para o qual já estavam marcadas, e que pode ter origem na esfera do trabalhador (pense-se, por ex., nos casos de doença ou acidente), no âmbito da empresa (ligadas a alterações do respectivo funcionamento), ou até de causas estranhas às partes contratuais - neste sentido, o art.º 101/1 da LT prevê expressamente que as férias podem ser alteradas (por antecipação, adiamento ou acumulação) quando a isso obriguem exigências imperiosas ligadas ao funcionamento da empresa, à satisfação de necessidades essenciais e inadiáveis da sociedade ou interesses da economia nacional.
Para a marcação do novo período de férias, não é necessário a existência de acordo entre o trabalhador e a entidade empregadora, embora tal alteração tenha de ser comunicada previamente ao trabalhador, bem como ao órgão sindical e ao Ministério de tutela da área laboral (art.º 101, n.º 1, in fine).
44.5. Remuneração das férias
No período de férias é garantido ao trabalhador o direito à remuneração («férias remuneradas», na expressão do n.º 1 do art.º 99) de montante correspondente a esse período.
Pode, além disso, ter direito a uma prestação remuneratória complementar de igual valor, o denominado “subsídio de férias”, o qual, não sendo garantido pela lei, só é devido desde que previsto em IRCT ou estipulado entre as partes.
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