14 novembro, 2021

Início do processo negocial

90. Início do processo negocial 
O art.º 167 da LT determina que o «processo de negociação colectiva se inicia com a apresentação de uma proposta de celebração ou de revisão de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho», cujo alcance é maior do que a simples determinação do momento do início das negociações, uma vez que consubstancia o cerne do direito à negociação colectiva – a proposta é uma indicação dada por um parceiro ao outro, de que pretende iniciar um processo (de celebração ou revisão) de negociação colectiva, facto que determina o correlativo dever de negociar por parte do destinatário daquela. 
O autor da proposta tanto pode ser a parte sindical (o mais comum), como a parte empregadora (empregador ou associação de empregadores). Por seu turno, a proposta deve revestir forma escrita e ser apresentada à contraparte (n.ºs 1 e 2 do art.º 168). 
Esta proposta além de revestir a forma escrita, deve ser devidamente fundamentada e conter obrigatoriamente determinados elementos. Com efeito, no n.º 3 do art.º 168, o legislador refere-se à apresentação de uma proposta (bem como a contraproposta) «devidamente fundamentada», o que significa que a proposta negocial colectiva deve ter um mínimo de conteúdo, de modo a revelar um interesse sério em contratar, exigindo que a mesma seja acompanhada por certos elementos, tais como:
  •  a indicação das matérias sobre as quais deve incidir a negociação; 
  • a enunciação das normas da legislação laboral ou de outros regimes legais aplicáveis em que se alicerça a proposta; 
  • a ponderação da situação económico-financeira da empresa, tendo em conta os indicadores de referência do sector de actividade em que esta se integra, como, por exemplo, os da evolução dos índices de preços no consumidor, da produtividade e de capacidade económica, do volume de vendas, do aumento de encargos com remunerações, bem como das condições de trabalho praticadas em empresas e sectores afins e em actividades profissionais idênticas ou similares. 
O n.º 1 do art.º 169 impõe à entidade destinatária de uma proposta o “dever de resposta”, a qual deve ser, igualmente, escrita e fundamentada e apresentada ao proponente nos 30 dias subsequentes à recepção da proposta, salvo quando prazo mais longo tenha sido convencionado pelas partes. 
Não é possível uma resposta que consista na rejeição pura e simples da proposta, uma vez que o legislador obriga a que da resposta conste uma posição por parte do destinatário em que este aceite, recuse ou apresente contraproposta (no caso das matérias não aceites) a qual pode abarcar matérias que não foram tidas em conta na proposta (n.º 2 do art.º 169). Ou seja, a resposta apresentada deve exprimir uma posição relativa a todas as cláusulas da proposta, aceitando, recusando ou contra propondo. 
A falta de resposta à proposta dentro do prazo legal, assim como uma resposta que não obedeça às exigências legais prescritas legitima a entidade proponente a requerer a mediação (art.ºs 169, n.º 6, e 184, n.º 1). 
Note-se, contudo, que, se a proposta não respeitar as exigências previstas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 168, não existirá, em nosso entender, o dever de resposta, mas apenas uma menção do destinatário à contraparte de que aquela não cumpre os referidos requisitos e que não se encontra, por isso, em condições de apresentar a contraproposta. 
O n.º 4 do art.º 169 consagra o dever de o empregador, as associações de empregadores e as associações sindicais enviarem cópia das propostas e das respectivas fundamentações ao ministério que tutela a área do trabalho. 
A lei não se refere expressamente ao envio das contrapropostas, mas afigura-se lógico que também estas devam ser remetidas ao Ministério responsável pela área laboral (até porque uma contraproposta não deixa de ser uma nova proposta que se contrapõe a uma primeira), uma vez que o objectivo é o de que este organismo seja mantido informado relativamente à negociação colectiva em curso, de forma que possa ter em consideração estes elementos sempre que for suscitada a sua intervenção tutelar.
Enfim, e quanto a esta matéria, importa acentuar que não existe no ordenamento jurídico-laboral moçambicano, qualquer sistema de articulação entre os diferentes níveis de negociação colectiva. Assim, a parte (normalmente, a sindical) ao tomar a inciativa de negociação pode livremente optar pela modalidade e escolher a contraparte empregadora que considere mais adequadas à celebração da convenção colectiva que tiver em vista (um empregador se a iniciativa for o da celebração de um AE, dois ou mais empregadores se tiver em mente a negociação de um ACT e, finalmente, uma ou mais associações de empregadores se o objectivo for a outorga de um CCT), inexistindo, assim, na LT um sistema de articulação entre os diferentes níveis de negociação ou contratação colectivas. 
Admitindo, por ex., a existência em vigor um CCT para determinado ramo de actividade celebrado entre a respectiva associação representativa e diversos sindicatos, pode ser celebrado um AE entre uma empresa, filiada naquela associação de empregadores, e os referidos sindicatos? Pode, não existindo nenhuma limitação legal a que seja celebrado um AE na vigência de um CCT, que se manterá em vigor, salvo quanto à dita empresa (cujo regime colectivo passará a ser o do acordo de empresa). 
Imagine-se ainda uma outra hipótese: duas empresas de um determinado sector ou ramo de actividade estão abrangidas pelo CCT aplicável a esse sector. O sindicato representativo dos trabalhadores desse sector pretende celebrar com uma ou mais empresas do sector uma convenção colectiva (AE ou ACT) que regule especificamente a duração do trabalho e das férias e as retribuições mínimas. A(s) empresa(s) recusa(m) a negociação dessa convenção colectiva. Quid juris? 
A pretensão do sindicato de celebrar uma convenção colectiva (AE ou ACT) que complemente o CCT é lícita. No entanto, a decisão da(s) empresa(s) de regular as relações de trabalho através de convenção celebrada pela respectiva associação representativa é igualmente lícita. Na verdade, o direito de contratação colectiva dos trabalhadores está concretizado no CCT e pode continuar a ser exercido através de negociações para a revisão desse contrato colectivo, pelo que a recusa da(s) empresa(s) em celebrar a convenção colectiva de âmbito mais restrito não desrespeita o direito de contratação colectiva dos trabalhadores e é perfeitamente legítima. Cada parte tem o direito de decidir a que nível quer exercer a contratação colectiva, nomeadamente a associação sindical, em representação dos trabalhadores ou, do lado dos empregadores, a empresa ou a respectiva associação. 
A LT – ao contrário de outros sistemas legais – não prevê a articulação entre os vários níveis de negociação, não impedindo contudo, em nosso entender, que essa articulação seja estabelecida por via convencional, podendo assim, por ex., as partes subscritoras de um CCT estabelecer que, no seu âmbito, os ACT’s ou AE´s celebrados posteriormente, possam regular diferentemente certas matérias, mas não outras. Trata-se, contudo, de prática inexistente na experiência da contratação colectiva moçambicana.

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