12 outubro, 2020

Hierarquia das fontes: a relação entre fontes internacionais e fontes internas

12. Hierarquia das fontes: a relação entre fontes internacionais e fontes internas 
A Constituição garante, no art.º 18, a vigência das normas internacionais recebidas “enquanto vincularem internacionalmente o Estado de Moçambique”; e o que está aqui em causa é de saber quais as fontes prevalentes, a das normas internacionais recebidas ou das normas internas? 
Antes do mais, parece-nos razoável defender o entendimento da supremacia hierárquica da Constituição sobre as fontes internacionais. 
Mas já é discutível se as normas internacionais, uma vez recebidas na ordem jurídica interna, prevalecem sobre as leis da Assembleia da República e os decretos do Governo ou se ficam no mesmo nível ou mesmo acima do nível hierárquico das leis e dos decretos. 
A questão tem inegável interesse prático, porquanto, se se considera que uma convenção da OIT, ratificada por Moçambique, prevalece sobre um decreto que disponha diferentemente sobre o mesmo assunto, o regime consagrado por este será inaplicável, ainda que posterior à ratificação da convenção. Se, pelo contrário, se entender a convenção ao mesmo nível hierárquico do decreto, já se aplicará o efeito revogatório do instrumento mais recente, de acordo com o princípio segundo o qual lex posteriori derrogat lex priori. Na doutrina, ambas as teses – a tese da supremacia do direito internacional convencional sobre a lei ordinária e a tese do mesmo nivelamento hierárquico ou nível paritário – têm defensores. 
No Direito do Trabalho, encarando a questão na perspectiva das normas internacionais do trabalho, parece mais defensável a tese da supremacia, a solução mais compatível com os fins e objectivos da Organização Internacional do Trabalho, aos quais o Estado membro está vinculado desde que a elas tenha aderido. Não faria nenhum sentido que o Estado ratificasse Convenções da OIT, comprometendo-se a aplicá-las na sua ordem jurídica interna, para depois delas se afastar através da criação de legislação interna contrária. 
 No caso de Moçambique, de acordo com a doutrina predominante, parece prevalecer a tese do nivelamento hierárquico paritário, com base no disposto no n.º 2 artigo 18 da CRM, segundo o qual as normas de direito internacional “têm na ordem jurídica interna o mesmo valor que assumem os actos normativos infraconstitucionais emanados da Assembleia da República e do Governo”
No entanto, a nosso ver, uma tal tese parece igualmente colidir com o princípio de direito internacional segundo o qual um sujeito de direito internacional não poderá, por acto unilateral interno dispor contra os tratados e convenções por si ratificados enquanto deles se não desvincular através dos mecanismos de desvinculação próprios do direito internacional. Assim sendo, propendemos para o entendimento segundo o qual as normas de direito internacional, depois de recebidas na ordem interna do Estado e ainda que colocadas pela CRM no mesmo nível hierárquico das normas internas, devem prevalecer sobre as leis da Assembleia da República e os decretos do Governo, não podendo estes dispor contra aquelas, sob pena de incumprimento do direito internacional por parte do Estado Moçambicano. 
De acordo com o art.º 18, n.º 2, da Constituição, dever-se-á entender – numa interpretação feita à luz dos princípios do direito internacional convencional – que, em termos de hierarquia normativa, as convenções internacionais ratificadas pelo Estado moçambicano estão situadas num plano infraconstitucional, mas supra-legislativo. Ou seja, uma vez entradas no direito nacional, as normas internacionais não só tornam inválidas as leis internas que se lhe oponham, como impedem o legislador de fixar posteriormente disciplina que se oponha ao disposto no direito internacional recebido. (37)

Notas: 
(37) Fernando Loureiro Bastos a propósito desta questão da “incorporação das fontes de Direito Internacional na ordem jurídica de Moçambique”, acentua que «a hierarquização das fontes de Direito Internacional prevista no n.º 2 do artigo 18 é incompatível com as características do Direito Internacional contemporâneo, e inadequada à inserção da República de Moçambique na comunidade internacional; a opção assumida de colocar as fontes de Direito Internacional num nível hierárquico infraconstitucional, equivalente ao das restantes fontes de produção interna, é contrário aos esquemas de produção normativa que podem ser encontrados nas entidades de integração regional económica, política e jurídica» - “O Direito Internacional na Constituição Moçambicana de 2004”, pp. 24 e 25.

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