55. Transmissão da empresa ou estabelecimento
O art.º 76 da LT prevê uma situação especial de modificação do contrato de trabalho relacionada com a mudança de titularidade de entidade empregadora resultante da transmissão da empresa ou do estabelecimento. (139)
O instituto da transmissão da empresa ou estabelecimento previsto neste preceito tem como finalidade principal proteger os trabalhadores que, assim, não vêem o seu contrato ser posto em causa pelo simples facto de passarem a ter uma outra entidade empregadora. Visa-se, deste modo, garantir a segurança no emprego, a qual ficaria gravemente comprometida se, no caso de transferência, a manutenção das relações laborais entretanto constituídas ficasse integralmente dependente da vontade do empregador.
Como refere Duarte da Conceição Casimiro, «Prevalece o entendimento pacífico de que no direito laboral a transmissão de empresas segue um regime especial. Com efeito, quer no anterior art. 33 (Lei 8/85, de 14 de Dezembro), quer no actual art. 26 (Lei n.º 8/98, de 20 de Julho), a mudança de titularidade da empresa “não afecta os direitos e obrigações emergentes dos contratos de trabalho e dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho existentes [que] passam para a nova entidade empregadora”. Portanto, a lei deixa claro um efeito: o da continuidade dos contratos de trabalho e da consequente manutenção dos direitos dos trabalhadores cujos contratos se transferem de um empregador para outro». (140)
55.1. Princípios legais
Os princípios legais que regem a transmissão da empresa ou estabelecimento, são:
(i) no caso de transmissão, os contratos de trabalho subsistem e transmitem-se ipso jure, ficando o adquirente da unidade empresarial sub-rogado ope legis na posição contratual do anterior titular, isto é, na posição do empregador, independentemente da anuência do trabalhador (art.º 76/3); (141)
(ii) o adquirente é ainda solidariamente responsável pelas obrigações laborais do transmitente constituídas até 12 meses antes da transmissão, mesmo que respeitem a trabalhadores cujos contratos tenham já cessado à data da referida transmissão (art.º 76/ 4);
(iii) o trabalhador pode, contudo, optar pela rescisão ou denúncia do contrato, invocando justa causa, sempre que (art.º 76/2):
- estabeleça um acordo com o transmitente para manter-se ao serviço deste (alínea a));
- no momento da transmissão, tendo completado a idade da reforma ou a requeira por reunir os requisitos para beneficiar da respectiva reforma (alínea b));
- tenha falta de confiança ou receio fundado sobre a idoneidade do adquirente (verbi gratia com as hipóteses de má situação financeira ou má reputação da empresa ou da pessoa para quem foi transferida a exploração) - (alínea c));
- nos 12 meses subsequentes à transmissão, o adquirente tenha intenção de mudar ou venha a mudar o objecto da empresa e se dessa mudança resultar uma alteração substancial ao conteúdo das relações de trabalho (alínea d)).
Por outro lado, embora não se exija o consentimento dos trabalhadores para a transmissão, a LT reconhece a estes a faculdade de rescindirem o seu contrato com justa causa, desde que para tal invoquem os motivos explicitados nas alíneas a) a d) do n.º 2 do art.º 76.
Além disso, o efeito translativo verifica-se qualquer que seja o título através do qual a empresa ou o estabelecimento é transmitido. Na verdade, o n.º 5 do art.º 76 preceitua que o regime da transmissão de empresa ou estabelecimento é aplicável, com as necessárias adaptações, às situações de:
- cedência de parte da empresa ou estabelecimento;
- cisão e fusão de empresas;
- cessão de exploração ou arrendamento de estabelecimento.
Neste sentido, Duarte da Conceição Casimiro, acentua que «O legislador – no art. 26 (da anterior LT, Lei 8/98, de 20-07) emprega as expressões “transmissão da empresa ou do estabelecimento” (na epígrafe e no n.º 2) e “mudança de titularidade de uma empresa ou estabelecimento” (no n.º 1), para as quais não apresenta qualquer definição. Na tentativa da sua interpretação, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que as duas expressões, no preceito em análise, foram utilizadas em sentido amplo. Significa que uma e outra designam, grosso modo, toda e qualquer passagem de uma unidade económica, por qualquer título, de um sujeito para outro. Assim, independentemente de a transferência ser feita por vínculo contratual, título válido, ou não, desde que haja mudança de titularidade de estabelecimento, há transmissão. Segundo a jurisprudência mais recente, impõe-se, todavia, que a unidade económica transmitida conserve a sua identidade. Propósito esse que se alcança se o adquirente receber uma unidade económica com autonomia e aptidão para desenvolver uma actividade produtiva. Constitui, por isso, nossa convicção que, com a utilização da expressão “mudança de titularidade”, o legislador moçambicano abrange toda e qualquer forma de transmissão de empresa do transmitente para o transmissário. Aí englobando-se inúmeras situações jurídicas, por via das quais se pode concretizar a alteração subjectiva do empregador na relação jurídica de trabalho. São, entre outras: o trespasse, a transmissão decorrente da venda judicial, a transmissão mortis causa, a mudança de titularidade da empresa resultante da fusão ou da cisão de sociedades, a nacionalização, a cessão e a reversão da exploração de uma unidade económica». (142)
55.2. Procedimento
O art.º 77 da LT impõe ao transmitente e transmissário a obrigatoriedade de a transmissão ser precedida de um “procedimento de consultas e informação” aos organismos representativos dos trabalhadores (órgãos sindicais das empresas, comissões de trabalhadores ou associações sindicais), informando-os da data, motivos e consequências da transmissão. Este dever de prévia informação das condições da transmissão aos representantes dos trabalhadores destina-se a impedir que os direitos dos trabalhadores possam ser eventualmente prejudicados pela transmissão.
Como vimos, sobre o adquirente impende a responsabilidade solidária pelas obrigações laborais do transmitente constituídas até 12 meses antes da transmissão, mesmo que respeitem a trabalhadores cujos contratos tenham já cessado à data da referida transmissão (art.º 76/4) e sejam por eles reclamadas. Assim, no que respeita aos créditos salariais que, à data da transmissão da empresa ou estabelecimento, os trabalhadores tenham sobre a respectiva entidade empregadora, o adquirente responde, solidariamente com o transmitente, responsabilidade solidária que é extensiva ainda relativamente aos trabalhadores, cujo contrato cessou antes da transmissão, mas cujos créditos são relativos aos 12 meses que antecederam essa mudança (art.º 76, n.ºs 3 e 4). (143)
O adquirente e transmitente são, por isso, obrigados a informar os trabalhadores da transmissão, para efeitos de reclamação dos créditos laborais, que têm um prazo de 60 dias - contados a partir da data da comunicação ou da publicação de aviso nos locais de trabalho - para o exercício desse direito de reclamação, sob pena de caducidade (art.º 77/2).
Se o trabalhador optar pela rescisão unilateral do contrato, invocando justa causa decorrente da transmissão da empresa ou estabelecimento e fundada nos motivos indicados nas alíneas a) a d) do n.º 2 do art.º 76, a lei confere-lhe o direito de indemnização fixada nos termos do n.º 3 do art.º 130.
Notas:
(139) Para efeitos de transmissão, a noção legal de “empresa”, “estabelecimento” e “parte de empresa ou estabelecimento” corresponde ao de “unidade económica” («unidade produtiva apta a desenvolver uma actividade económica») ainda que do ponto de vista normativo possa ser efectivamente constituída por diversas pessoas jurídicas (art.º 76/6).
(140) Cfr. Duarte da Conceição Casimiro “A Transmissão da Empresa à Luz da Lei do Trabalho Moçambicana” (na anterior Lei do Trabalho, aprovada pela Lei n.º 8/98, de 20 de Julho), p. 66.
(141) Sobre a garantia dos direitos dos trabalhadores em caso de transmissão da empresa ou estabelecimento, vide Acórdãos do Tribunal Supremo de 7.07.2011 - Proc.º n.º 107/09-L (BR, III Série, n.º 23, de 6/06/2012), e de 8.10.2009 - Proc.º n.º 206/05-L (BR, III Série, n.º 23, de 6/06/2012)
(142) Duarte da Conceição Casimiro, A Transmissão da Empresa (…), p. 52.
(143) Nestes termos, o disposto no art.º 76 não se aplica aos trabalhadores cujos contratos de trabalho cessaram antes do período de 12 meses anteriores à transmissão, e o mesmo sucede relativamente aos trabalhadores que, por decisão do transmitente ou por acordo entre este e o adquirente, continuam ao serviço do primeiro empregador, ainda que noutro estabelecimento.
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