20 setembro, 2020

Âmbito e funções do Direito do Trabalho

2. Âmbito e funções do Direito do Trabalho 
O ordenamento legal do trabalho surgiu e desenvolveu-se como uma “resposta” às consequências da debilidade contratual de uma das partes (o trabalhador), perante a outra (o empregador) diante de um esquema negocial originariamente paritário como qualquer contrato jurídico-privado. Essa disparidade originária entre os contraentes deve-se não só à diferente natureza das necessidades que levam cada um a contratar, mas também às condições do mercado de trabalho. 
O Direito do Trabalho apresenta-se, assim, ao mesmo tempo, sob o signo da protecção ao trabalhador e como um conjunto de limitações à autonomia privada individual. A função mais correntemente atribuída ao Direito do Trabalho é, justamente, essa: a de “compensar” a debilidade contratual originária do trabalhador, no plano individual. No Direito do Trabalho, o padrão de referência é marcado pela desigualdade originária dos sujeitos, isto é, pela diferente capacidade objectiva de realização de interesses próprios, e daí que a finalidade “compensadora” seja assumida como um pressuposto da intervenção normativa. 
Este objectivo é prosseguido, em primeiro lugar, pela limitação da autonomia privada individual, isto é, pelo condicionamento da liberdade de estipulação no contrato de trabalho. Uma parte do espaço originário dessa liberdade é cimentada pela definição normativa de condições mínimas de trabalho, em que a vontade do legislador supre o défice de um dos contraentes. Conforme acentua Monteiro Fernandes, “O Direito do Trabalho apresenta-se, assim, ao mesmo tempo, sob o signo da proteção ao trabalhador e como um conjunto de limitações à autonomia privada individual”(7) 
Em segundo lugar, e tendo em conta que a subordinação e a dependência económica do trabalhador são susceptíveis de limitar ou eliminar a sua capacidade de exigir e fazer valer os seus direitos na pendência da relação de trabalho, o ordenamento laboral estrutura e delimita os poderes de direcção e organização do empregador, submetendo-os a limites juridicamente regulados. 
Em terceiro lugar, o ordenamento laboral organiza e promove a transferência do momento contratual fundamental do plano individual para o colectivo. O reconhecimento da liberdade sindical e da autonomia colectiva e o favorecimento da regulamentação do trabalho por via da contratação colectiva tendem a restringir o papel do contrato individual na regulação das relações laborais. 
Em quarto lugar, o Direito do Trabalho estrutura um complexo sistema de tutela dos direitos dos trabalhadores que tende a suprir a sua diminuída capacidade individual de exigir e reclamar, sistema que integra meios jurisdicionais (tribunais especializados que seguem regras processuais especiais), processos administrativos (em particular, os que respeitam à actuação da Inspecção do Trabalho) e meios de autotutela colectiva (acção sindical na empresa, meios de luta laboral como a greve). 
Forma contratual (contrato de trabalho), princípio da protecção da parte mais fraca, norma inderrogável (legal e convencional-colectiva), limitação à possibilidade de desvinculação unilateral do empregador, mecanismos de representação colectiva, convenção colectiva e greve, estas são as peças fundamentais a partir das quais foi sendo construído, com configurações variáveis, o edifício do Direito do Trabalho.
No presente, o Direito do Trabalho tem sido confrontado com intervenções legislativas de diferente natureza no sentido da flexibilização e desregulamentação das relações laborais, que têm vindo a marcar uma inversão em relação à concepção originária (a denominada “autonomia dogmática”) do direito laboral. 
Questiona-se mesmo se esta evolução – ditada por razões de pragmatismo e como resposta ao desenvolvimento das economias dos países, nomeadamente as resultantes da globalização – não coloca em causa os princípios fundamentais imanentes ao Direito do Trabalho (é a chamada “crise do Direito do Trabalho”). 
Como é bom de ver, esta questão ultrapassa em muito o problema do estatuto do Direito do Trabalho enquanto disciplina jurídica, o qual não pode ser entendido como um mero direito económico que vai imperando em razão de uma concepção «empresarial» ou da sobrevalorização dos mercados, mas como um “Direito Social Fundamental”, atendendo à sua relevância para a dignidade humana, tal como é expressamente reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art.ºs 23.º e 24.º), na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (art.º 15.º) e na Constituição de Moçambique (art.ºs 84 e 85). 

Notas: 
(7) Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho”, Almedina, 14.ª edição, 2009, p. 22

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