58. Suspensão do contrato
Existem situações em que o contrato de trabalho não se extingue, mas deixa de produzir alguns dos seus principais efeitos ou em que estes continuam a verificar-se embora em condições diferentes das estabelecidas pelas partes. Por motivos diversos, empregador e trabalhador podem encontrar-se temporariamente impossibilitados de, no todo ou em parte, receber ou de prestar trabalho, sem que isso justifique que a outra parte (aquela em relação à qual não se verificou o impedimento) possa fazer cessar o contrato.
Nestas situações, observados determinados requisitos, a lei determina uma alteração transitória da relação laboral, a qual se traduz no essencial, conforme os casos, na paralisação dos seus principais efeitos ou na manutenção destes em moles mais reduzidos do que o convencionado.
O regime da suspensão do conteúdo do contrato (148) tem, pois, como objectivo principal garantir a conservação do contrato de trabalho, constituindo uma manifestação do princípio da segurança ou da estabilidade no emprego. Com efeito, sendo aquele vínculo em princípio de duração indeterminada, o facto de não produzir temporariamente os seus principais efeitos não justifica que deva concluir-se que as partes deixaram de ter interesse na respectiva manutenção. Para além do interesse do trabalhador em conservar o emprego e poder retomar a sua actividade após o impedimento cessar, também a entidade empregadora pode ter vantagens na referida manutenção, tendo em atenção que ocorrem factos na vida do trabalhador (doença, acidentes, serviço militar, maternidade ou obrigações legais) que podem originar impedimentos mais ou menos prolongados da realização do trabalho, e em que se a essas situações estivesse associada a extinção em vez da suspensão do contrato, é fácil imaginar os elevados custos que o empregador teria de suportar amiúde para o preenchimento de novos postos de trabalho.
A suspensão do contrato de trabalho consiste, assim, numa alteração ao regime contratual - determinada por acordo das partes (licença sem remuneração - cfr. supra II.43) ou decorrente de situações legalmente previstas -, que implica a paralisação temporária da vigência do contrato, com a consequente suspensão dos direitos e deveres das partes.
No que toca à suspensão por causas legalmente previstas, estas estão, umas vezes, relacionadas com o trabalhador (art.º 122) e, outras vezes, com a entidade empregadora (art.º 123).
58.1.Suspensão do contrato de trabalho por causa ligada ao trabalhador
(i) Requisitos da suspensão
No art.º 122 da LT prevê-se um conjunto de situações surgidas na esfera do trabalhador que determinam a suspensão do contrato, pelo facto de impossibilitarem temporariamente a prestação de trabalho.
As características comuns a tais situações (a lei enumera exemplificativamente apenas duas: a prestação do SMO e a pena de prisão) são as seguintes:
- existência de um impedimento temporário (duração superior a 15 dias);
- ligação desse impedimento à pessoa do trabalhador;
- não imputabilidade do impedimento ao trabalhador;
- comunicação do trabalhador ao empregador do facto impeditivo da prestação de trabalho.
O carácter temporário da impossibilidade impõe algumas precisões:
Por um lado, as situações capazes de justificar a não comparência ao trabalho determinam a suspensão do contrato se se prolongarem por mais de 15 dias (art.º 122/1); há pois, um limite mínimo de transitoriedade, que decerto se explica pela possibilidade da aplicação do regime normal das faltas a situações de impedimento menos prolongado. O contrato considera-se, no entanto, suspenso, mesmo antes de decorrido o referido prazo de 15 dias a partir do momento em que haja a certeza ou se preveja com segurança que o impedimento terá duração superior àquele prazo (art.º 122/5).
A lei exige, por outro lado, que a situação impeditiva não seja imputável ao trabalhador, caso contrário, estar-se-ia perante a situação de incumprimento culposo, cujos efeitos, são diferentes. Por isso, importa clarificar que o impedimento só deve considerar-se imputável ao trabalhador quando resulte de uma actuação dolosa deste, i.é., de um comportamento através do qual o trabalhador quis deliberadamente isentar-se da execução do contrato de trabalho a que estava vinculado. Assim, por ex., se a impossibilidade da prestação do trabalho se deveu a uma grave doença das vias respiratórias provocada por abuso do tabaco, ou ao facto de o trabalhador, ao jogar futebol nas horas de lazer, ter fracturado uma perna, nada obsta à aplicação do mecanismo da suspensão nestes casos.
Enfim, o trabalhador é obrigado a comunicar ao empregador o facto de se encontrar impossibilitado de prestar trabalho, sob pena de aplicação do regime de faltas injustificadas, dever de comunicação que, em caso de prisão, cabe às autoridades públicas promotoras da detenção do trabalhador (art.º 122, n.ºs 2 e 3).
(ii) Efeitos da suspensão
O n.º 4 do art.º 122 regula os efeitos da suspensão do contrato de trabalho por causas ligadas ao trabalhador, que são os seguintes:
- garantia do direito ao lugar: o trabalhador, por ter o contrato suspenso, não deixa de ter a mesma protecção do direito ao lugar que os demais trabalhadores cujos contratos não estão suspensos («o trabalhador conserva o direito ao posto de trabalho» – art.º 122/6);
- conservação da antiguidade: a suspensão do contrato não impede que prossiga a contagem da antiguidade, uma vez que, do ponto de vista jurídico, a impossibilidade temporária da prestação de trabalho não determina uma quebra da “continuidade” da relação laboral;
- paralisação dos efeitos do contrato condicionados pela impossibilidade da prestação de trabalho efectivo: a suspensão do contrato implica a legítima inexecução da prestação de trabalho, ou seja, exonera temporariamente o trabalhador do cumprimento da sua obrigação principal (cfr. supra II.22.4);
- permanência dos deveres acessórios: embora durante a suspensão do contrato, o trabalhador não esteja obrigado à prestação de trabalho nem o empregador, consequentemente, ao pagamento da remuneração, mantêm-se todos os direitos e deveres das partes na medida em que não pressuponham a prestação de trabalho, nomeadamente os deveres de lealdade (por ex., o trabalhador não pode praticar durante o período de suspensão actos capazes de prejudicar a empresa incompatíveis com o dever de lealdade e respeito mútuos;
- a entidade empregadora pode fazer cessar o contrato de trabalho a prazo certo, por caducidade, se o respectivo termo ocorrer durante o período de suspensão contratual (art.º 122/7).
(iii) Cessação da suspensão
Uma vez cessado o impedimento, termina o período de suspensão e são retomados todos os direitos e deveres das partes decorrentes do contrato de trabalho.
Para o efeito, o trabalhador é obrigado a apresentar-se no respectivo local de trabalho logo que cesse o impedimento (ou, por motivo justificado, no prazo de 3 dias úteis) e no caso de impedimento por cumprimento do serviço militar obrigatório (SMO), no prazo não inferior a 30 dias de calendário, contados a partir da data da cessação do cumprimento do SMO (art.º 122/6).
Observados estes requisitos, a não reintegração do trabalhador suspenso é equiparado pela lei ao «despedimento sem justa causa», excepto se se verificar a «impossibilidade objectiva de reintegração» com fundamento no disposto no art.º 130 da LT: “rescisão do contrato por iniciativa do empregador com aviso prévio fundada em motivos estruturais, tecnológicos ou de mercado” (art.º 122/8).
58.2. Suspensão do contrato de trabalho por motivo respeitante ao empregador
(i) Requisitos
O art.º 123/1 da LT prevê que «o empregador pode suspender os contratos de trabalho por razões económicas, entendendo-se estas como as resultantes de motivos de mercado, tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham ou venham, previsivelmente, a afectar a actividade normal da empresa ou estabelecimento».
Os motivos de mercado constituem situações em que se verifica uma diminuição da actividade da empresa decorrente da redução das vendas ou da impossibilidade de colocar os produtos no mercado; os motivos tecnológicos consistem em alterações técnicas no processo de produção, como por ex., a informatização ou a introdução de tecnologias que inovem o funcionamento da empresa; e as catástrofes ou outras ocorrências trata-se de casos fortuitos que não são imputáveis à entidade empregadora, quer por derivarem de calamidades (por ex., inundações), acidentes imprevistos ou incontroláveis (por ex., incêndios) ou outras situações de força maior (como por ex., a interrupção do fornecimento de energia ou de matérias primas que obriguem ao encerramento temporário da empresa ou à diminuição temporária da laboração.
Ainda segundo o mesmo art.º 123/1, in fine, tais factos só podem justificar o recurso à suspensão dos contratos se tiverem afectado substancialmente a actividade normal da empresa e desde que, no caso concreto, se mostrem indispensáveis para assegurar a viabilidade da empresa. Ou seja, a medida da suspensão não se destina apenas a possibilitar que a empresa recupere das dificuldades económicas ou dos prejuízos sofridos e regresse à sua actividade normal, mas também a garantir a manutenção dos contratos de trabalho dos trabalhadores que estão suspensos.
(ii) Processo de suspensão
Sempre que ocorra algum dos motivos previstos na lei, o empregador deverá, por escrito, comunicar aos trabalhadores a abranger pela suspensão, ao órgão sindical da empresa (ou, na falta deste, ao sindicato representativo) e ao Ministério do Trabalho a sua intenção de suspender a prestação do trabalho
Na mesma comunicação, deve igualmente indicar os fundamentos justificativos da suspensão (art.º 123/2).
O legislador não impõe uma duração máxima para a suspensão dos contratos de trabalho, limitando-se a exigir que o empregador indique na comunicação «a data de início e de duração da mesma» (art.º 123/1) – o que se compreende tendo em atenção que o facto de a suspensão ser de carácter temporário não significa que os motivos que lhes deram origem tenham cessado finda a duração estabelecida inicialmente pelo empregador – apenas com a limitação de que se a suspensão ultrapassar os três (3) meses, se suspende o pagamento das remunerações, podendo as partes acordar a extinção do contrato (149), sem prejuízo das indemnizações a que o trabalhador tiver direito (art.º 123/6).
Ou seja, embora a lei seja omissa, julgamos que subsistindo o impedimento para além do período inicialmente fixado pelo empregador, este deve proceder a uma nova avaliação da situação da empresa e, caso os fundamentos se mantenham, desencadear um novo procedimento com vista a renovar (ou reajustar) a medida da suspensão dos contratos de trabalho.
(iii) Efeitos da suspensão
Nos termos do n.º 3 do art.º 123, são os mesmos da suspensão por motivo respeitante ao trabalhador e referidos nos n.ºs 4 e 7 do art.º 122 (garantia do direito ao lugar, conservação da antiguidade, não obrigatoriedade da prestação de trabalho por parte do trabalhador nem do pagamento da remuneração por parte do empregador, manutenção dos deveres acessórios de lealdade e respeito mútuos), a que acresce, neste caso, uma compensação salarial a pagar pela entidade empregadora e de valor variável em função do período de suspensão, nos termos seguintes:
- no 1.º mês de suspensão: 75 % da remuneração mensal;
- no 2.º mês de suspensão: 50% da remuneração mensal;
- no 3.º mês de suspensão: 25% da remuneração mensal,
Porém, se o impedimento persistir para além do período de 3 meses, há lugar à suspensão do pagamento das referidas remunerações, podendo as partes acordar a cessação dos contratos de trabalho, sem prejuízo das indemnizações a que o trabalhador tiver direito nos termos previstos no artigo 128 da LT (150), cujo pagamento pode, nos casos de suspensão dos contratos de trabalho e, com o acordo das partes, ser fraccionado em três parcelas (art.º 123, n.ºs 6 e 7).
Findo o período de suspensão definido pelo empregador (ou ultrapassado o impedimento que motivou a suspensão, se ocorrer antes de vencido aquele período), o contrato recupera automaticamente a plenitude dos seus efeitos, o que significa que o trabalhador deverá retomar a sua actividade normal e o empregador reassumir todos os seus poderes e deveres.
(iv) Poderes de fiscalização da Inspecção Geral do Trabalho
No âmbito dos poderes de fiscalização da IGT, os serviços desta podem pôr termo à aplicação do regime da suspensão dos contratos de trabalho relativamente à totalidade ou a alguns dos trabalhadores abrangidos, se constatarem a inexistência dos motivos invocados para a suspensão ou verificarem que a empresa procedeu à admissão de novos trabalhadores para funções susceptíveis de serem exercidas pelos trabalhadores suspensos (art.º 123/4).
A redacção deste n.º 4 do art.º 123 não é a mais feliz, uma vez que parece depreender-se da mesma («durante o período de suspensão, os serviços de Inspecção do Trabalho podem pôr termo à sua aplicação») que a IGT apenas pode exercer os seus poderes de fiscalização após o início da suspensão, e não imediatamente após a recepção da comunicação do empregador de proceder à suspensão. Ora, em nosso entender, a “inexistência dos motivos invocados para a suspensão dos contratos de trabalho” pode ser detectada e verificada logo na comunicação do empregador, pelo que não se justifica esta limitação do poder de fiscalização da IGT.
Por outro lado, embora a lei diga que a comunicação deve ser remetida ao órgão sindical da empresa ou, na falta deste, à associação sindical representativa, não indica qual o papel destes órgãos representativos dos trabalhadores no procedimento da suspensão. A eventual lacuna da lei podia ser resolvida com recurso à interpretação analógica aplicando-se ao procedimento da suspensão o mesmo regime previsto para o procedimento colectivo do art.º 133 da LT. Contudo, a omissão da lei e também o facto de esta não estabelecer um prazo de aviso prévio entre a comunicação do empregador e o início da produção dos efeitos da suspensão, leva-nos à conclusão de que o legislador não pretendeu conscientemente que, nos casos de suspensão, existisse previamente uma “fase de informações e consultas” entre o empregador e os trabalhadores ou os seus representantes sindicais.
(148) Sobre a suspensão do contrato de trabalho, António Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho”, pp. 509-534; Maria do Rosário Palma Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais” (7.ª ed.), pp. 721-746.
(149) Neste sentido, o recurso à suspensão do contrato de trabalho constitui um mal menor, na medida em que funciona como alternativa à extinção do contrato de trabalho por motivos objectivos (art.º 130 da LT).
(150) Tais indemnizações correspondem a 45 dias de salário por cada ano de serviço nos contratos de trabalho por tempo indeterminado ou às remunerações vincendas entre a data da cessação e a convencionada para o fim do prazo, nos contratos de trabalho a termo certo (art.º 128, n.ºs 2 e 3).
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