22 outubro, 2020

Contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços

18. Contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços 
A destrinça fundamental entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo, situada no plano dos conceitos é reflectida na lei na existência dos correspondentes tipos contratuais: 
  • o contrato de trabalho definido no art.º 18 da LT («o acordo pelo qual uma pessoa, trabalhador, se obriga a prestar a sua actividade a outra pessoa, empregador, sob a autoridade e direcção desta, mediante remuneração»), e que é o tipo de contrato especificamente destinado a cobrir o trabalho subordinado; e 
  • o contrato de prestação de serviços previsto no art.º 1154.º do Código Civil («aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição»), do qual resulta a contraposição fundamental do “resultado do trabalho” à “actividade em si mesma”, que caracteriza o contrato de trabalho. 
Esta distinção entre trabalho “subordinado” e trabalho “autónomo”, aparece na Lei do Trabalho explicitamente reflectida na previsão, por um lado, da figura do contrato de trabalho (art.º 18) e, por outro, do contrato de prestação de serviço (art.º 20). 
No entanto, o n.º 1 do art.º 20 da LT admite que o contrato de prestação de serviço, ainda que sendo um contrato autónomo, se reconduza, por equiparação, ao contrato de trabalho, sempre que se comprove que por via dele o prestador fique colocado numa situação de verdadeira subordinação económica face à contraparte e ainda que não se verifique a existência de subordinação jurídica. Por outro lado, o n.º 2 do mesmo art.º 20 proíbe que o contrato de prestação de serviço seja utilizado para a execução de tarefas integradas no conteúdo funcional das vagas previstas no quadro de pessoal da empresa, sob pena de nulidade e da consequente conversão daquele em contrato de trabalho. 
De todas estas disposições conjugadas da Lei do Trabalho, resulta que a qualificação jurídica do contrato como “contrato de trabalho” ou como “contrato de prestação de serviço” decorre, não tanto dos conceitos legais referidos, mas da construção doutrinária e jurisprudencial (44), cujo entendimento mais generalizado e perfilhado é de que o elemento caracterizador do contrato de trabalho é a “subordinação jurídica”, ou seja, a relação de dependência em que o trabalhador se coloca por força da celebração do contrato, ficando sujeito, na prestação da sua actividade, às ordens, direcção e fiscalização do dador do trabalho. Para que se dê a subordinação jurídica basta que o trabalhador se integre, de algum modo, em maior ou menor escala, no círculo de esfera de domínio ou autoridade de uma entidade empregadora, sendo suficiente que esta possa dar-lhe ordens, dirigir ou fiscalizar o seu serviço, não se exigindo que, de facto, o faça permanentemente. 
Contudo, com a evolução do Direito do Trabalho, sucede que, frequentemente, a subordinação jurídica existe mas não transparece a uma primeira análise, tornando-se necessário recorrer a elementos concretos, que constituam indícios da sua ocorrência. Perante as reconhecidas dificuldades de que se reveste a qualificação do contrato como de “trabalho” ou de “prestação de serviço”, é necessário, pois, proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolver indícios que reproduzam elementos do modelo típico do trabalho subordinado. 
 Deste modo para se poder concluir se estamos, ou não, na presença de um contrato de trabalho, convém verificar se estão presentes os seguintes indícios: 
(i) o trabalhador obriga-se a prestar a sua actividade laboral, o trabalho em si mesmo, e não propriamente a produzir um certo resultado desse trabalho; 
(ii) os instrumentos de trabalho e as matérias-primas, para além dos produtos acabados, serão pertença do empregador e os riscos inerentes à utilização dos mesmos correrão por conta deste; 
(iii) o local de trabalho situa-se em estabelecimento pertença do empregador ou em local por este determinado; 
(iv) a existência de um horário de trabalho, dentro do qual a actividade deva ser exercida; 
(v) o modo de cumprimento do contrato realiza-se, regra geral, em prestações duradouras e de execução continuada, ainda que, em certos casos, submetidas a certos limites temporais; 
(vi) os riscos ligados ao exercício da actividade desenvolvida correm por conta do empregador; 
(vii) a prestação pelo trabalhador em regime de exclusividade, para uma certa entidade, da actividade laboral, pode constituir uma das suas características; 
(viii) o trabalhador, tradicionalmente, exerce a sua actividade formando equipa com outros trabalhadores subordinados ou estando sujeito a prestar o seu trabalho nas mesmas condições dos demais colegas; 
(ix) a possibilidade de exercício pelo empregador do poder disciplinar sobre o trabalhador; 
(x) a remuneração que, por regra, é estipulada em função de determinada unidade de tempo – mês, quinzena ou semana – sendo devida em quantitativo certo, variável ou misto, definindo-se como contrapartida de actividade prestada com “regularidade” e “periodicidade”. 
Estes indícios diferenciadores do contrato de trabalho não podem, de todo o modo, ser vistos de forma isolada ou atomística. Pelo contrário, deve efectuar-se um juízo de natureza global, perspectivando o todo, em ordem a concluir, ou não, pela existência, no caso concreto, da subordinação jurídica do prestador de trabalho em relação à entidade a quem o presta. Nas situações opostas às que se deixam descritas e em que se verifica trabalho prestado fora de tais condicionalismos, teremos indicações premonitórias de que estamos diante de um “contrato de prestação de serviço”.
 
Em síntese, no contrato de trabalho, o que se visa é o próprio trabalho, competindo à entidade empregadora orientar essa actividade para o fim que se propõe alcançar, nisto consistindo o vínculo de subordinação jurídica característico desta espécie de contrato. Tal implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. 
Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o que se convenciona é alcançar um certo resultado do trabalho, dispondo o prestador do trabalho de autonomia quanto à organização concreta dos meios necessários para alcançar esse resultado. 
A distinção entre “contrato de trabalho” e “contrato de prestação de serviço” assenta, assim, fundamentalmente, em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade versus a obtenção de um resultado), e o relacionamento entre as partes (subordinação jurídica versus autonomia). O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. Diversamente, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que se efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte. 

Notas: 
(44) Na doutrina, Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho” pp. 143-147; Maria do Rosário Palma Ramalho “Direito do Trabalho” Parte II – Situações Laborais Individuais” pp. 170 e ss.; Luís Menezes Leitão “Direito do Trabalho de Angola”, Almedina (2016), pp.82-83; Germano de Almeida “Direito do Trabalho Cabo-Verdiano”, INCC (2010), pp. 295-298. 
Na jurisprudência moçambicana, vd. Acórdãos do Tribunal Supremo: Acórdão do TS de 3.09.2009 - Proc.º n.º 7/05-L (BR, III Série, n.º 35, de 31 de Agosto de 2011); Acórdão do TS de 19.06.2008 - Apelação n.º 42/2007-L (BR, III Série, n.º 7, Suplemento, de 18 de Fevereiro de 2010); Acórdão do TS de 19.06.2008 - Agravo n.º 62/06-L (BR, III Série, n.º 4, 2.º Suplemento, de 29 de Janeiro de 2010).

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