27 janeiro, 2021

Horário de trabalho

37. Horário de trabalho

37.1. Noção 
A protecção da integridade física e psíquica do trabalhador que justificam a limitação da duração do trabalho não ficam garantidas com a simples limitação diária e semanal do número de horas de trabalho. Essa tutela só é assegurada com a distribuição do PNT ao longo de cada período diário (horário de trabalho), semanal (descanso obrigatório e descanso complementar) ou anual (férias). 
De acordo como o n.º 1 do art.º 87 da LT, entende-se por horário de trabalho «a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho, incluindo a dos intervalos de descanso». 
O horário de trabalho delimita, pois, as horas em cada dia, e os dias em cada semana, em que o empregador pode exigir o cumprimento da prestação laboral e em que o trabalhador está obrigado, ou a estar disponível, para a sua realização, operando-se através dele a distribuição da duração convencionada de trabalho pelos dias da semana, os intervalos de descanso do PNT, e também os dias de descanso semanal.

37.2. Interrupções de trabalho 
Nos termos do art.º 88, o PNT diário compreende não só a indicação das horas de entrada e de saída do serviço, mas também a menção às interrupções do trabalho para descanso a seguir enunciadas: 
  •  o período de trabalho diário deverá ser interrompido por um intervalo de duração não inferior a 30 minutos nem superior a 2 horas (n.º 1); 
  • por IRCT, podem ser determinadas duração e frequência superiores às previstas no n.º 1 para o intervalo de descanso do período de trabalho diário (n.º 2); 
  • na jornada contínua (“trabalho contínuo”) – que consiste na prestação ininterrupta do trabalho diário – o período de descanso nunca inferior a 30 minutos, considera-se, para todos os efeitos, como tempo efectivo de trabalho (n.º 3).
37.3. Fixação e alteração do horário de trabalho 
A determinação do horário de trabalho, não oferece controversa jurídica de maior, quando é fixado no momento da celebração do contrato; no caso de este ser omisso, estipula o art.º 87 da LT que compete ao empregador fixá-lo no quadro dos seus poderes de direcção e organização do trabalho, observando os condicionalismos legais ou convencionais e mediante consulta prévia ao órgão sindical competente (n.ºs 2 e 3). 
Relativamente à alteração do horário, a LT é omissa; no entanto, julga-se que lhe é aplicável o regime previsto para a sua fixação (120), podendo o empregador também alterar unilateralmente os horários de trabalho dos trabalhadores seus subordinados, dentro dos parâmetros legalmente estabelecidos. Ou seja, mesmo nos casos em que o horário de trabalho esteja estipulado no contrato, o empregador não fica impedido de, por razões objectivas, exigir ao trabalhador que cumpra temporariamente a sua actividade num horário diferente; só assim não será nas situações em que o horário de trabalho resulte de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, em que o horário apenas pode ser alterado por IRCT posterior. 
Nos casos de elaboração dos horários de trabalho ou em que lhe é permitida a respectiva alteração por via unilateral, o empregador deve consultar sempre e previamente o órgão sindical competente. A falta ou omissão dessa consulta, mais do que uma mera irregularidade, constitui, do nosso ponto de vista, preterição de uma formalidade essencial que afecta a validade da decisão de gestão do empregador, tornando-a, por isso, inválida.

37.4. Mapa de horário de trabalho 
O empregador deve elaborar o mapa de horário de trabalho dos trabalhadores que se encontrem ao seu serviço, o qual deve ser visado pela Inspecção Geral do Trabalho (art.º 4/1, alínea b) do Regulamento da IGT) – não necessita de ser aprovado pela IGT para ser válido, mas apenas visado para efeitos de verificação da sua conformidade com as disposições legais aplicáveis em matéria de duração do trabalho e do cumprimento das formalidades estabelecidas, cabendo ao empregador a responsabilidade pela correcção material e formal do mapa – e afixado em todos os locais de trabalho e em lugar bem visível (art.º 87/2). 
Igualmente, todas as alterações dos horários de trabalho devem ser comunicadas pelo empregador à IGT (para o conhecimento desta e, obviamente, para a sua fiscalização) até ao dia quinze do mês posterior ao da sua adopção (art.º 85/8). 
O Decreto n.º 80/2013, de 31 de Dezembro (publicado no BR, I Série, n.º 104, 5.º Suplemento de 31.12.2013), aprovou o Formulário Único referente à declaração de início de actividade, registo dos trabalhadores no sistema nacional de segurança social e horário de trabalho.

37.5. Modalidades de horário de trabalho 
As noções de período normal de trabalho (PNT) e de horário de trabalho (HT) não se confundem: enquanto a primeira fixa o número de horas que o trabalhador se compromete a trabalhar em cada dia e em cada semana, a segunda determina a distribuição dessas horas por cada período diário ou semanal. 
A definição legal de horário de trabalho (HT) é, deste modo, compatível com a possibilidade de serem estabelecidos tempos de trabalho que não sejam uniformes ao longo das semanas, dos meses e do ano, e susceptíveis de assumir no momento da determinação ou alteração do horário de trabalho diversas modalidades:

§ 1. Horário fixo 
O horário fixo é caracterizado por não serem susceptíveis de alteração as horas de entrada e de saída do trabalho, assim como dos intervalos de descanso. 
Esta modalidade de horário é a de prática mais comum na maioria dos sectores de actividade, uma vez que é aquela que melhor condiz tanto interna como externamente com a generalidade das necessidades em que se desenvolve a actividade empresarial (externamente o empregador tem de coordenar a sua actividade e o respectivo horário de funcionamento pelo dos clientes, fornecedores, logística e transportes, etc., o que impõe que internamente o horário da maioria dos trabalhadores da empresa seja fixo). 

§ 2. Horário flexível ou variável 
No horário flexível, as horas de início e de termo do período diário de trabalho, bem como os intervalos de descanso não são fixados de forma rígida ou invariável, cabendo ao empregador, dentro de certos limites, a respectiva definição (exemplo de horário flexível é o dos trabalhadores poderem entrar ao serviço entre as 8H00 e as 9H00 horas, e terminar entre as 17H00 e as 18H00, devendo trabalhar oito (8) horas por dia). 

§ 3. Horários específicos em função da natureza das actividades desenvolvidas ou dos trabalhadores abrangidos 
A LT admite a adopção de horários de trabalho específicos em função da natureza das actividades prosseguidas pelos estabelecimentos ou dos trabalhadores abrangidos: 
Assim: 
  • os estabelecimentos industriais, com a excepção dos que laborem em regime de turnos, podem adoptar um horário semanal de 45 horas efectuadas em 5 dias (art.º 85/6); 
  • todos os estabelecimentos, à excepção dos serviços e actividades que visem a satisfação de necessidades essenciais da sociedade, incluindo os estabelecimentos de venda directa ao público, podem adoptar a prática de horário único (art.º 85/7); 
  • os empregadores devem adoptar horários de trabalho específicos para os trabalhadores-estudantes ou que frequentem cursos de formação profissional ou ainda aos que possuam capacidade de trabalho reduzida, compatíveis com os interesses destes trabalhadores (art.º 87/4). (121)
37.6. Isenção de horário de trabalho 
No regime de isenção de horário de trabalho (IHT) o trabalhador não está sujeito a horas fixas de entrada e saída, nem ao limite dos períodos máximos de trabalho diário (8 horas) e semanal (48 horas).
O n.º 5 do art.º 87 da LT contempla expressamente a figura da “isenção de horário de trabalho” (IHT) reservada para corresponder às características particulares das actividades exercidas por determinados profissionais – os que exercem “cargos de chefia e direcção, de confiança ou de fiscalização” ou “funções cuja natureza justifique a prestação de trabalho em tal regime” (v.g., os trabalhadores cujo exercício regular da actividade é efectuado fora do estabelecimento sem controlo imediato da hierarquia ou os que executam trabalhos preparatórios ou complementares que pela sua natureza só podem ser efectuados fora dos limites dos horários normais) –, e que se traduz na possibilidade, para o empregador, de poder contar com a disponibilidade do trabalhador sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, não sendo o prestado fora destes limites considerado como trabalho extraordinário.
Pelas implicações que comporta para o trabalhador – a IHT implica uma maior disponibilidade para o trabalho, já que são mais alargados os limites temporais durante os quais o trabalhador fica sujeito ao poder de direcção do empregador, além de implicar por parte do trabalhador uma renúncia à compensação pelo trabalho extraordinário –, confere-lhe o direito a receber, regularmente, uma remuneração adicional, nas condições indicadas pelo art.º 118.

37.7. Trabalho por turnos 

§ 1. Noção 
O n.º 1 do art.º 92 da LT prescreve que o empregador deve organizar «turnos de pessoal diferente nas empresas de laboração contínua ou sempre que o período de funcionamento da empresa ultrapasse o período normal de trabalho». 
Como se infere deste preceito, as empresas que trabalham de forma contínua ou cujo período laboral é superior a oito (8) horas diárias têm de contratar mais do que um trabalhador para o mesmo posto de trabalho a fim de poderem assegurar o seu funcionamento. 
O trabalho por turnos consiste, assim, num modo de organização do tempo de trabalho em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, sendo para o efeito agrupados em turnos (de modo a que o final do período de trabalho de um trabalhador coincida com o início do período de trabalho de outro), e em que cada turno fica adstrito à realização da sua actividade durante determinado período do dia: turno da manhã, turno da tarde e turno da noite.

§ 2. Modalidades 
Um dos aspectos mais peculiares do trabalho por turnos tem a ver a natureza destes que podem ser fixos ou rotativos. 
No primeiro caso, os trabalhadores praticam sempre o mesmo horário de trabalho; no segundo, cada turno realiza o seu trabalho em diferentes períodos do dia, podendo numa semana ser no turno da manhã, na semana seguinte no turno da tarde, mudando novamente de turno na semana subsequente. O regime previsto na LT parece, à primeira vista, não consagrar esta distinção entre turnos fixos e rotativos, uma vez que o n.º 3 do art.º 92 da LT determina que os «turnos funcionam sempre em regime de rotação, por forma a que sucessivamente os trabalhadores se substituam em períodos regulares de trabalho», e o n.º 4 reporta-se aos «turnos no regime de laboração contínua e dos trabalhadores que prestem serviços que, pela sua natureza, não podem ser interrompidos ». 
Estes dispositivos referem-se, a nosso ver, especificamente ao regime rotativo dos turnos que pode assumir formas diversas: pode ser realizado em 2 turnos em que numa semana, o turno A trabalha das 8H00 às 16H00, e o turno B, das 16H00 às 24H00 (n.º 3 art.º 92); mas se a empresa laborar de forma contínua ou sem interrupções, então o trabalho será realizado em 3 turnos: numa determinada semana o turno A trabalha das 8H00 às 16H00, o turno B das 16H00 às 24H00 e o turno C das 24H00 às 8H00 (n.º 4 art.º 92). 
Esta imprecisão do legislador não afasta, em nosso entender, a possibilidade de adopção pelo empregador do regime de turnos fixos.

§ 3. Direitos dos trabalhadores de turnos 
Na base do trabalho por turnos está a necessidade de obter o máximo aproveitamento da capacidade instalada da empresa ou assegurar a satisfação de necessidades sociais que não podem ser interrompidas, o que constitui uma forma de organização do trabalho particularmente desgastante para quem a presta. Por isso, a lei prevê medidas especiais relacionadas com a salvaguarda da segurança e saúde dos trabalhadores (122), e a possibilidade de atribuição de uma remuneração especial (o chamado «subsídio de turno») por via contratual ou convencional. Assim, os trabalhadores por turnos têm direito:
  • a que a duração de trabalho de cada turno não ultrapasse os limites máximos dos períodos normais de trabalho (art.º 92/3); 
  • a um dia de descanso compensatório para além do período de descanso semanal, nos turnos em regime de laboração contínua e dos trabalhadores que assegurem serviços que não possam ser interrompidos, nomeadamente guardas, vigilantes e porteiros (art.º 92/4). 
A prestação de trabalho em regime de turnos rotativos confere muitas vezes aos trabalhadores o direito a uma prestação remuneratória complementar denominada “subsídio de turno”, mas que não estando prevista na lei, não é devida, salvo quando prevista em IRCT ou estipulada por acordo entre as partes. (123)

Notas: 
(120) Com efeito, o art.º 85/8 preceitua tão só que «o empregador deve dar conhecimento de novos horários de trabalho ao Ministério que tutela a área do trabalho através da sua representação mais próxima até ao dia quinze do mês posterior ao da sua adopção, observando as normas definidas na presente Lei e demais legislação em vigor sobre a matéria». 

(121) O Decreto-Lei n.º 2/2014, de 2 de Dezembro, estabelece um regime laboral aplicável ao projecto de Gás Natural Liquefeito nas Áreas 1 e 4 da Bacia do Rovuma (art.ºs 17 a 21) que permite limites dos períodos normais de trabalho aplicáveis às actividades laborais naquele desenvolvidas, incluindo os referentes a turnos nocturnos diferentes dos estabelecidos na Lei do Trabalho: 
«Artigo 21 
 Regras laborais 
(….) 
2. Os limites dos períodos normais de trabalho aplicáveis às actividades laborais desenvolvidas ao abrigo do Projecto da Bacia do Rovuma, incluindo os referentes a turnos nocturnos, são os previstos no presente Decreto-Lei. 
3. As pessoas indicadas no n.º 4 do artigo 2 do presente Decreto-Lei têm o direito de determinar a realização de trabalho extraordinário ou excepcional que seja considerado necessário ou devidamente justificado ou por motivo de força maior no âmbito do Projecto da Bacia do Rovuma. 
4. Às pessoas indicadas no n.º 4 do artigo 2 do presente Decreto-Lei será aplicado o regime do horário de trabalho de 12 (doze) horas por dia, como período normal de laboração contínua, exceptuando os serviços administrativos. 
5. O horário de trabalho de 12 (doze) horas por dia previsto no número anterior deve respeitar um período de descanso compensatório, incluindo férias, a ser estabelecido no contrato de trabalho. 
6. Poderão ser implementados períodos de trabalho com base em distintos regimes de rotação, sem observância de quaisquer dias de descanso obrigatórios, mas seguidos de períodos de descanso compensatórios e adequados, a determinar pela entidade empregadora em conformidade com as necessidades operacionais e de continuidade e observando as melhores práticas internacionais do sector.
7. Poderão ser implementadas outras práticas laborais necessárias para o Projecto da Bacia do Rovuma, na medida em que as mesmas cumpram a todo o momento, com a lei moçambicana, os usos e costumes internacionais de trabalho deste tipo de indústria e os requisitos sociais, de saúde e de segurança que os Financiadores do Projecto da Bacia do Rovuma possam determinar.» 

(122) Por isso, o art.º 47, n.º 2, da Lei da Promoção e Protecção Direitos da Criança (Lei n.º 7/2008, de 29 de Julho), proíbe a colocação da criança trabalhadora em turnos nocturnos. 

(123) O Regulamento do Trabalho Mineiro (Decreto n.º 13/2015, de 3 de Julho) prevê nos art.ºs 10 e 11, o regime específico de trabalho por turnos aplicável nas actividades mineiras e petrolíferas.

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