5. O Direito do Trabalho como ramo autónomo de Direito
A existência do Direito do Trabalho como ramo autónomo de direito implica a existência de um conjunto de princípios e de figuras jurídicas que são específicos desta área do direito.
O Direito do Trabalho, como foi referido no número anterior, tem na sua base um fenómeno social, que é o trabalho dependente ou subordinado e embora este fenómeno, com as características que hoje lhe conhecemos, seja muito recente e só tenha começado a massificar-se a partir do final do século XVIII, com a Revolução Industrial, apenas no final do século XIX é que a produção normativa quanto a este fenómeno se intensificou e permitiu o aparecimento de uma nova área jurídica, com autonomia própria (a denominada “autonomia dogmática do Direito do Trabalho”, a qual no dizer de Maria do Rosário Palma Ramalho “é o reconhecimento de que o Direito do Trabalho se emancipou do Direito do Civil e ocupa um lugar próprio no universo jurídico privado. Esta autonomia da área jurídica é tecnicamente alicerçada na afirmação da singularidade da relação de trabalho em face dos vínculos obrigacionais, e, em consequência, na subtracção global desta relação ao regime jurídico civil. Ao reconhecimento da autonomia do Direito do Trabalho inere a afirmação do princípio da protecção do trabalhador, que passa a ser considerado como a valoração fundanentante geral da área jurídica”. (9)
Assim, o Direito do Trabalho é um ramo de direito com mais de um século de existência, uma vez que a maioria dos autores situa o aparecimento desta área jurídica entre o final do séc. XIX, início do século XX, e o termo da I Guerra Mundial.
Manuel Carlos Palomeque Lopez considera que “O Direito do Trabalho é, desde logo, uma categoria cultural fruto do sistema capitalista industrial” (10), ou seja, para este autor, foram as deploráveis condições de vida dos operários no período da industrialização capitalista que fizeram surgir a designada “Questão Social” e a procura de respostas que pudessem reduzir a situação de extrema pobreza e debilidade em que se encontravam as classes trabalhadoras. Assim, apesar dos princípios vigentes à época de autonomia e igualdade das partes, os Estados foram forçados a intervir através da criação de normas protectoras dos trabalhadores.
Pedro Romano Martinez considera no mesmo sentido que o moderno Direito do Trabalho, surge com a Revolução Industrial e que as circunstâncias muito especiais da época, levaram a um distanciamento do Direito das Obrigações, que permitiram a criação de um conjunto de normas com um cariz protector dos trabalhadores. (11)
Para Bernardo da Gama Lobo Xavier “O Direito do Trabalho é um direito moderno, que surge com a Revolução Industrial, o operariado, as lutas entre o capital e o trabalho e as reflexões provocadas por essas mesmas questões, isto é, a Questão Social”. A origem do Direito do Trabalho, como um conjunto de normas com um cariz protector da parte considerada mais débil, ou seja, o trabalhador, levou a que inicialmente se designasse o Direito do Trabalho como Direito Operário, Direito Social ou até Direito Industrial. (12)
Também Júlio Gomes (13) considera o aparecimento do Direito do Trabalho como resultado da Revolução Industrial e da classe operária, mas procurando evitar ser um direito conotado com uma classe. O aparecimento do Direito do Trabalho, no contexto histórico em que se verificou, representou um corte com os princípios tradicionais de Direito Civil, nomeadamente os princípios da igualdade e da autonomia das partes, que vigoraram até à data, pois estes princípios não se adequavam na prática às relações de trabalho que se estabeleciam entre os operários e os empregadores, uma vez que a desigualdade entre as partes era uma realidade, sendo efectivamente a parte mais débil o trabalhador, que muitas vezes tinha que se sujeitar a condições muito pouco satisfatórias.
O Direito do Trabalho é ainda marcado por um sentido contraditório, como refere Manuel Carlos Palomeque Lopez (14), ou seja, enquanto, por um lado, as suas normas legitimam a relação estabelecida entre empregadores e trabalhadores através do contrato de trabalho e os interesses empresariais do empregador, por outro lado, limitam o poder deste, através de normas protectoras dos interesses dos trabalhadores.
Resumindo, podemos referir que o Direito do Trabalho surge como consequência de um conjunto de circunstâncias sociais, económicas e políticas que têm como enquadramento a Revolução Industrial (2.ª metade do século XVIII) e a existência de um elevado número de operários que saem dos meios rurais e acorrem às cidades à procura de trabalho e se sujeitavam a condições de trabalho e de vida degradantes.
Neste contexto, os Estados vêem-se confrontados com a necessidade de intervir para minorar os excessos do liberalismo económico, introduzindo normas destinadas à protecção dos trabalhadores, daí ressaltando que, na sua origem, a autonomização do Direito do Trabalho tem como objectivo fundamental a tutela dos direitos dos trabalhadores, nos seguintes aspectos:
- autonomização do “contrato de trabalho” em relação aos contratos civis da locação e da prestação de serviços (a “locatio conductio operarum” do direito romano) (15) , com a regulamentação completa e específica sobre o contrato de trabalho desde a sua formação até à sua cessação;
- o afastamento do princípio da igualdade entre as partes (empregador e trabalhador) do contrato civil pelo princípio do tratamento mais favorável (“favor laboratoris”) destinado a proteger a parte mais fraca da relação de trabalho (“o trabalhador”)
- a “autonomia colectiva” com a elevação das convenções colectivas de trabalho à categoria de fontes laborais, e a aceitação dos sindicatos como parte na negociação das condições de trabalho (“contratação colectiva”) e a consagração do direito de greve;
- no domínio das “condições de trabalho” o carácter mais intervencionista do Estado com o surgimento de uma regulamentação legislativa no âmbito do denominado Direito de Protecção Social.
(9) Para maior desenvolvimento do conceito da autonomia dogmática do Direito do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral”, Almedina, 2005, pp. 445-455
(10) Manuel Carlos Palomeque Lopez “Derecho del Trabajo”, Editorial Centro de Estudos Ramón Areces, 2001, p. 17.
(11) Pedro Romano Martinez “Direito do Trabalho”, Almedina, 2007, p. 74.
(12) Bernardo da Gama Lobo Xavier “Curso de Direito do Trabalho”, Verbo, 2004, p. 28.
(13) Júlio Manuel Vieira Gomes “Direito do Trabalho - Volume I - Relações Individuais de Trabalho”, Coimbra Editora, 2007, p. 12
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(14) Palomeque Lopez, ob. cit., p. 33.
(15) Motta Veiga acentua que já «no direito romano a prestação de trabalho duma pessoa sob a orientação de outra, que tomava a designação genérica de "locatio conductio", podia assumir três formas contratuais distintas:
a "locatio conductio rei", pela qual uma pessoa entregava uma coisa a outra, por certo tempo, a troco de uma "merces" e que constitui o antecessor da actual locação;
a "locatio conductio operis", pela qual uma pessoa se obrigava a realizar para outra uma obra, também a troco duma "merces", e que hoje corresponde ao contrato de prestação de serviços;
e a "locatio conductio operarum", pela qual uma pessoa se obrigava a prestar a sua actividade sob a orientação doutra, recebendo como contrapartida uma "merces", e que corresponde ao actual contrato de trabalho,
embora questione se o direito romano havia autonomizado a "locatio conductio operarum" relativamente ao quadro geral da "locatio conductio", argumentando que a tradição romanista equiparava a prestação de trabalho por conta doutrem ao aluguer de coisas (“locatio conductio rei”), sendo a coisa alugada, neste caso, a própria força de trabalho» (António Jorge da Motta Veiga, “Lições de Direito do Trabalho”, Universidade Lusíada, SPB- Editores e Livreiros, pp. 58-59).
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