30 novembro, 2020

O Empregador

 23. O Empregador 

23.1. Noção jurídica 
Como resulta da noção do contrato de trabalho (art.º 18 da LT), o empregador é a pessoa (física ou jurídica) que possui trabalhadores subordinados ao seu serviço, isto é, que os contrata, que lhes paga a remuneração e que é o credor da respectiva prestação de trabalho. 
A LT identifica com precisão o credor da prestação de trabalho como a pessoa em sentido jurídico à qual se reportam os direitos e deveres emergentes da respectiva relação contratual, que tanto pode ser a pessoa singular ou, mais frequentemente nos tempos que correm, uma pessoa colectiva em que os trabalhadores se encontram inseridos e prestam a sua actividade no quadro de uma empresa (seja ela, uma sociedade comercial privada, empresa pública ou de capitais públicos). 

23.2. A empresa e o empregador 
A LT não prevê em sentido formal o conceito de empresa como pessoa jurídica titular do contrato de trabalho, limitando-se a enunciar no art.º 34 os “tipos de empesas” (grandes, médias ou pequenas) baseado apenas no critério do número de trabalhadores ao serviço das mesmas. 
Esta tipologia das empresas tem, contudo, relevância em diversas situações especificadas na LT: 
  • na limitação à contratação de estrangeiros mediante a fixação de quotas em função do tipo de empresa (art.º 35/1); 
  • na possibilidade de as pequenas e médias empresas poderem livremente celebrar contratos a termo certo, nos primeiros 10 anos da sua actividade (art.º 42/3) ou nos primeiros 10 anos de vigência da actual Lei do Trabalho (art.º 270/3). 
Podendo o termo “empresa” ser empregue em diferentes acepções e com conteúdos diversos, no domínio do Direito do Trabalho ela é usada sobretudo com dois sentidos:
(i) num sentido objectivo, a empresa é o complexo estável de meios de produção, integrando meios materiais e imateriais (entre eles o factor trabalho), organizados para o exercício de uma actividade produtiva – é o sentido que releva para o direito laboral;
(ii) num sentido subjectivo, como o empresário que é titular ou proprietário dessa organização (nesta acepção, a expressão é por vezes utilizada como sinónimo de empregador). 
Finalmente, na legislação laboral, o termo é ainda usado como sinónimo de estabelecimento. Com efeito, no domínio do direito laboral, o conceito de estabelecimento tanto pode ser sinónimo de empresa, como sucede por exemplo, no art.º 76, sobre as disposições relativas à transmissão de empresa ou estabelecimento, como num sentido mais restrito, para designar a unidade técnica de venda ou de produção de bens ou de fornecimento de serviços dotada de autonomia técnico-organizativa (é este o sentido de local onde se exerce a actividade empresarial usado no art.º 85, quando se definem os limites do período normal de trabalho, ou no art.º 100, n.º 4, sobre a elaboração do plano de férias). (89) 

23.3. A pluralidade dos empregadores 
A Lei do Trabalho não ignorou o problema do contrato de trabalho perante os mais recentes fenómenos de controlo e cooperação interempresarial, tendo o legislador optado por superar, em parte, o modelo de contrato de trabalho assente na visão da tradicional e monolítica empresa societária, tanto mais que, independentemente de o art.º 18 estatuir que constitui contrato de trabalho «o acordo pelo qual uma pessoa, trabalhador, se obriga a prestar a sua actividade a outra pessoa, empregador (…)», tal não obsta a que no âmbito do Direito do Trabalho – em que a circunstância de poder existir um contrato formal em que apenas um empregador aparece identificado como tal, não ser decisiva na qualificação da situação jurídica, desde que se determine que, de facto, o trabalhador se encontra juridicamente subordinado a outro empregador – se reconheça essa realidade abrindo caminho à figura da pluralidade de empregadores. 
O art.º 35 da LT admite expressamente que um trabalhador possa estar vinculado a uma pluralidade de empregadores, o que pode ocorrer nas seguintes situações: 
  • quando entre os empregadores exista uma relação societária de domínio, de participações ou de grupo (“sociedade controladora e controlada”, “sociedades coligadas” ou “grupo de sociedades” previstas, respectivamente, nos art.ºs 147, 148 e 149 do Código Comercial); ou, 
  • quando os empregadores, independentemente dessa natureza societária, mantenham uma estrutura organizativa comum (por vezes, a relação jurídico-societária não existe, mas a estrutura organizativa de instalações, equipamentos e recursos é a mesma) – é o que se prevê no n.º 1 do art.º 35.
Desta disposição resulta igualmente que, no âmbito de uma relação de trabalho, decorrente de uma situação de simultânea sujeição do trabalhador a diversos empregadores, seja pela existência de relações societárias subjacentes, seja pelo facto dos pretensos empregadores se servirem de estruturas organizativas comuns, é sempre através do elemento da subordinação jurídica (vínculo jurídico-laboral) que se deve aferir da qualidade de entidade empregadora. 
Por isso, em todas as situações, a lei exige que o contrato («único contrato», na expressão da lei) com uma pluralidade de empregadores conste de documento escrito contendo os seguintes elementos: 
(i) quanto ao trabalhador
- da actividade a prestar; 
- do local de trabalho; 
- do período normal de trabalho. 
(ii) quanto aos empregadores: 
- dos diversos contitulares da posição de empregador; 
- do empregador que actua em nome dos demais no cumprimento dos deveres e no exercício dos    direitos emergentes do contrato de trabalho (art.º 35/2).
A obrigação de indicar a actividade a prestar pelo trabalhador, o local de execução da prestação e a duração desta, explicam-se por razões de tutela do conteúdo funcional da prestação (art.º 72/1), da inamovibilidade do trabalhador (art.º 75/2) e da duração máxima da jornada de trabalho (art.º 85). Já quanto aos empregadores, a exigência da identificação do empregador que representa todos os outros tem como objectivo a garantia de que caso cessem as relações societárias ou a estrutura organizativa comum, o contrato prossegue e o trabalhador fica vinculado ao empregador que actuava em representação dos demais. 
Neste âmbito, pode colocar-se a questão de saber se, mesmo que não tenha sido assinado o documento escrito a que alude o n.º 2 do art.º 35, pode o trabalhador invocar a pluralidade de empregadores, desde que, verificando-se uma das assinaladas situações, venha a provar que desempenha funções com sujeição às ordens e direcção de todos eles. 
Em nosso entender, a inexistência de documento escrito, não obsta a que se possa concluir pela existência de uma situação de facto de vinculação a uma pluralidade de empregadores, desde que o trabalhador comprove, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, que exercia funções mediante um vínculo de subordinação jurídica em relação aos vários empregadores. 
Uma outra solução – em nossa opinião, não compaginável com a lei que admite o contrato de trabalho “consensual” ou “não formal” (art.ºs 19 e 38/6) – seria a de, em caso de inexistência de documento escrito, que titule a prestação de trabalho a vários empregadores ou a violação dos requisitos acima enunciados, provocar a ilicitude da prestação de trabalho a uma pluralidade de empregadores, e, consequentemente, conferir ao trabalhador o direito de optar pelo empregador ao qual fique vinculado.
Enfim, o n.º 3 do art.º 35 consagra o princípio da responsabilidade solidária de todos os empregadores beneficiários da prestação de trabalho pelo cumprimento das obrigações perante o trabalhador, o que origina: 
  • por um lado, que qualquer dos empregadores pode exigir do trabalhador a execução integral do contrato, o que liberta o trabalhador da prestação da actividade para com todos os outros; 
  • por outro, que a cessação do contrato depende da verificação da respectiva causa (v.g., despedimento colectivo) quanto à totalidade dos empregadores.
Notas: 
(89) Sobre as noções jurídicas de “empregador”, “empresa” e “empresário”, Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho” pp. 253-259, e na doutrina moçambicana “conceito de empresa, estabelecimento e parte de estabelecimento” Duarte da Conceição Casimiro, in “A Transmissão da Empresa à Luz da Lei do Trabalho Moçambicana”, Colecção de Estudos de Direito Africano, Almedina, 2006, pp. 29-51.

23.4. Os poderes do empregador 
A existência de um contrato de trabalho pressupõe que a execução da actividade contratada seja feita pelo trabalhador sob a alçada do poder de que o empregador é titular no domínio do trabalho subordinado. 
A posição do empregador na relação de trabalho subordinado é normalmente definida como uma “posição de poder”, circunstância que torna o contrato de trabalho desequilibrado e diferente quando comparado com a generalidade dos contratos no domínio do direito privado, já que no domínio dos contratos em geral, as partes têm na relação jurídica posições diferentes mas equivalentes, ou seja, com o mesmo tipo de direitos e deveres. 
 Para atenuar o desequilíbrio patente na relação de trabalho tem contribuído a legislação do trabalho (90), ao criar institutos jurídicos e mecanismos de defesa do trabalhador, no sentido da diminuição da supremacia do empregador. Tal desiderato é tendencialmente conseguido através da introdução de limites à acção do empregador, garantindo ao trabalhador a manutenção dos elementos essenciais da relação de trabalho tais como, entre outros, as funções, a categoria, o tempo de trabalho e a retribuição.
Tem sido, pois, peça fulcral na protecção do trabalhador moçambicano, os instrumentos normativos que lhe são assegurados, quer pela Constituição, quer pela Lei do Trabalho. Merecem neste campo especial relevo as normas constitucionais em matéria laboral, ao elevarem ao patamar de direitos fundamentais alguns direitos dos trabalhadores, como o direito ao trabalho, o direito ao salário e a proibição dos despedimentos sem justa causa. Ao mesmo tempo que protegem o trabalhador, estas normas projectam o contrato de trabalho para além da relação entre trabalhador e empregador, configurando‐o também como instrumento jurídico de relevo a considerar nas políticas sócio-económicas do Estado.
Não obstante, e apesar de toda esta protecção normativa ao trabalhador, a posição do empregador não deixa de ser uma “posição de poder”, especialmente visível, por exemplo, no disposto no art.º 60 da LT ao conferir ao empregador um poder de direcção (em sentido amplo) da actividade do trabalhador, que se manifesta através da tríade dos poderes do empregador: o poder de direcção em sentido estrito («compete ao empregador … “fixar e dirigir», art.º 60), o poder regulamentar (“regulamentar”, art.º 61), e o poder disciplinar (“disciplinar”, art.ºs 62 e ss.). (91) 
Estes poderes não têm necessariamente de ser exercidos pelo empregador: com efeito, a existência de uma hierarquia na empresa permite a atribuição dessas competências a trabalhadores que ocupem posições intermédias ou de chefia na organização empresarial ou até a entidades estranhas à empresa (por ex., nomeação de advogado para proceder ao processo disciplinar) - neste sentido, cf. o art.º 60 quando se refere «à pessoa por ele (empregador) designada». 
Quanto à interligação entre estes poderes do empregador, designadamente entre as relações entre o poder de direcção e o poder disciplinar, existem na doutrina duas teses diametralmente opostas: uma designada de “tese dualista” que posiciona o poder disciplinar de forma autónoma e independente relativamente ao poder de direcção; outra, denominada de “tese monista” que concebe o poder disciplinar como uma parte do amplo poder de direcção do empregador. 
No âmbito da lei laboral moçambicana, inclinamo-nos para a tese monista tendo em conta o disposto neste preceito de que “compete ao empregador fixar, dirgir, regulamentar e disciplinar os termos e as condições em que a actividade deve ser prestada”, parecendo-nos óbvio que estão todos eles intimamente interligados: o poder de direcção manifesta-se através do poder regulamentar e o poder disciplinar é o garante do exercício dos poderes de direcção e regulamentar.

23.4.1. O poder de direcção 
O poder de direcção encontra-se previsto no art.º 60 da LT, de acordo com o qual compete ao empregador «fixar e dirigir» os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, isto é, a lei, os IRCT´s e os RI´s da empresa. 
 A relativa indeterminação da prestação de trabalho do contrato de trabalho implica a necessidade da sua especificidade quanto ao lugar, tempo e modo da actividade a executar, indeterminação que é resolvida precisamente através do instrumento jurídico que é o poder de direcção. 
Num primeiro momento, o poder de direcção dirige-se à determinação das funções ou tipo de tarefas que o trabalhador irá executar. Dentro do quadro legal de condutas que o trabalhador se comprometeu a prestar, o empregador selecciona um determinado conjunto de tarefas, atribuindo àquele um certo posto de trabalho ou função na organização empresarial. A este aspecto do poder de direcção, que a doutrina denomina genericamente de “poder determinativo da função” refere-se a alínea f) do art.º 59 da LT ao determinar que a entidade patronal deve «atribuir ao trabalhador uma categoria profissional correspondente às funções ou actividades que desempenha». 
O poder de direcção incide, por outro lado, na própria execução da actividade laboral, falando-se a propósito deste outro momento do poder de direcção em “poder conformativo da prestação”, a que se refere o art.º 60 quando preceitua que compete ao empregador «fixar» os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem. De uma forma geral, este poder exprime a faculdade de o empregador dar ordens ou instruções sobre a execução de tarefas, ordens às quais o trabalhador deve obediência (alínea d) do art.º 58). O conteúdo dessas ordens é muito variável, podendo abranger, consoante os casos, os diferentes aspectos relacionados com a expressão da actividade laboral, i.e., o modo como o trabalho deve ser executado, o tempo no qual a prestação deve ser cumprida e o local de cumprimento.
Se relativamente ao denominado “poder determinativo da função” os principais limites que sobre ele incidem derivam do próprio contrato de trabalho (uma vez que a selecção de funções a executar é feita dentro dos limites decorrentes do trabalho acordado pelas partes), já quanto ao “poder conformativo da prestação” os limites do poder do empregador podem ser muito variados (92), tendo a maioria deles origem na própria lei (por ex., limites legais e convencionais referentes à alteração do local de trabalho (alínea h), do art.º 59) ou à determinação temporal da prestação de trabalho (art.ºs 85 e ss.). 
Em conclusão, após contratar os trabalhadores e durante a vigência dos contratos de trabalho, ao empregador compete dirigir e conformar a prestação de trabalho com as necessidades da organização de que é titular e para o qual o trabalho é prestado, poder de autoridade e direcção (a que se reportam os art.ºs 60, 61, e 62 e ss.), que deverá ser exercido de acordo com a lei, e se desdobra nos seguintes poderes mais significativos: 
  • um poder determinativo da função que consiste em, de acordo com as necessidades da empresa, e com a qualificação de cada trabalhador, atribuir a este determinadas funções enquadráveis na categoria profissional para que foi contratado; 
  • um poder conformativo da prestação que, tendo como correlativo o dever de obediência que impende sobre o trabalhador, lhe confere a possibilidade de definir os termos em que o trabalho deve ser prestado.
23.4.2. O poder regulamentar 
Como referimos antes (I.10.5) a propósito das fontes internas, o art.º 14 da LT permite que os sujeitos da relação de trabalho possam estabelecer regulamentos internos (n.º 1), embora não os considere como fontes do Direito do Trabalho (n.º 2). 
O poder regulamentar encontra-se previsto e regulamentado no art.º 61 da LT, constituindo uma forma específica de manifestação ou exteriorização dos poderes do empregador, que consiste na faculdade de este elaborar “regulamentos internos”, isto é, de acervos normativos que compreendam normas de organização e disciplina do trabalho na empresa, bem como regras respeitantes a outras matérias (apoio social aos trabalhadores, utilização de instalações e equipamentos, actividades culturais, desportivas e recreativas). 
Além da função de organizar e disciplinar a execução do trabalho, pode o regulamento interno desempenhar uma outra função: a de editar normas que manifestem a vontade contratual do empregador no que respeita a novas condições de trabalho (art.º 61/3). Ao estabelecer novas condições de trabalho, o RI que as contém funciona como uma proposta-tipo de adesão apresentada pelo empregador relativamente aos trabalhadores admitidos em data anterior à publicação do mesmo, os quais tanto podem rejeitá-la como aderir-lhe de forma expressa ou tácita (art.º 37 sobre o “contrato de trabalho de adesão”). 
A elaboração de RI´s é facultativa, só sendo obrigatória para as médias e grandes empresas (art.º 61/1, in fine), sendo nosso entendimento que esta obrigatoriedade se restringe às matérias sobre a “organização e disciplina do trabalho”, uma vez que as actividades culturais, desportivas ou recreativas se encontram fora do âmbito do direito do trabalho. 
Por outro lado, a elaboração de regulamentos internos depende apenas da vontade do empregador, o que bem se compreende, na medida em que eles traduzem a faceta normativa que reveste o exercício dos seus próprios poderes. Contudo, os RI´s que digam respeito à organização e disciplina do trabalho, antes de entrarem em vigor, têm de ser comunicados à IGT (alínea a), do n.º 1, do art.º 4 do Regulamento da Inspecção-Geral do Trabalho) e deverão, antes desta remessa, ser enviados, para consulta, ao comité sindical da empresa ou, na falta deste, ao órgão sindical competente (art.º 61/2). A lei não impõe, assim, a necessidade de aprovação de regulamentos internos por parte da IGT, bastando a simples comunicação ao órgão competente da administração do trabalho, que deve ser precedida de simples consulta (não de “parecer vinculativo”) ao comité sindical da empresa.
Uma vez aprovados, o empregador deve dar publicidade aos RI´s, divulgando-os de modo a que os trabalhadores possam, a todo o tempo, tomar deles inteiro conhecimento (art.º 61/4). 
Por último, importa salientar que o regulamento interno deve estar sintonizado não apenas com a lei mas, também, com as convenções colectivas existentes. A efectividade da sua aplicação passa, em larga medida, pela forma como for previamente debatido entre empregador e trabalhadores e consensualizado no interior da empresa. Com efeito, neste domínio, os RI´s são completados através da emissão pelos empregadores de «Ordens de Serviço» ou até as simples «Circulares da administração ou gerência» sobre condições de trabalho (por ex., em matéria de atribuição de remunerações acessórias, condições de promoção, prémios de produtividade, etc.) que não são devidas por força de qualquer fonte geral ou específica do direito do trabalho. Nestes casos, e por razões de segurança jurídica, é necessário distinguir: 
  • ou as referidas «Ordens de Serviço» e «Circulares» quando constituam um instrumento regulador, de aplicabilidade genérica no âmbito da empresa e com reflexos directos na relação contratual se reconduzem e devem qualificar-se como “Regulamentos Internos”, presumindo-se, neste caso, que uma vez aceites por adesão expressa ou tácita dos trabalhadores, passam a obrigar ambas as partes em termos contratuais e a integrar o conteúdo dos contratos individuais de trabalho, caso em que a modificação só pode ser revogada por vontade de ambas as partes; 
  • ou as ditas «Ordens de Serviço» e «Circulares» não revestem a natureza de regulamentos internos, situação em que o empregador pode, em princípio, revogá-las livre e unilateralmente.
Notas: 
(90) Já no séc. XIX, o religioso dominicano Henri Lacordaire afirmava que «entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o senhor e o servo é a liberdade que oprime e a lei que liberta». 

(91) Sobre os poderes do empregador, Monica Waty, “Direito do Trabalho”, pp. 98 e ss.; Carlos Pedro Mondlane “ Conteúdo do poder de direcção nas relações jurídico-laborais”; Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho”, pp. 267-279. Jurisprudência: Acórdão do Tribunal Supremo de 5.03.2009 (Proc.º 105/05-L) “Complete à entidade empregadora, como titular dos poderes de direcção e regulamentar, exercer o poder disciplinar sobre os trabalhadores ao seu serviço, podendo aplicar qualquer uma das sanções nela previstas, observando os pressupostos e o formalismo descritos nos artigos 23º e 70º, da Lei nº 8/98.” 

(92) Na verdade, as instruções do empregador quanto ao modo de realização do trabalho pelo trabalhador podem naturalmente variar de empregador para empregador, podendo ser mais genéricas ou mais específicas, apresentando conteúdo diferente e variável. Podem inclusive abranger comportamentos que vão para além da própria prestação do trabalho como, por ex., a obrigação de usar fardas, a proibição de fumar nas instalações, a limitação quanto à utilização dos equipamentos informáticos e de comunicação da empresa para fins pessoais, entre outros.

23.4.3. O poder disciplinar 
(i) Caracterização geral 
Para além de dirigir e de regular a actividade laboral, o empregador dispõe ainda do poder de julgar e de sancionar o trabalhador, tal como consagra o art.º 62/1 da LT, «o empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador que se encontre ao seu serviço, podendo aplicar-lhe as sanções disciplinares previstas no artigo seguinte». 
O poder disciplinar consiste na faculdade reconhecida ao empregador de impor, dentro dos limites legais ou convencionais e com as garantias estabelecidas na lei, determinadas medidas coactivas (sanções disciplinares) para reprimir as condutas dos seus trabalhadores que ponham em perigo a organização empresarial ou se traduzam em violação dos seus deveres contratuais. O trabalhador encontra-se, em face do poder disciplinar do empregador, numa situação de sujeição jurídica, correspondente ao direito potestativo em que se traduz o exercício daquele poder patronal. 
Trata-se de um poder cujo fundamento reside na necessidade de assegurar o bom funcionamento da empresa e, em especial, a execução da prestação de trabalho, e que se traduz numa forma de garantia do poder de direcção do empregador, como um instrumento previsto na lei para a tutela da respectiva posição jurídica, maxime enquanto titular da organização empresarial. Daí que a própria definição legal do contrato de trabalho tenha colocado a par da ideia de direcção, a autoridade do empregador (art.º 18 da LT). 
Em regra, o poder disciplinar é exercido directamente pelo empregador; no entanto, o mesmo pode também sê-lo pelos superiores hierárquicos do trabalhador, nos termos por aquele estabelecidos (art.ºs 63 e ss. - Sanções disciplinares e acção disciplinar), ou seja, o empregador pode delegá-lo num representante, designadamente um trabalhador da empresa, conquanto com categoria hierárquica superior, que assim o exerce em nome e no interesse daquele através de competência expressamente delegada para o efeito (art.º 62/2). 
Por conseguinte, parece-nos de todo vedada a possibilidade de o poder disciplinar (aplicação de sanções disciplinares) ser exercido por outras pessoas que não as previstas no n.º 2 do art.º 62. Assim, não é legal a aplicação de sanções disciplinares, por ex., por um advogado (ou escritório de advogados), embora nada obste a que este seja nomeado instrutor do processo disciplinar. 
Por outro lado, o empregador apenas pode exercer o poder disciplinar sobre os trabalhadores ao seu serviço (art.º 62/1) e enquanto durar o contrato de trabalho. A cessação do vínculo laboral afasta a possibilidade de exercício da acção disciplinar.

(ii) Infracção disciplinar 
O n.º 1 do art.º 66 define infracção disciplinar como o comportamento culposo (“facto, comissivo ou omissivo, ainda que negligente”) praticado em violação de quaisquer dos “deveres profissionais”, enumerando, de seguida, nas suas diversas alíneas, de modo meramente exemplificativo esses deveres.
 A tarefa de construir e limitar o conceito de infracção disciplinar torna-se assim especialmente difícil, exactamente porque os deveres que a lei impõe ao trabalhador são emunciados exemplificativamente, não sendo consequentemente possível fazer corresponder os comportamentos violadores dos deveres do trabalhador com as infracções eventualmente praticadas. Haja em vista que a enumeração dos deveres profissionais não constitui, só por si, a tipificação de qualquer infracção específica. 
Ou seja, diferentemente do que ocorre no direito penal, o direito disciplinar utiliza, na definição da infracção disciplinar, a técnica característica que se traduz na chamada cláusula geral com enumeração exemplificativa, que consiste na acumulação de um conceito aberto com uma série de exemplos que a concretizam e, dessa forma, a delimitam. 
O aspecto mais complexo do exercício da acção disciplinar do empregador deriva, pois, desta falta de conceptualização e de tipificação dos comportamentos do trabalhador que podem ser considerados como “infracção disciplinar”. 
Neste quadro, tem sido a doutrina e em especial a jurisprudência a balizar a noção através da resolução dos casos que é chamada a decidir, contribuindo dessa forma para o preenchimento do conceito e para a caracterização dos comportamentos qualificáveis como infracções disciplinares. 
A contribuição doutrinal e jurisprudencial para preencher o conceito de infração disciplinar surge por analogia ao conceito previsto no n.º 1 do art.º 67, sendo indispensável a existência de um comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, que seja ilícito e culposo - comportamento da responsabilidade do trabalhador que lhe possa ser imputável a título de dolo ou de negligência. Trata‐se de um comportamento merecedor de censura, independentemente de provocar ou não danos ao empregador, não sendo, por isso, o dano um elemento essencial para que exista infracção disciplinar. Sucede, porém, que a omissão legislativa evidencia diversas dificuldades: por um lado, deixa ao empregador alguma liberdade de determinar os comportamentos que considera objecto de sanção; por outro, as actuações que podem configurar a existência de infracção são distintas de empresa para empresa, bem como para cada actividade ou sector. 
Acresce que, para construir e limitar o conceito de infracção, importa igualmente perceber se tem de existir sempre uma violação do contrato, assim como saber se o conceito se pode aplicar a comportamentos do trabalhador que não tenham ligação com a prestação de trabalho, ou seja, se se pode estender para além da própria prestação do trabalho. 
A falta de um conceito e a fixação dos seus limites deixam em aberto um problema de especial relevo para o trabalhador neste âmbito, e que consiste em saber com rigor quais os comportamentos que o empregador lhe pode exigir, sob pena de lhe serem imputadas infracções disciplinares. Podemos, no entanto, concluir que a essência do poder disciplinar assenta na aplicação de sanções ao trabalhador em face do desrespeito por acção ou omissão de deveres contratuais principais ou acessórios que consubstanciam um incumprimento do contrato de trabalho. 
De qualquer modo, analisando em particular as diversas alíneas do preceito em análise, que enumeram os diversos “deveres profissionais” (cfr. art.º 58) cujo incumprimento é susceptível de constituir infração disciplinar, verificamos que eles são relativamente minuciosos na exemplificação dos conceitos que posteriormente permitirão a sua delimitação analógica, segundo a racionalidade própria dos «exemplos padrão» em que o conceito geral de infracção disciplinar e a sua enumeração exemplificativa se devem interpretar em recíproca correlação. 
Para uma melhor compreensão dos conceitos empregues para a delimitação das situações abrangidas em cada uma das alíneas do n.º 1 do art.º 66, analisemos detalhadamente os comportamentos do trabalhador, susceptíveis de constituírem infracções disciplinares:

§ 1. Falta de comparência ao trabalho sem justificação válida e ausência do posto ou local de trabalho no período de trabalho sem a devida autorização. 
 No que concerne à infracção disciplinar por violação do dever de pontualidade e assiduidade (alínea a) do art.º 58), o legislador reconduz-o separadamente a três comportamentos diferentes do trabalhador: incumprimento do horário de trabalho (alínea a)); falta de comparência ao trabalho sem justificação de falta válida (alínea b)); e ausência do local de trabalho no período de trabalho sem a devida autorização (alínea c)). Estamos aqui no domínio da justificação das faltas, a que se referem aos art.ºs 103 a 106.

§ 2. Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou do posto de trabalho a que o trabalhador está afecto. 
Trata-se da situação prevista na alínea a), do n.º 1, do art.º 66, em que o legislador recorre a um conceito indeterminado “incumprimento das tarefas atribuídas” para a consideração da existência de uma infracção disciplinar. De igual modo, neste âmbito do incumprimento das tarefas desempenhadas pelo trabalhador se podem incluir os estados de embriaguez ou de drogado no posto ou local de trabalho (alínea m), do n.º 1, do art.º 66). Para a boa interpretação desta norma é igualmente de considerar o contributo em torno do dever de zelo e diligência previsto na alínea b) do art.º 58.

§ 3. Desobediência a ordens legais ou instruções decorrentes do contrato de trabalho e das normas que o regem (art.º 66/1, alínea d)) 
Para configurar infracção disciplinar, a desobediência tem de se apresentar como ilegítima relativamente às ordens dos responsáveis hierarquicamente superiores. Afastam‐se por conseguinte da previsão da norma, todas as situações de desobediência em que a ordem seja contrária aos direitos e garantias do trabalhador. Este fundamento assenta na violação do dever de obediência do trabalhador às ordens e às instruções que legitimamente lhe forem dirigidas pelo empregador ou por superior hierárquico nos termos previstos no art.º 58, alínea d), da LT. De acordo com o estatuído nesta norma, o trabalhador deve obedecer às ordens legais e instruções do empregador, dos seus representantes ou dos superiores hierárquicos, e cumprir as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho, excepto as ilegais ou as que sejam contrárias aos seus direitos e garantias. 
O dever de obediência assenta, como já referimos, no poder de direcção do empregador. 

§ 4. Injúrias, ofensas corporais, maus tratos, ameaças ou falta de respeito aos superiores hierárquicos, colegas de trabalho e terceiros, no local de trabalho ou no desempenho das suas funções. 
No âmbito das alíneas e) e f) do n.º 1 do art.º 66, o legislador considerou constituírem infracção disciplinar a existência de condutas do trabalhador que, no âmbito da empresa ou no desempenho das suas funções, representem violência física, injúrias ou outras ofensas punidas por lei e que sejam praticadas sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais, empregador em nome individual, seus delegados e representantes ou mesmo no relacionamento com terceiros. 
Conclui‐se, portanto, que nem só as actuações do trabalhador em relação ao seu empregador e superiores hierárquicos são passíveis de constituírem infracção disciplinar. Trata‐se também de proteger a organização, da qual fazem parte os demais trabalhadores da empresa e os terceiros que com esta se relacionam, pelo que cabem na previsão desta norma todas as situações de violação do dever de respeito, do direito ao bom nome e mesmo do direito à integridade física de todos os elementos da organização empresarial.

§ 5. Quebra culposa da produtividade do trabalho 
A alínea g) do n.º 1 do art.º 66 menciona como infracção disciplinar a quebra culposa de produtividade por parte do trabalhador. 
A expressão legal configura um conceito indeterminado de uma redução anormal (necessariamente culposa) de produtividade por parte do trabalhador que só casuisticamente se poderá avaliar ser motivo bastante para constituir infracção disciplinar. 

§ 6. Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa 
O legislador aponta como infracção disciplinar a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa, que pode nem sempre querer significar prejuízos avultados, mas antes a referência ao aspecto qualitativo da lesão provocada, conceito abrangente e que inclui o disposto nas alíneas h), i), j), k), l) e n) do n.º 1 do art.º 66. (93)
 
§ 7. Abandono do lugar 
A infracção disciplinar de “abandono do lugar” referida na alínea o), do n.º 1, do art.º 66, ocorre quando o trabalhador se ausenta do serviço (elemento objectivo ou corpus), acompanhada de factos que indiciem com clareza a vontade do trabalhador de não retomar o serviço (elemento subjectivo ou animus), e contra o qual o empregador pode instaurar processo disciplinar por presunção de abandono do posto de trabalho (art.º 67/7). (94) 

§ 8. Assédio 
O n.º 2 do art.º 66 considera como infracção passível de sanção disciplinar qualquer tipo de assédio, incluindo o assédio sexual, praticado no local de trabalho ou mesmo fora dele, desde que interfira na estabilidade do emprego ou na progressão profissional do trabalhador ofendido. 
O conceito de assédio laboral previsto na LT é, assim, abrangente, incluindo, não só o assédio sexual que se pode definir como “todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal ou física, exercido como forma de pressão sobre o trabalhador, abusando da sua autoridade ou da dependência hierárquica”, como também o assédio moral (mobbing) que, a nível conceptual, se define como “todo o comportamento abusivo (gestos, palavras, atitudes) que atente, pela sua repetição ou pela sua sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de um trabalhador, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o clima de trabalho”. Exemplo disso pode ser a situação de empobrecimento substantivo das tarefas do trabalhador promovido pela entidade empregadora, sem qualquer razão objectiva, e com a inerente afectação da dignidade profissional daquele. 
Quando o assédio seja praticado pelo empregador ou pelo mandatário deste, ao trabalhador ofendido assiste o direito a uma indemnização correspondente a vinte (20) vezes o salário mínimo, que poderá ser reconhecido em tribunal (art.º 66/3).

(iii) Sanções disciplinares 
O n.º 1, do art.º 63, da LT prevê a possibilidade de o empregador aplicar, dentro dos limites legais, as seguintes sanções: 
  • admoestação verbal; 
  • repreensão registada; 
  • suspensão do trabalho com perda de remuneração, até ao limite de 10 dias por cada infracção e de 30 dias, em cada ano civil; 
  • multa até 20 dias de salário; 
  • despromoção para a categoria profissional imediatamente inferior, por um período não superior a 1 ano; 
  • despedimento. 
Trata-se de um elenco taxativo, uma vez que não se admite a aplicação de quaisquer outras sanções disciplinares, nem sequer o seu agravamento, que não as legalmente previstas, seja mediante instrumento de regulamentação colectiva, contrato de trabalho, regulamento interno, ou código de boa conduta. (95) 
Ou seja, em matéria de sanções disciplinares vigora o princípio da tipicidade, que visa sob o signo da protecção ao trabalhador, impedir o empregador de criação de novas sanções para além das contempladas na lei, nomeadamente prevendo novas sanções através, nomeadamente, de RI´s ou dos códigos de boa conduta, dada a facilidade que o empregador dispõe em elaborar estes instrumentos, ou aquando da feitura do contrato de trabalho em que atenta a debilidade contratual de uma das partes (o trabalhador) perante um esquema negocial originariamente paritário como qualquer contrato jurídico-privado, poderia levar o empregador a fazer constar do contrato a previsão de outras sanções disciplinares que não as previstas na lei. 
Pela consagração da tipicidade garantem‐se aos trabalhadores os seus direitos, em especial, os previstos no art.º 54 da LT, assim como se lhes assegura a sua dignidade enquanto sujeitos titulares desses direitos.

(iv) Sanções conservatórias e sanção extintiva do contrato de trabalho 
O n.º 3, do art.º 63, da LT, enuncia o princípio de que a aplicação de sanções disciplinares, para além da finalidade de repressão da conduta do trabalhador, tem igualmente em vista a dissuasão para o cometimento de mais infracções por parte do visado, bem como a educação deste e dos demais trabalhadores para o cumprimento voluntário dos seus deveres. 
Desta disposição ressalta uma característica específica do instituto do poder disciplinar, em que não obstante se considerar ser a punição a finalidade principal da aplicação do poder disciplinar pelo empregador, são-lhe, ao mesmo tempo, reconhecidos objectivos de ordenação das relações laborais da empresa (aquilo que a doutrina denomina de “conteúdo sancionatório e ordenador” do poder disciplinar). A obtenção de tal objectivo consegue‐se pelo efeito de prevenção geral que a aplicação de sanções produz no seio da empresa; ou seja, ao mesmo tempo que assegura a punição do trabalhador que cometeu a infracção disciplinar, o poder disciplinar também funciona com carácter preventivo e dissuasor da prática de outras infracções pelos demais trabalhadores. 
Por isso, é possível tendo em atenção o elenco das sanções disciplinares tipificadas no art.º 63 da LT, fazer a destrinça entre as sanções conservatórias do contrato (admoestação verbal, repreensão registada, suspensão do trabalho, multa e despromoção) e a sanção extintiva do contrato (despedimento).

a) Admoestação verbal 
 A sanção de “admoestação verbal” é a mais leve das sanções previstas na Lei do Trabalho. Consiste na chamada de atenção ao trabalhador relativamente a um comportamento por si adoptado e que merece a censura imediata do empregador, esgotando‐se na advertência aviso ou censura não escrita que o empregador dirige verbalmente ao seu trabalhador, admoestando-o pela infracção praticada e alertando-o no sentido de que futuramente não deverá adoptar o mesmo tipo de comportamento. 
Ao trabalhador deve, contudo, sempre ser dada a possibilidade de ser ouvido, assegurando‐lhe assim a sua defesa, em cumprimento do disposto no n.º 3, do art.º 65, da LT, que prevê que a sanção disciplinar não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador, o que atento a oralidade do procedimento pode tornar simultâneos os momentos da defesa do trabalhador e de aplicação da sanção pelo empregador. 
Por outro lado, existe a dificuldade de compatibilizar a sua aplicação com a obrigação de registo no cadastro disciplinar do trabalhador a que as demais sanções disciplinares estão sujeitas, advindo também desta característica a sua natureza de sanção mais leve ou menos gravosa para o trabalhador. É aliás esta a característica do seu regime que a diferencia da repreensão registada.

b) Repreensão registada 
Do ponto de vista do conteúdo, esta sanção é equivalente à admoestação verbal que antes analisamos, mas difere daquela relativamente às consequências ou efeitos. 
Trata‐se igualmente de uma advertência ou censura do empregador relativamente à acção do trabalhador que tem como objectivo exortar o trabalhador-infractor para o acatamento dos seus deveres, incutindo-lhe a necessidade de actuar em conformidade com os ditames da relação juridico-laboral em causa. 
Trata-se de uma sanção para falta de maior gravidade que fica, como o próprio nome indica, sujeita a registo no cadastro do trabalhador/processo individual. A importância deste registo releva designadamente se houver necessidade de aplicar ao trabalhador uma nova sanção disciplinar.

c) Suspensão do trabalho com perda de remuneração 
Consiste no afastamento compulsivo e temporário do trabalhador da empresa onde presta trabalho, com perda de remuneração correspondente ao período em que está excluído. 
A suspensão não pode exceder 10 dias por cada infracção e as suspensões acumuladas ao longo de cada ano civil não podem exceder o total de 30 dias em cada ano. 

d) Multa 
É uma sanção de carácter pecuniário que consiste na perda de remuneração correspondente ao trabalho prestado durante um certo período. 
Apesar de a lei não o referir expressamente (e devia fazê-lo, indicando nomeadamente qual o serviço público a quem o valor das multas devia ser entregue) (96), entendemos que embora esta sanção consista no não pagamento ao trabalhador de parte da sua remuneração, esse valor não reverte para o empregador. 
Se assim não fosse, poderia ser especialmente tentador para o empregador a aplicação repetida deste tipo de sanção aos trabalhadores como fonte de redução de custos, que se traduziria para além do efeito sancionatório, num enriquecimento para o empregador porque receberia o trabalho, mas não o pagaria ao trabalhador. Ou seja, a a aplicação desta sanção não tem caráter indemnizatório, não podendo ser uma forma de o empregador se ressarcir de quaisquer danos que o trabalhador eventualmente tenha provocado. 
Constata‐se, por outro lado, que o legislador procurou também limitar a aplicação desta sanção, quando impõe que o quantitativo da multa não pode exceder a remuneração correspondente a 20 dias de salário. (97) Procura‐se deste modo evitar que o não pagamento da retribuição ao trabalhador ponha em perigo a sua subsistência e a da sua família, problema premente sobretudo quando o trabalhador aufira uma retribuição de valor igual ao salário mínimo garantido.

e) Despromoção 
 Consiste na diminuição da categoria profissional para a imediatamente inferior à detida pelo trabalhador-infractor, durante o período máximo de 1 ano – trata-se de um desvio à proibição de o empregador em baixar a categoria profissional do trabalhador, consagrada na alínea c) do art.º 59. (98)

f) Despedimento 
É a sanção máxima, que só é aplicável quando seja praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho e mediante a instauração de processo disciplinar sujeito às regras dos art.ºs 67 e ss. da LT. 
O despedimento-sanção, corresponde, assim, à ultima ratio das penas disciplinares, reservada aos comportamentos culposos e graves do trabalhador subordinado, violadores de deveres estruturantes da relação, que reclamem um forte juízo de censura, maxime quando a relação de confiança em que assenta o vínculo seja fatalmente atingida, tornando inexigível ao empregador a manutenção do contrato. (99) 
O n.º 4 do art.º 63 garante ao trabalhador despedido por motivos disciplinares a manutenção dos direitos decorrentes da inscrição no sistema de segurança social se, à data da cessação da relação laboral, reunir os requisitos para receber os benefícios correspondentes a qualquer um dos ramos do sistema de previdência estatal.

(v) Graduação das sanções disciplinares 
Na aplicação das sanções, para além do princípio da celeridade (art.º 65), devem ser observados os seguintes princípios: 
  • a sanção deve ser proporcional à gravidade da infracção, à culpabilidade do infractor, à conduta profissional do trabalhador e, em especial, às circunstâncias em que se produziram os factos - princípio da proporcionalidade (art.º 64/2); diferentemente da antiga LT (Lei n.º 8/98) já não é obrigatório atender à situação económica do trabalhador (100)
  • o trabalhador não pode ser duplamente sancionado pela mesma infracção (princípio non bis in idem), não sendo considerada como tal (“dupla infracção”) a aplicação de uma sanção disciplinar acompanhada do dever de reparação dos prejuízos causados pela conduta dolosa ou culposa do trabalhador (art.º 64, n.ºs 3 e 4). Com efeito, a responsabilidade disciplinar é cumulável com a responsabilidade civil e com a responsabilidade criminal (cfr. n.º 3 do art.º 68); 
  • nenhuma sanção disciplinar pode ser aplicada sem audição prévia do trabalhador – princípio do contraditório (n.º 3 do art.º 65). Esta audição prévia obrigatória é independente da que pode ser requerida, facultativamente, pelo trabalhador (art.º 67/2, alínea b)). 
Para efeitos de graduação da gravidade da infracção, o n.º 5 do art.º 64 adianta o conceito de “infracção particularmente grave”, considerando como tal aquela cuja prática seja intencionalmente repetida e comprometa o cumprimento da actividade prosseguida pelo trabalhador, provocando prejuízos ao empregador ou à economia nacional ou, por qualquer outra forma, coloque em causa a subsistência da relação jurídica de trabalho. A gravidade da infracção não pressupõe a verificação cumulativa de todos os factores elencados no n.º 5 deste mesmo artigo 64 da LT.

(vi) Acção disciplinar 
A aplicação das sanções disciplinares de suspensão do trabalho, multa, despromoção e despedimento deve ser obrigatoriamente fundamentada e ser precedida de prévia instauração do processo disciplinar (art.ºs 64/1 e 65/1). (101) 
O prazo de impugnação judicial de sanções abusivas – quer das sanções conservatórias ou não extintivas do vínculo jurídico-laboral, quer do despedimento-sanção – é o mesmo devendo a acção ser intentada no prazo de 6 meses (art.ºs 64/1 e 69/2). 
No caso do despedimento-sanção, o prazo de 6 meses conta-se a partir da data do despedimento (art.º 69/2). 
No que se refere às sanções conservatórias a lei é omissa quanto à data a partir da qual se conta o prazo de 6 meses para intentar a acção de impugnação. Entendemos que nesta situação, o prazo começa a correr no dia seguinte ao da comunicação da aplicação da sanção ao infractor, tendo em atenção o disposto no n.º 5 do art.º 65 de que a execução da sanção disciplinar pode ter lugar nos 90 dias subsequentes à decisão proferida no processo disciplinar. 
Adiante e, mais pormenorizadamente (XI-62.1), analisaremos esta matéria a propósito do procedimento do despedimento disciplinar.

Notas: 
(93) Acórdãos do Tribunal Supremo (Proc. nº 162/97) - BR, III Série, n.º 63, de 7/08/2015); de 31/03/2010 (Apelação n.º 174/2000) - BR, III Série, n.º 54, de 12/03/2015; de 23.04.2009 (Proc.º n.º 219/04-L) - BR, III Série, n.º 35, de 31/08/2011); de 5/03/2009 (Apelação nº 197/04-L); de 29/10/2003 (Apelação nº 95/01). 

(94) Acórdãos do Tribunal Supremo de 13.08.2009 (Apelação n.º 76/99) - BR, III Série, n.º 35, de 31/08/2011); de 11/12/2002 (Proc. n° 101/97); de 1/09/1999 (Proc. nº 58/97). 

(95) Acórdão do Tribunal Supremo de 24/03/2010 (Proc. n.º 25/94) - BR, III Série, n.º 54, de 12/03/2015 

(96) O Regulamento da IGT, aprovado pelo Decreto n.º 45/2009, de 14 de Agosto, acabou por solucionar esta questão ao prever no art.º 23, n.º 1, que os Departamentos Provinciais da IGT manterão abertas contas bancárias para as “multas aplicadas aos trabalhadores por infracção disciplinar”. 

(97) A aplicação desta sanção disciplinar deve ter em conta, igualmente, o limite dos descontos na remuneração do trabalhador constante do n.º 4 do art.º 114, preceito que proíbe o desconto superior à terça parte da remuneração do trabalhador, e daí que o desconto dos 20 dias de salário tenha de fazer-se em mais do que um mês. 

(98) Acórdão do Tribunal Supremo de 5/03/2009 (Processo nº 105/05-L). 

(99) Acórdãos do Tribunal Supremo de 2/11/2010 (Proc. nº 68-05-L); 10/05/2009 (Proc. nº 114/06-L); 23/04/2009 (Proc. nº 74-08-L); 10/03/2009 (Proc. nº 212/04-L); 10/03/2009 (Proc. nº 168/04-L); 26/04/1997 (Proc. nº 188/04-L); 16/05/2006 (Proc. nº 38/03-L). 

(100) Acórdão do Tribunal Supremo de 1.10.2009 (Proc. n.º 155/05-L) - BR, III Série, n.º 35, de 31/08/2011 – «Infracção Disciplinar - Proporcionalidade - De acordo com o disposto nos artigos 23, n.º 1 e 70 n.º 1 da Lei n.º 8/98, de 20 de Julho, para a determinação da medida disciplinar a aplicar não importa apenas a verificação factual do comportamento ilícito do trabalhador, como também de todas as circunstâncias relevantes que precedem, acompanham ou se seguem à infracção disciplinar». 

(101) Neste mesmo sentido, Baltazar Domingos Egídio «a aplicação de qualquer sanção disciplinar, salvo as previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 63º, deve ser precedida de prévia instauração do processo disciplinar, que contenha a notificação ao trabalhador dos factos de que é acusado, a eventual resposta do trabalhador e o parecer do órgão sindical, ambos a produzir nos prazos previstos na alínea b) do nº 2 do art. 67º, da presente Lei» – Manual de Processo Disciplinar”, Maputo, Escolar Editora, 2011, págs. 41 e ss.

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