Capítulo IX – A caducidade do contrato de trabalho
A matéria da cessação do contrato de trabalho (151) reveste-se no Direito do Trabalho de importância primordial para os trabalhadores e empregadores (ainda que por razões opostas).
No entanto, a cessação do contrato tem consequências bastante mais consideráveis na esfera do trabalhador do que na do empregador. Na verdade, só quanto ao primeiro se pode dizer que o vínculo é o suporte de um estatuto económico, social e profissional, dado que o trabalhador empenha nele a sua força de trabalho que condiciona a principal senão mesmo a sua única fonte de rendimentos. A ruptura do contrato de trabalho significará, deste modo, para o trabalhador, o termo de uma posição a que se ligam necessidades fundamentais, não sendo de modo algum pertinentes, em geral, preposições idênticas acerca da situação do empregador.
O art.º 85 da CRM, ao consagrar o direito fundamental à “segurança no emprego”, de acordo com o qual o trabalhador apenas pode ser despedido nos casos e nos termos estabelecidos na lei, e ao inserir tal direito no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, não só garante os valores da estabilidade no trabalho, como impõe limitações à liberdade de iniciativa do empregador no que respeita à cessação dos contratos de trabalho.
A tutela constitucional da estabilidade no emprego tem como principal manifestação o facto de o legislador fixar de modo imperativo (“princípio da taxatividade”) as causas de cessação do contrato e o respectivo regime. Isto significa que o art.º 124 da LT é uma norma imperativa absoluta, não podendo por ser modificada por via convencional ou por decisão do empregador, nem mesmo em sentido mais favorável para o trabalhador. Por conseguinte, só a lei pode modificar o elenco das causas de cessação do contrato de trabalho previsto na LT.
Assim, de acordo com o art.º 124 da LT, o contrato de trabalho pode cessar por:
- por caducidade (art.º 125), isto é, por efeito jurídico do decurso do tempo ou por alguma vissicitude que impeça a prestação definitiva de dar ou receber trabalho;
- por revogação (art.º 126), ou seja, por mútuo acordo das partes;
- por iniciativa do trabalhador: rescisão do contrato com justa causa (art.º 128) e denúncia do contrato com aviso prévio (art.º 129);
- por iniciativa do empregador: despedimento disciplinar (art.º 67), rescisão do contrato com justa causa (art.º 127), rescisão do contrato com justa causa objectiva e aviso prévio (art.º 130), e despedimento colectivo (art.º 132).
Do ponto de vista jurídico, o contrato de trabalho extingue-se quando o vínculo contratual firmado entre empregador e trabalhador deixa definitivamente de produzir todos os seus efeitos jurídicos, que se produzem a partir do conhecimento da cessação por parte do outro contratante, mediante documento escrito (art.º 124, n.ºs 2 e 3). Tal não significa, contudo, que a lei ou as partes não possam associar a esse facto determinados direitos (por ex., as compensações ou indemnizações por tempo de serviço) ou que se extingam os direitos formados durante a execução do contrato e que ainda não tenham sido satisfeitos no momento em que este atinge o seu fim.
59. A caducidade do contrato de trabalho
Genericamente, designa-se por “caducidade” a extinção de efeitos jurídicos do contrato em virtude da verificação de um facto jurídico stricto sensu, isto é, de um facto jurídico não voluntário.
Em relação ao contrato de trabalho, o art.º 125 da LT admite que o mesmo possa caducar nas seguintes situações:
- expirado o prazo ou por ter sido realizado o trabalho por que foi estabelecido, nos contratos a termo;
- verificando-se a impossibilidade superveniente (i.é., verificada depois da celebração do contrato) total (i.é., mesmo impeditiva) e definitiva (i.é., não temporária) de o trabalhador prestar o seu trabalho ou, sendo aquela apenas parcial, pela incapacidade de o empregador o receber, excepto se a incapacidade for imputável ao empregador;
- com a morte do empregador em nome individual (excepto se os sucessores continuarem a actividade) ou do trabalhador;
- com a reforma do trabalhador.
(i) Verificação do prazo por que foi estabelecido nos contratos a prazo (art.º 125, n.º 1, alínea a))
A primeira causa de caducidade prevista neste artigo é a verificação do seu termo, o que corresponde àqueles casos em que o contrato foi celebrado para vigorar durante um determinado período, findo o qual, o contrato caduca.
A caducidade é, por vezes, apresentada como a cessação “automática” do vínculo laboral, visto que se opera sem que seja necessária manifestação de vontade nesse sentido: basta a ocorrência de certos factos ou situações objectivas.
O “automatismo” da caducidade é, porém, uma noção destituída de rigor. No processo pelo qual o contrato de trabalho “caduca” intervêm sempre de uma maneira ou de outra, “motivos vários” que se exprimem através de declarações ou manifestações com carácter para-negocial.
Se o contrato tem termo ou prazo, já se sabe que não basta a mera verificação deste – tratando-se de termo ou prazo certo, é necessário um comportamento declarativo da entidade empregadora ou do trabalhador, ou seja, a comunicação da vontade de não renovar o contrato (art.º 43); se o termo ou prazo for incerto, cabe ao empregador comunicar ao trabalhador a sua “verificação” (art.º 45).
Em qualquer caso, a lei não estabelece um prazo concreto de pré-aviso para o efeito, sendo certo que tal comunicação, para produzir o efeito desejado, deve ser recebida pela parte respectiva antes da verificação do termo do respectivo contrato. (152)
(ii) Incapacidade superveniente total e definitiva de prestação do trabalho (art.º 125, n.º 1, alínea b))
A segunda causa de caducidade do contrato de trabalho prevista na lei é a da impossibilidade de o trabalhador prestar o trabalho ou de o empregador o receber, que deve ser entendida nos termos gerais de direito, ou seja, em moldes similares ao regime comum da impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor, constante dos art.ºs 790.º e ss., do CC.
A impossibilidade a que se refere este preceito tem que ser:
- superveniente (a caducidade do contrato pressupõe a prévia constituição e desenvolvimento de uma relação laboral válida);
- definitiva (em contraposição a impossibilidade temporária, uma vez que, neste caso, apenas pode haver lugar à suspensão do contrato de trabalho) e
- total (no sentido de que não pode corresponder a uma situação de mera dificuldade na prestação da actividade laboral ou do seu recebimento).
Nos casos de incapacidade parcial (art.º 125/1, alínea b), in fine), o contrato só cessa desde que se verifiquem os seguintes requisitos:
- que não haja na empresa outro posto de trabalho adequado à incapacidade do trabalhador;
- que a impossibilidade não seja imputável ao empregador. (153)
(iii) Morte do empregador em nome individual (art.º 125, n.º 1, alínea c))
Outra situação que pode gerar a caducidade é a morte do empregador em nome individual, excepto se os sucessores continuarem a actividade.
Daqui resulta que a morte do empregador (não estamos aqui diante da figura da morte do empregador enquanto «empresa», mas sim enquanto «pessoa jurídica»), só é causa de extinção do contrato de trabalho se o estabelecimento vier a ser encerrado em virtude desse facto. Se esse encerramento não se verificar, a caducidade não se opera, ocorrendo antes uma mudança de empregador.
O artigo refere apenas a situação em que o encerramento não se verifique pelo facto de “os sucessores do falecido continuarem a actividade”, mas pensamos que o sentido da disposição é mais abrangente, incluindo igualmente a possibilidade de manutenção da actividade por efeito de transmissão, pelos sucessores, da empresa ou estabelecimento nos termos previstos no art.º 76 da LT.
(iv) Reforma do trabalhador (art.º 125, n.º 1, alínea d))
A reforma do trabalhador, seja ela por velhice ou invalidez, actua como causa autónoma de caducidade do contrato de trabalho, não precisando da verificação dos requisitos da causa de caducidade prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 125, isto é, de se verificar se o reformado se encontra, ou não, em situação de impossibilidade absoluta e definitiva de prestar a respectiva actividade.
Importa assinalar que também esta hipótese contemplada da «reforma do trabalhador» como causa de caducidade do contrato de trabalho, contraria a ideia de cessação automática do vínculo laboral por efeito da caducidade. Atingidas pelo trabalhador as condições para a reforma (por velhice ou invalidez) não pode o empregador impor-lhe a passagem à situação de reformado, que é livre de requerer ou não a reforma à entidade da segurança social competente que é o Instituto Nacional da Segurança Social (INSS).
Requerendo o trabalhador a passagem à situação de reforma, a entidade competente tomará uma decisão. E, sendo esta favorável ao requerido, comunicá-la-á ao trabalhador que, em princípio, será o primeiro a dela ter conhecimento (vide art.º 31 do Regulamento da Segurança Social Obrigatória, aprovado pelo Decreto n.º 53/2007, de 3 de Dezembro: “A concessão da pensão por velhice determina a caducidade do contrato de trabalho, devendo o INSS comunicar ao contribuinte a data a partir da qual a prestação tem início”).
Conhecida também pelo empregador a passagem do trabalhador à situação de reforma, terá ele que comunicar ao trabalhador, por escrito (n.º 3 do art.º 124 da LT), que o seu contrato de trabalho cessou por caducidade.
Convirá precisar que, com a reforma por velhice ou invalidez, o trabalhador não fica necessariamente afastado do mercado de trabalho. Na verdade, poderá continuar a trabalhar e a manter a correspondente carreira contributiva, maxime em regime de contrato a prazo certo. No caso de reforma por invalidez, o prosseguimento da actividade laboral pressupõe necessariamente a ocupação de um posto de trabalho adequado à situação do trabalhador. (154)
(v) Morte do trabalhador (art.º 125, n.º 1, alínea e))
O legislador optou por distinguir entre a “incapacidade” e a “morte”, pese embora a morte se traduza, objectivamente, num caso de incapacidade definitiva de prestar trabalho.
Tendo em conta que o contrato de trabalho é um contrato intuitu personae, a morte do trabalhador extingue ipso facto a situação jurídico-laboral.
A morte do trabalhador é, aliás, a única situação em que a caducidade opera automaticamente, por via da ocorrência do facto, sendo que todas as outras situações geradoras de caducidade, sejam quais forem, necessitam sempre de um acto de vontade declarativo de uma das partes.
Notas:
(151) Sobre a cessação do contrato de trabalho, na doutrina moçambicana Baltazar Domingos Egídio, “Direito do Trabalho, Situações Individuais de Trabalho, Vol. I”, Deanprint, 2017; Carlos Pedro Mondlane “O Procedimento Disciplinar de Despedimento”, 2016; Benjamim Alfredo “Noções Gerais do Regime Jurídico do Processo Disciplinar, Despedimento e Outras formas de Cessação do Contrato de Trabalho, Monde Gráfica, Maputo, 2008; Tomás Luís Timbane “A Rescisão Unilateral do Contrato de Trabalho com Justa Causa”, Estudos de Direito Africano, Almedina, 2006.
Na doutrina em geral, António Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho” pp. 547-655; Maria do Rosário Palma Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais” (7.ª ed.), pp. 789-1032; Pedro Romano Martinez “Da Cessação do Contrato”, 3.ª ed., Almedina.
(152) Aurélio Nuno Francisco Jumbe “Da cessação do contrato de trabalho a prazo: A (des)obrigatoriedade do cumprimento do aviso prévio no ordenamento jurídico moçambicano”, 2020.
(153) Sobre a incapacidade superveniente total e definitiva de prestação do trabalho como causa de caducidade do contrato de trabalho, vide Acórdão do Tribunal Supremo de 23.04.2009 - Apelação n.º 172/04-L (BR, III Série, n.º 35, de 31/08/2011).
(154) Sobre a reforma do trabalhador como motivo de caducidade do contrato de trabalho, vide Acórdãos do Tribunal Supremo de 25.08.2009 - Proc.º n.º 110/07-L (BR, III Série, n.º 35, de 31/08/2011), e de 16.09.2008 - Apelação n.º 144/06-L (BR, III Série, n.º 5, de 4/02/2010).
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