112. Greve
Como referimos anteriormente os conflitos colectivos podem ser resolvidos por meios pacíficos (conciliação, mediação, arbitragem) ou por intervenção do Estado (função jurisdicional), e ainda por formas de luta laboral (greve).
O direito à greve constitui um direito fundamental dos trabalhadores constitucionalmente protegido (art.º 87 da CRM) e regulado na Secção VII (art.ºs 194 a 215) da LT.
O artigo 87 da Constituição, dispõe:
“ (Direito à greve e proibição de lock-out)
1. Os trabalhadores têm direito à greve, sendo o seu exercício regulado por lei.
2. A lei limita o exercício do direito à greve nos serviços e actividades essenciais, no interesse das necessidades inadiáveis da sociedade e da segurança nacional.
3. É proibido o lock-out.”
Resultam, assim, da matriz constitucional, duas características fundamentais: por um lado, o lock-out é proibido; por outro lado, a greve é garantida em termos particularmente amplos, uma vez que a lei só pode regular o exercício do direito à greve e não o conteúdo desta.
112.1. Noção
Ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, em que o conceito jurídico de greve é construído pela doutrina e jurisprudência a partir do respectivo regime jurídico, a LT oferece-nos no art.º 195 uma definição legal de greve considerando-a como «a abstenção colectiva e concertada, em conformidade com a lei, da prestação de trabalho com o objectivo de persuadir o empregador a satisfazer um interesse comum e legítimo dos trabalhadores envolvidos».
A noção legal de greve é caracterizada assim pela consideração de quatro elementos distintos:
- comportamento em que a greve se traduz:
- os sujeitos ou agentes;
- o seu fim directo ou imediato; e
- o seu fim indirecto ou mediato.
(i) A caracterização do comportamento grevista traduz-se numa abstenção ou paralisação da prestação de trabalho, ou seja, numa recusa em trabalhar, no não cumprimento da prestação devida pelo trabalhador por força do contrato de trabalho. Trata-se, além disso, de uma abstenção colectiva e concertada, o que significa, por um lado, que a greve pressupõe uma proclamação previamente acordada e combinada por um grupo de trabalhadores (normalmente, uma associação sindical), e, por outro, que a greve serve para a defesa de interesses colectivos legítimos.
(ii) No que respeita aos sujeitos ou agentes da greve, estamos perante um direito dos trabalhadores subordinados, incluindo-se também os trabalhadores da administração pública, não existindo portanto limitações do direito à greve em função dos sujeitos, pelo que se reconhece que todos aqueles que sejam parte de uma relação de trabalho, privada ou pública, gozam do direito à greve. Na verdade, o direito à greve reconhecido como direito fundamental pelo art.º 87 da CRM, tendo como elemento nuclear uma actuação colectiva concertada dos trabalhadores referida essencialmente à paralisação do trabalho, reveste a natureza jurídica de direito colectivo de cada trabalhador, pelo que é, em nosso entender, garantido igualmente aos trabalhadores da Administração Pública. (258)
Coisa diferente é a de saber se a LT regula o exercício do direito à greve no sector público, resposta que, tendo em atenção o expressamente preceituado no artigo 196, se nos afigura clara e conclusivamente negativa. Na verdade, não se aplicando, nos termos desta disposição remissiva, a LT aos funcionários e agentes do Estado, os quais serão objecto de lei especial, nos termos do n.º 2 do art.º 251 da CRM, do art.º 77 do EGFAE, e do art.º 7, n.º 3, da Lei da Sindicalização na Função Pública (259), o regime do exercício da greve da Lei do Trabalho não abrange obviamente o sector público.
(iii) A paralisação inerente à greve funciona, antes do mais, como um direito exercido no âmbito do contrato de trabalho contra os empregadores (sem que estes possam usar mecanismos de defesa contratual ou disciplinar contra os trabalhadores) e, portanto, como um meio legítimo de pressão contra aqueles, tendo em vista a satisfação das reivindicações dos grevistas – nisto consiste o fim imediato ou directo da greve.
(iv) O fim indirecto ou mediato da greve refere-se aos seus objectivos, aquilo que os grevistas pretendem alcançar com a utilização da greve.
Tendo em conta o disposto na lei, de que a greve tem em vista a satisfação de interesses comuns, i.é., as reivindicações dos trabalhadores em greve («satisfazer um interesse comum e legítimo dos trabalhadores envolvidos»), estas constituem uma das principais questões que o fenómeno grevista levanta, ou seja, precisamente, a questão de saber quais os fins que podem legitimamente ser prosseguidos através da greve face ao articulado da lei.
Parece claro que a greve nunca poderá visar a prossecução de objectivos ilícitos ou ilegais. Permanece, porém, em discussão a questão de saber se o uso da greve se pode estender a fins (lícitos) não profissionais.
Neste domínio, e pese, embora, o facto de a CRM consagrar uma ampla liberdade de utilização da greve – atenta a inserção da greve num sistema de relações de trabalho, ao qual é, em princípio, estranha a prossecução de fins que não tenham qualquer conexão relevante com a posição dos trabalhadores (e associações sindicais) envolvidos nesse mesmo sistema de relações laborais –, defendemos que o direito de greve se deve circunscrever à prossecução de interesses de natureza sócio-profissional (parece ser esse o sentido da lei quando emprega a expressão de que a greve visa «satisfazer um interesse comum e legítimo dos trabalhadores envolvidos»), afastando, por isso, as greves políticas ou greves de solidariedade, em que os grevistas pretendem obter a satisfação de uma reivindicação que respeita a uma outra categoria de trabalhadores e em que não está em jogo um objectivo directamente relacionado com os trabalhadores que participam na greve.
De tudo quanto se expõe, conclui-se que esta noção legal, dir-se-ia "clássica", de greve (abstenção colectiva e concertada da prestação de trabalho com a finalidade de pressionar a entidade patronal à satisfação de um objectivo comum dos trabalhadores) está, contudo, aquém da amplitude conceitual permitida pela formulação constitucional da consagração do direito de greve, em que apenas o seu exercício (mas não o respectivo conteúdo) pode ser limitado pela lei.
Devem, pois, considerar-se cobertos pelo direito de greve, constitucionalmente reconhecido e garantido, comportamentos colectivos diversos que evidenciem o denominador comum da recusa colectiva da prestação de trabalho devida, sejam quais forem a duração, o escalonamento temporal e o número e a inserção funcional dos trabalhadores envolvidos.
No domínio das manifestações externas da greve – as formas de greve – podem, portanto, ser consideradas diversificadas exteriorizações do fenómeno, as quais têm sido objecto de atenção da doutrina e de tentativas de enquadramento tipológico desenvolvidas quase sempre à margem de leis enquadradoras.
Assim, podem ser consideradas no conceito de greve consagrado no art.º 195 da LT (excluindo deste as greves ilícitas) diferentes formas, tipos ou práticas de greve, combinando em maior ou menor medida elementos dos vários tipos que a doutrina tem descrito, quais sejam, entre outras, as seguintes:
(i) greve de braços caídos, que consiste na suspensão do trabalho mas sem abandono dos postos de trabalho, originariamente para evitar que a entidade patronal substitua os grevistas por trabalhadores adventícios; a este tipo pode pertencer, também, embora possa caracterizar uma figura dotada de certa autonomia, a greve simbólica ou demonstrativa;
(ii) greves curtas e repetidas em que os trabalhadores cessam o trabalho antes da hora prevista ou tomam os seus postos com atraso em relação ao horário em vigor ou as paragens de trabalho têm lugar mantendo-se os trabalhadores nos seus locais de trabalho.
Dentro deste tipo inclui-se a greve intermitente, em que a suspensão do trabalho se processa a intervalos variáveis conforme as circunstâncias;
(iii) greves de rendimento, também conhecidas como greves de lentidão, que se caracterizam por não haver cessação de trabalho, mas redução no seu ritmo e eficácia ou na cadência da produção, tendo como objectivo normalmente uma diminuição de produção, que varia em função do tempo de duração;
(iv) greves rotativas verificam-se quando o trabalho se suspende sucessivamente em cada parte ou secção da empresa. Assemelham-se às greves intermitentes, com a diferença de que são realizadas sincronizadamente por forma a que haja sempre uma secção da empresa que esteja paralisada;
(v) greves de zelo manifestam-se na execução do trabalho com excessiva minúcia ou com escrupulosa observância dos regulamentos e, em que, ao contrário de uma diminuição de actividade, há uma recrudescência desta, com minuciosa observância de todas as formalidades e procedimentos e um súbito excesso de aplicação, provocando atrasos e lentidões no funcionamento da organização;
vi) greves ao trabalho extraordinário em que os trabalhadores se recusam a trabalhar fora do seu horário de trabalho, ou seja, embora prestem normalmente o trabalho, abstêm-se de executar qualquer trabalho suplementar;
(vii) greves com ocupação dos locais de trabalho, em que os trabalhadores grevistas permanecem no interior das instalações da empresa, a fim de evitar o seu encerramento ou deterioração ou degradação dos materiais ou dos equipamentos;
(viii) greves trombose ou estrangulamento (também denominadas de tampão ou selectivas) decretadas em sector fundamental e estratégico, mas de tal modo que acabam por implicar a paralisação total da empresa e afectando apenas os direitos dos trabalhadores grevistas pertencentes ao sector estratégico.
Uma derradeira questão acerca da noção legal de greve versa sobre o problema da licitude de certas formas de luta laboral, denominadas de “greves abusivas”, as quais, embora se enquadrem no conceito de greve, são levadas a cabo de forma particularmente lesiva para os empregadores, uma vez que obedecem a um plano concertado de paralisação da produção com o objectivo de provocar os maiores danos possíveis com a menor perda salarial (por ex., greves rotativas, greves intermitentes, greves trombose ou de estrangulamento). Estas formas de greve são levadas a cabo de tal modo que os efeitos da prestação de trabalho se projectam muito para além do período em que os trabalhadores estão formalmente em greve.
Há quem defenda que a greve deve obedecer a princípios de proporcionalidade, necessidade e adequação, não podendo provocar danos injustos ou desproporcionados aos empregadores, sob pena de serem consideradas como greves ilícitas. Assim, de acordo com esta corrrente, a tais situações seria aplicável a figura geral do abuso do direito, consagrado no artigo 334.º do CC, de acordo com o qual «É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Porém, não nos parece que tal entendimento seja defensável face às disposições sobre o direito à greve, nomeadamente por não se enquadrar no elemento teleológico da LT sobre a greve, embora haja quem sustente que, atentos os referidos princípios de proporcionalidade, necessidade e adequação, os empregadores possam, nestes casos, descontar a remuneração correspondente a todo o tempo em que se verifique a paralisação efectiva da produção e não apenas ao período em que os trabalhadores estiveram formalmente em greve.
112.2. Exercício do direito de greve
O regime legal da greve é fundamentalmente o do exercício do direito à greve, uma vez que apenas este, e não o seu conteúdo, pode ser regulado por lei («Os trabalhadores têm direito à greve, sendo o seu exercício regulado por lei» - art.º 87/1 da CRM).
E o exercício do direito de greve desenrola-se, legalmente, por diversas fases: a decisão de greve, a declaração (pré-aviso), a adesão, a prestação de serviços mínimos, o término da paralisação.
112.2.1. Decisão de greve
A decisão de greve pertence aos organismos sindicais, após consulta aos trabalhadores (art,º 197, n.º 1).
Mas existe também a possibilidade de as “assembleias de trabalhadores”, nos casos em que não haja representação sindical na empresa, decidirem o recurso à greve (n.º 2). (260)
Neste caso, porém, exige-se que a decisão do recurso à greve seja decidida em assembleia expressamente convocada para o efeito por um mínimo de 20% dos trabalhadores que só será válida desde que, pelo menos, dois terços dos trabalhadores participe na votação e a declaração de greve seja aprovada pela maioria absoluta dos votantes (n.ºs 1 e 2 do artigo 198, conjugados com o n.º 2 do art.º 197).
Ou seja, o requisito do mínimo de 20% dos trabalhadores, previsto no n.º 2 do art.º 197 reporta-se ao número mínimo de convocantes da assembleia, enquanto o art.º 198 exige como requisitos adicionais da decisão, uma participação de pelo menos 2/3 dos trabalhadores da empresa ou estabelecimento (n.º 1), e que a decisão seja tomada pela maioria absoluta dos trabalhadores presentes (n.º 2).
O recurso à greve está ainda, de acordo com a LT, subordinada a dois pressupostos legais:
(i) por um lado, o n.º 3 do art.º 197 impõe que os trabalhadores não devem recorrer à greve sem previamente tentar resolver o conflito colectivo através de formas de solução pacífica (meios alternativos de resolução de conflitos);
(ii) por outro, o n.º 4 deste mesmo art.º 197 (o qual deve ser conjugado com o disposto no art.º 177/4) estabelece a denominada “cláusula de paz social relativa”, nos termos da qual os trabalhadores se comprometem durante a vigência dos IRCT’s a não declarar nenhuma greve com a finalidade de introduzir alterações ao seu conteúdo ou de rever os referidos instrumentos, salvo se existirem «graves violações» do instrumento por parte do empregador e após terem sido esgotados todos os meios de resolução pacífica de conflitos.
Esta “cláusula de paz social” não proíbe os comportamentos de luta laboral (greve) em todas as situações e relativamente a todas as matérias, mesmo aquelas que não tenham sido objecto de negociação (“cláusula de paz social absoluta”), mas apenas as greves que pretendam regular de novo o conteúdo de uma convenção colectiva, quer com vista a uma vigência imediata (alteração), quer com vista a uma vigência futura (revisão): por isso, é qualificada como “cláusula de paz social relativa”.
Sendo certo que a lei consagra a irrenunciabilidade do direito à greve (art.º 87 da CRM e art.º 194/1 da LT) entendemos que não existe, nestes casos, uma verdadeira renúncia a esse direito. Aliás, a celebração de qualquer convenção colectiva envolve um dever implícito e relativo de paz social, quer porque as associações sindicais estão obrigadas a observar a regulamentação acordada, por força das regras gerais sobre o cumprimento dos contratos, quer porque não é lícito o recurso à greve para forçar os empregadores a alterarem a convenção antes de esgotado o respectivo período de vigência. Ao contrário, não parece defensável, face ao disposto na lei, a admissibilidade de um dever absoluto de paz social expresso numa cláusula da convenção.
112.2.2. Declaração de greve: o pré-aviso
Para que a greve produza efeitos é necessário que a decisão de greve seja comunicada ao empregador e ao Ministério do Trabalho com certa antecedência relativamente ao início da greve, mediante a emissão de um pré-aviso com um prazo mínimo de 5 dias (art.º 207, n.º 1) ou de 7 dias para as empresas ou serviços que destinam à satisfação de necessidades essenciais da sociedade (art.º 207, n.º 2), o que se compreende como forma de viabilizar o processo de determinação dos serviços mínimos a prestar durante a greve.
Este aviso prévio vale como declaração de greve, ou seja, não é apenas o pré-aviso que é notificado ou declarado, já que essa notificação ou declaração encerra logicamente a própria declaração de greve, razão porque o pré-aviso deve conter as menções referidas no n.º 3 do art.º 207: caderno reivindicativo, menção obrigatória dos sectores de actividade abrangidos pela greve, o dia e a hora do início da paralisação, bem como a duração prevista.
Durante o período de pré-aviso, o Ministério do Trabalho ou o órgão de conciliação, mediação e arbitragem, por sua iniciativa ou a pedido do empregador ou do organismo sindical, podem promover a conciliação entre as partes, a fim de por termo ao conflito (art.º 208), diligências conciliatórias que se podem prolongar mesmo depois de iniciada a greve (vide n.º 2 do art.º 209).
112.2.3. Adesão à greve
Tomada a decisão da greve e passado o período de aviso legal, os trabalhadores podem entrar em greve, a menos que, entretanto, a mesma seja desconvocada (art.º 209, n.º 1).
Os sindicatos ou assembleias de trabalhadores podem decidir da greve, mas só os trabalhadores individualmente considerados a podem de facto exercer, pelo que com razão se diz que os sindicatos não podem fazer a greve, mas apenas declará-la.
Ou seja, a decisão de greve não vincula os trabalhadores representados pelos sindicatos ou participantes nas assembleias, que traduzem tão só a vontade colectiva a que os trabalhadores podem aderir ou não. O exercício do direito de greve concretiza-se apenas pela adesão individual dos trabalhadores a greve decidida e declarada, adesão de resto extensiva quer quanto aos trabalhadores não sindicalizados quer aos filiados em sindicatos não declarantes.
Por isso, a LT consagra dois princípios fundamentais:
- a liberdade de adesão à greve (“liberdade de trabalhar”) proibindo o sindicato ou a comissão de greve que tiverem declarado a greve de impedir o acesso às instalações da empresa dos trabalhadores não aderentes à greve ou, de outra forma, intimidá-los ou coagi-los a suspender a prestação do trabalho (art.º 199), ainda que possam organizar “piquetes de greve” para desenvolver actividades tendentes a persuadir, por meios pacíficos, os trabalhadores a aderirem à greve, mas sem colocar em caso algum a liberdade dos não aderentes;
- a protecção do direito à greve por parte dos trabalhadores grevistas com a consequente impossibilidade de represálias patronais pelo simples exercício do direito à greve, pelo que o art.º 200 proíbe qualquer acto do empregador que vise o despedimento ou a transferência ou cause prejuízo ao trabalhador por motivo de adesão a greve lícita.
Quanto à representação dos trabalhadores grevistas durante o período de greve, a lei dispõe (n.º 1 do art.º 201) que são representados pela associação ou associações sindicais que tiverem declarado a greve ou por uma comissão eleita para o efeito no caso de declaração de greve pela assembleia de trabalhadores (art.ºs 197/2 e 198), as quais podem delegar os seus poderes de representação (n.º 2 do art.º 201).
112.2.4. Termo da greve
Há a distinguir entre greves de duração limitada no tempo (por horas ou por dias seguidos ou interpolados) e greves de duração ilimitada.
Quanto às greves limitadas, elas têm naturalmente fim no termo do prazo mencionado no próprio pré-aviso (art.º 212, n.º 1, in fine)
As greves de duração (limitada ou ilimitada) podem terminar:
- em resultado de um acordo com o empregador para pôr termo ao conflito ou apenas para reabertura de negociações;
- por decisão sindical, após consulta aos trabalhadores (desconvocação da greve), devido por ex., ao esgotamento da capacidade de luta dos trabalhadores, à satisfação parcial ou total das reivindicações apresentadas;
- por decisão do órgão de mediação e arbitragem (art.º 212, n.º 1).
112.3. Efeitos jurídicos (quanto às relações individuais de trabalho)
A greve, quando regular ou lícita, suspende a relação de trabalho dos trabalhadores aderentes (art.º 210, n.º 1). Consequentemente, os trabalhadores grevistas não têm direito à remuneração e ficam desvinculados dos deveres de subordinação e assiduidade.
No domínio das relações de trabalho, o efeito essencial da greve é, assim, o da suspensão do contrato de trabalho. O contrato subsiste, embora inoperante nos elementos materialmente imediatos da relação sinalagmática: do lado do trabalhador suspende-se o dever de assiduidade e de subordinação, não existindo, nesse período, o correspectivo direito à retribuição.
O tempo de suspensão não prejudica, no entanto, os direitos e deveres que não impliquem a efectiva prestação de trabalho, mantendo-se designadamente a obrigatoriedade das contribuições para a segurança social, as prestações devidas por acidentes ou doenças profissionais, o dever de lealdade e a antiguidade do trabalhador (n.ºs 2 e 5 do art.º 210).
Se a declaração de greve for fundada em “manifesta violação” do IRCT por parte do empregador, os trabalhadores não perdem, mesmo durante o período de paralisação, o seu direito à remuneração, de acordo com o n.º 3 deste mesmo art.º 210.
Já no caso de greve ilícita – «greve declarada e realizada à margem da lei», na expressão do n.º 1 do artigo 210, a qual evidencia que a ilicitude da greve abrange quer as irregularidades formais (por ex., falta de pré-aviso), quer substanciais (tipo de greve proibida por lei, execução desconforme com a lei como o não cumprimento dos serviços mínimos) - aquela faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas, sem prejuízo da aplicação dos princípios gerais em matéria de responsabilidade civil, contravencional e criminal, se a elas houver lugar (n.º 2 do art.º 210).
112.4. Obrigações dos trabalhadores durante a greve - serviços mínimos
Durante o período de greve, os trabalhadores grevistas estão obrigados a prestar os serviços mínimos indispensáveis à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações da empresa ou serviço, de modo a que, terminada a greve, possam retomar a sua actividade (art.º 202, n.º 1).
Além disso, nas empresas ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades essenciais da sociedade, as associações sindicais e os trabalhadores grevistas estão obrigados à prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades (art.º 205, n.º 1).
O n.º 4 do art.º 205 preceito enumera exemplificativamente o que considera como serviços e actividades destinados à satisfação das necessidades essenciais da sociedade – no âmbito das quais se incluem obrigatoriamente as prosseguidas pelas empresas públicas ou por qualquer outra pessoa colectiva pública a cujas relações de trabalho se aplique a LT, nos termos do n.º 5 – pelo que noutros sectores também poderá haver serviços ou actividades que correspondam a necessidades essenciais da sociedade.
Já no tocante aos serviços mínimos necessários à satisfação daquelas necessidades devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Na falta dessa previsão em IRCT, essa definição pode resultar de acordo entre o órgão sindical e o empregador, durante o período de pré-aviso, o qual deve indicar igualmente os trabalhadores encarregues de os realizar (n.ºs 2 e 3 do art.º 202).
Na falta deste acordo entre as partes, a lei estabelece uma distinção: por um lado, o artigo 205 estabelece que a determinação dos serviços mínimos destinados à satisfação das necessidades essenciais da sociedade incumbe ao órgão local do Ministério do Trabalho, ouvidos o empregador e o órgão sindical; por outro, o n.º 4 do art.º 202 quanto aos serviços mínimos indispensáveis à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações da empresa preceitua que essa determinação é feita sob mediação dos órgãos de conciliação, mediação e arbitragem.
Os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos devem ser designados com observância dos princípios da boa fé e da proporcionalidade (art.º 202, n.º 7) designação que à semelhança do disposto quanto aos trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos necessários à segurança do equipamento e instalações, ficam excluídos os dirigentes sindicais (art.º 205, n.º 3), cuja violação é punida com multa cujo montante variará entre dois a dez salários mínimos (art.º 268/2).
112.5. Requisição civil
A requisição civil regulada genericamente nos art.ºs 213 a 215 da LT, compreende o conjunto de medidas determinadas pelo Governo para, em circunstâncias particularmente graves, assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público, sempre que nestes ocorram greves que, pela sua natureza e duração, coloquem em causa necessidades essenciais da população ou afectem sectores vitais da economia do país (art.º 213, n.º 1)
A requisição civil tem carácter excepcional, podendo ter por objecto a prestação de serviços (individual ou colectiva), a cedência ou utilização temporária de bens ou equipamentos, os serviços públicos, as empresas estatais, as empresas públicas e de capital misto ou privado (art.º 213, n.º 2).
Independentemente do disposto na lei da requisição civil (ainda inexistente), para o qual remete o n.º 2 do art.º 214, a LT impõe que o acto administrativo que determinar a requisição civil deve indicar:
- o seu objecto e a sua duração;
- a autoridade responsável pela execução da requisição;
- a modalidade de intervenção das forças armadas, quando tenha lugar (a requisição pelas forças armadas dos meios indispensáveis à defesa nacional consta da Lei 18/97, de 1 de Outubro - Lei da Defesa Nacional);
- o regime de prestação de trabalho dos requisitados, incluindo as remunerações e eventuais compensações a atribuir aos mesmos; e
- as modalidades de gestão das empresas requisitadas (n.º 1 do art.º 214)
Por último, o art.º 215 explicita que podem ser objecto de requisição civil os trabalhadores afectos a serviços públicos ou empresas cuja actividades visem:
- o abastecimento de água (captação e distribuição de água para consumo e para as produções industrial e agrícola);
- a produção e distribuição de energia eléctrica, bem como dos combustíveis destinados a assegurar o fornecimento da indústria em geral, da produção agrícola e dos transportes em geral;
- a exploração dos serviços de correios e telecomunicações e dos transportes em geral, bem como dos serviços de portos, aeroportos e caminhos de ferro;
- a produção industrial e agrícola de bens essenciais à economia nacional e de produtos alimentares de primeira necessidade;
- a prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos, e os de salubridade pública, incluindo a realização dos funerais;
- os serviços de segurança privada; e,
- os serviços que, em geral, se destinem à satisfação das necessidades essenciais da sociedade previstos no art.º 205.
Note-se que este elenco de serviços públicos e empresas (empresas estatais, públicas, de capital misto ou privadas) cuja actividade pode ser objecto de requisição civil, é mais amplo do que o elenco já referido atrás («empresas públicas ou qualquer outra pessoa colectiva pública» - art.º 205/5), relativo à satisfação das necessidades essenciais da sociedade.
O corpo deste preceito precisa ainda que a requisição de serviços públicos ou empresas se limita à prestação de determinados bens, isto é, à obrigação de executar com prioridade a prestação prevista com os meios de que dispõe e conservando a direcção da respectiva actividade profissional ou económica, não sendo esta exercida por qualquer comissão exterior à gestão das entidades requisitadas.
Notas:
(258) Sobre o direito à greve na função pública, Paulo Daniel Comoane “Haverá um direito a greve na função pública em Moçambique?”, Relatório para o Mestrado em Ciências Jurídicas, Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane e Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Maputo, 2004, e ob. cit.,“Aplicação da Lei do Trabalho nas Relações de Emprego Público”, pp. 61, 74 e 179.
(259) A Lei da Sindicalização na Função Pública, Lei n.º 18/2014, de 27 de Agosto (BR, Série I, n.º 69, de 27.08.2014) confere aos funcionários e aos agentes do Estado o direito de constituir sindicatos com vista a garantir à salvaguarda dos seus direitos e interesses, mas que lhes não reconhece, contudo, o exercício do direito à greve, cuja regulamentação é remetida para lei específica (vide art.º 7, n.º 3).
(260) Acórdão do Tribunal Supremo de 23.04.2009 - Proc.º n.º 159/07-L (BR, III Série, n.º 35, de 31/08/2011): Greve - Declaração de greve - Comissão Ad Hoc:
“De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 215 da Lei do Trabalho n.º 8/98, de 20 de Julho, são sancionadas com uma das medidas disciplinares previstas no artigo 22 daquele diploma legal, as infracções cometidas pelos trabalhadores no contexto de uma greve.
Tais infracções, e não outras, consistem na violação dos deveres dos trabalhadores assegurarem os serviços mínimos indispensáveis à segurança do património da empresa, de se absterem de recorrer à greve durante o processo negocial com a entidade empregadora sem que antes estejam esgotados todos os meios de solução dos conflitos, designadamente a mediação e arbitragem, e do dever de, através do organismo sindical competente, procederem ao pré-aviso (cfr. artigos 130, 133, 134 a 139 da lei n.º 8/98).
A este propósito, anote-se que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 145 da Lei 8/98, já citada, os efeitos directos da greve incidem sobre os direitos e deveres principais emergentes do contrato de trabalho, suspendendo-se, nomeadamente, os deveres da prestação de trabalho e da subordinação, em relação aos trabalhadores envolvidos e enquanto durar a greve.
Ora, os factos descritos nas notas de culpa, como sendo infracções disciplinares praticadas pelos apelados no contexto da greve, não têm enquadramento nos artigos 130 n.º 1 e 139 da Lei 8/98 e, por outro lado, a apelante não juntou qualquer meio de prova das referidas infracções.
Por outro lado, não se configura nos autos a alegada ilegitimidade da Comissão Ad Hoc, que convocou a greve, nem a ilegalidade da respectiva actuação com vista a defesa e promoção dos interesses sócio-laborais dos trabalhadores ao seu serviço.
Nestes termos, negam provimento ao recurso interposto, por improcedência dos fundamentos alegados pela apelante quanto à ilegalidade da greve por a mesma ter sido convocada por uma comissão ad hoc e não por um organismo sindical competente, de ter infringindo as formalidades de consulta prévia e da representatividade dos trabalhadores, do aviso prévio, das acções conciliatórias e de que com a efectivação da greve terem os apelados causado prejuízos graves, mas não especificados, decorrentes da falta de pagamento de prestações devidas por empresas por si servidas, mantendo, por isso, para todos os efeitos legais, a decisão proferida em primeira instância."
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