56. Cedência ocasional
A LT actual - ao contrário das anteriores Leis do Trabalho 8/85, de 14 de Dezembro, e 8/98, de 20 de Julho - consagra a figura da “cedência ocasional de trabalhador”.
O conceito de “cedência ocasional de trabalhador” diferencia-se quer da transição do trabalhador para um novo empregador por efeito da transmissão da empresa ou estabelecimento (art.º 76), quer do contrato de trabalho temporário (art.º 80).
Da primeira, porque ao contrário da transmissão em que a cessão da posição contratual do empregador é inerente à transmissão da empresa ou estabelecimento, na cedência ocasional o trabalhador de uma certa empresa passa a prestar trabalho subordinado noutra empresa, durante um determinado período de tempo (a lei veda às partes a celebração da cedência definitiva de trabalhadores), mas mantendo o vínculo contratual com a primeira empresa, que continua a ser a entidade empregadora do trabalhador cedido, pelo que, finda a cedência, o trabalhador regressa ao empregador primitivo.
Da segunda, e apesar de haver alguma semelhança na estrutura triangular que se estabelece em ambos os institutos, no trabalho temporário o trabalhador é contratado pela empresa de trabalho temporário para ser cedido a outro empregador (utilizador), não se integrando no quadro de pessoal deste, enquanto na cedência ocasional, o trabalhador é colocado à disposição de outra entidade empregadora para realizar uma certa actividade profissional, sob a autoridade e direcção desta última. (144)
(i) Noção
A “cedência ocasional de trabalhador” radica na figura da cessão da posição contratual, prevista nos art.ºs 424.º e ss. do CC, mediante a qual é possível ao cedente, com o consentimento do cedido, transmitir a terceiro (cessionário) a sua posição no contrato; o cessionário, a partir do momento em que a cessão produz efeitos, passa a ser o credor, deixando o cedente de assumir essa qualidade.
A cessão do contrato de origem convencional pressupõe três declarações de vontade: a proposta e aceitação do cedente e cessionário e o assentimento do cedido, que pode ser anterior ou posterior à cessão. Esta figura é aplicável à relação laboral, com as necessárias adaptações. Efectivamente, o empregador (cedente) pode transmitir a outro empregador (cessionário) a sua posição contratual, desde que o trabalhador (cedido) consinta na cedência.
Havendo cessão da posição contratual, o conteúdo do contrato de trabalho mantém-se inalterado (art.º 427.º do CC), pois a modificação é meramente subjectiva. Assim, o trabalhador, perante o novo empregador (cessionário), continua com a mesma categoria, antiguidade, etc., que tinha na relação com a anterior entidade patronal (cedente).
Em suma, o contrato de cedência ocasional consiste na disponibilização temporária e eventual de um trabalhador do quadro de pessoal de determinado empregador a uma outra entidade, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo laboral inicial.
Deste modo, não ocorre qualquer modificação na pessoa do empregador nem nos direitos e deveres que a este são imputáveis. Com efeito, a cedência ocasional apenas permite que um terceiro estranho à relação laboral possa, licitamente, exercer o poder de direcção sobre um trabalhador alocado por outra empresa e beneficiar da sua prestação de trabalho. Em consequência, o vínculo laboral com a empresa cedente não cessa, antes se mantém plenamente válido e eficaz.
Esta estrutura é necessariamente temporária e eventual, pelo que, uma vez terminada a cedência ocasional, o trabalhador regressa à empresa de origem, mantendo os direitos que tinha antes da cedência, cuja duração conta para efeitos de antiguidade.
(ii) Requisitos legais
Nos termos do art.º 78 da LT a cedência ocasional de trabalhadores apenas é perimitida se for regulada em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (n.º 2) ou, não o sendo por IRCT, desde que se verifiquem cumulativamente (145) os seguintes requisitos (n.º 3):
- a existência de um contrato de trabalho entre o empregador (cedente) e o trabalhador cedido (alínea a));
- a cedência vise satisfazer o acréscimo de trabalho ou a mobilidade de trabalhadores (alínea b));
- a celebração de um acordo escrito de cedência, do qual conste a declaração do trabalhador a aceitá-la, e através do qual o trabalhador é cedido do quadro de pessoal do próprio empregador (cedente) para outro (cessionário), que exerce sobre aquele o poder de direcção (alínea c));
- que a cedência seja eventual e temporária (alínea d));
Note-se que a cedência ocasional pressupõe que o trabalhador esteja vinculado ao empregador cedente por contrato de trabalho sem termo ou a termo resolutivo certo (art.º 78/3, alínea a)). Na cedência existe, pois, como que uma partilha de alguns poderes entre os empregadores cedente e cessionário: o poder de direcção transfere-se para o cessionário prestando o trabalhador a sua actividade sob as ordens e direcção daquele, mantendo, contudo, o trabalhador o seu vínculo contratual com o cedente. Por isso, o trabalhador regressa ao empregador cedente no término do acordo de cedência ou em caso de cessação da actividade do cessionário (art.º 78/4).
Por outro lado, exige-se que haja a celebração de um acordo escrito, mediante o qual se estabelece, a cedência do trabalhador do quadro de pessoal do próprio empregador (cedente) para outro (cessionário), acordo que só torna a cedência legítima se contiver a declaração de concordância do trabalhador (art.º 78/3, alínea c)).
Por último, a cedência deve ser temporária, nos termos a que se refere a alínea d) do n.º 3 deste preceito: a duração da cedência, tratando-se de contrato por tempo indeterminado, não pode exceder 3 anos, ou nos casos do contrato a termo certo ultrapassar o período de duração deste, e eventual no sentido de que assume carácter excepcional e esporádico (como vimos antes, a lei proíbe a cedência definitiva de trabalhadores).
Enfim, apesar de a alínea b) do n.º 3 do art.º 78 considerar como pressuposto da cedência o “fazer face a aumento de trabalho ou a mobilidade de trabalhadores”, afigura-se-nos que não se trata de um requisito essencial ou substancial, pelo que a sua não verificação - desde que cumpridos os 3 requisitos previstos nas restantes alíneas (contrato de trabalho entre o empregador cedente e o trabalhador cedido, acordo de escrito de cedência e natureza temporária) - não impede, em nosso entender, o estabelecimento do regime da cedência ocasional.
A falta dos requisitos mencionados tem como consequência o direito de o trabalhador poder optar pela sua integração no quadro de pessoal da cessionária ou pela indemnização prevista para os casos de “rescisão do contrato com justa causa por iniciativa do trabalhador”, calculada nos termos dos n.ºs 2 (para o contrato de trabalho por tempo indeterminado) e 3 (para o contrato de trabalho a prazo certo) do art.º 128 da LT, e suportada pelo empregador cessionário.
Notas:
(144) Sobre a distinção entre estes institutos, Duarte da Conceição Casimiro, A Transmissão da Empresa (…), pp. 85-87.
(145) Cfr. Duarte da Conceição Casimiro, A Transmissão da Empresa (…), p. 86
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