57. Contrato de fornecimento de mão-de-obra e de trabalho temporário
57.1. Agência privada de emprego
Nos termos do artigo 79/1 da LT considera-se «agência privada de emprego toda a empresa em nome individual ou colectivo, de direito privado, que tem por objecto a cedência temporária de um ou mais trabalhadores a outrem, mediante celebração de contrato de trabalho temporário e de utilização».
O regime jurídico das agências privadas de emprego previsto neste preceito encontra-se regulado pelo Decreto n.º 36/2016, de 31 de Agosto (Regulamento de Licenciamento e Funcionamento das Agências Privadas de Emprego – RegLFAPE´s), cujo art.º 2 dispõe que «as agências privadas de emprego têm por objecto a cedência temporária de um ou mais trabalhadores nacionais a utilizadores em território nacional ou no estrangeiro mediante celebração de contrato de trabalho temporário e de utilização».
Esta disposição reafirma o objecto das agências privadas de emprego (APE´s) definido pelo art.º 79/1 da LT que é o do recrutamento de trabalhadores com o fim de os colocar temporariamente à disposição de terceiros/utilizadores que determinam as suas tarefas e supervisionam a sua execução.
Por outro lado, o art.º 2 do RegLFAPE´s ao referir que as «agências privadas de emprego têm por objecto a cedência temporária de um ou mais trabalhadores nacionais» põe fim à controvérsia (146) se as actividades de recrutamento e cedência de mão-de-obra pelas APE´s, apenas podiam ter como destinatários trabalhadores nacionais, ou também tinham legitimidade para contratar cidadãos de nacionalidade estrangeira para fins de cedência a terceiros. O legislador é hoje bastante claro no sentido de que a actividade das APE´s abrange apenas os trabalhadores nacionais embora para cedência a entidades utilizadoras que operem no território nacional ou no estrangeiro (art.º 22 do RegLFAPE´s), estando a contratação de trabalhadores estrangeiros expressamente excluída do objecto deste Regulamento, que a remete para legislação específica (art.º 6 do RegLFAPE´s). (147)
Nos termos do art.º 79/2 da LT, e do art.º 7 do do RegLFAPE´s, compete ao Ministro do Trabalho, ou a quem este delegar, a autorização para o exercício de actividade das agências privadas de emprego (art.ºs 7 a 10), cujo licenciamento e emissão de alvará se opera nos termos previstos nos art.ºs 11 a 15 do citado Regulamento.
O RegLFAPE´s estabelece ainda os procedimentos aplicáveis ao recrutamento e cedência de trabalhadores no território nacional e para o estrangeiro (art.ºs 16 a 19), os direitos e deveres das APE´s (art.ºs 20 a 22), os deveres e direitos do candidato a emprego (art.ºs 23 a 25), bem como a fiscalização pela IGT (art.º 26) e o regime sancionatório aplicável (art.º 27) em caso de violação das disposições constantes do Regulamento.
57.2. Contrato de trabalho temporário
O trabalho temporário corresponde à situação em que uma empresa especializada (agência privada de emprego - APE) cede, a título oneroso e por tempo determinado, a outra empresa (empresa utilizadora - EU) a disponibilidade da força de trabalho de um trabalhador contratado por aquela (trabalhador temporário - TT), que passa a estar funcionalmente integrado na organização da empresa utilizadora, embora continue a pertencer ao quadro de pessoal da agência privada de emprego.
O modelo legal do trabalho temporário previsto na LT assenta na celebração de dois contratos distintos que se encadeiam um no outro:
- o contrato de trabalho temporário celebrado entre a APE e o TT (art.º 80); e
- o contrato de utilização celebrado entre a APE e a EU (art.º 81). O trabalho temporário assenta assim numa relação de trabalho "triangular", em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a agência privada de emprego (que contrata, remunera e exerce o poder disciplinar) e a empresa utilizadora (que recebe nas suas instalações um trabalhador que não integra o seu quadro de pessoal e exerce em relação a ele, por delegação da agência privada de emprego, os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora).
O “contrato de trabalho temporário” deve ser celebrado por escrito, em duplicado, assinado pelo trabalhador e pela agência privada de emprego, e dele devem constar os mesmos elementos identificativos do contrato de trabalho do art.º 38 da LT, a saber:
- a identificação das partes: o nome do trabalhador e a denominação da agência de emprego privada, bem como o número e a data do alvará que autoriza o exercício da sua actividade;
- a categoria profissional ou a descrição das funções do trabalhador;
- o local e período normal de trabalho;
- o início e duração do contrato;
- a indicação dos motivos que justificam a celebração do contrato;
- o montante, forma e periodicidade de pagamento da remuneração;
- a data de celebração do contrato.
No domínio das obrigações em matéria de formação profissional, compete, em princípio, à APE assegurar a formação do trabalhador. Nada impede, porém, a nosso ver, que tal obrigação possa ser acordada e delegada na empresa utilizadora de mão-de-obra, tanto mais que é nesta última entidade que o trabalhador exerce as respectivas funções. Em determinadas situações, o trabalhador pode mesmo necessitar de formação específica prévia em função do posto de trabalho a ocupar (art.º 83/4da LT).
57.3. Contrato de utilização
O contrato de utilização de trabalho é um contrato de prestação de serviços celebrado entre um utilizador e uma agência privada de emprego, pelo qual esta se obriga, mediante remuneração, a colocar à disposição daquele um ou mais trabalhadores temporários (art,º 81/1).
Do contrato de utilização, necessariamente reduzido a escrito, devem constar obrigatoriamente as seguintes menções (art.º 81/2):
- os motivos (previstos no art.º 82) do recurso ao trabalho temporário;
- o número de inscrição na segurança social da empresa utilizadora e da agência privada de emprego (e, quanto a esta, também o número e data do alvará de licença para o exercício da actividade);
- a descrição das funções do trabalhador e da categoria profissional;
- o local e período normal de trabalho;
- a retribuição devida pela empresa utilizadora à agência privada de emprego;
- o início e duração do contrato;
- a data da celebração do contrato.
O n.º 5 do art.º 81 consagra o princípio da responsabilidade solidária da EU e da APE quanto aos direitos do trabalhador, emergentes do contrato de trabalho temporário e da sua violação ou cessação no caso de ser celebrado um contrato de utilização com uma agência privada de emprego não licenciada.
No art.º 82, o legislador procede à enumeração dos motivos justificativos da celebração de contratos de utilização de trabalho temporário. À primeira vista, parece tratar-se de uma enumeração exemplificativa, como o inculca a utilização no proémio do artigo do advérbio “nomeadamente”. Contudo, o n.º 4 do art.º 80 dispõe que «a celebração de contratos de trabalho temporário só é admitida nas situações previstas no artigo 82», pelo que tendo em conta a especial natureza (“triangular”) da relação de trabalho temporário, parece ser de entender que as situações previstas nos n.ºs 1 e 2 deste art.º 82, esgotam não só a possibilidade de celebração de contratos de trabalho temporário, como dos contratos de utilização dessa modalidade de trabalho.
Quanto ao regime aplicável aos contratos de trabalho temporário e de utilização, a LT harmoniza-os com o do contrato de trabalho a prazo, dispondo que se lhes aplica, com as necessárias adaptações, o regime deste (art.º 83/1). No demais, e em consequência do apontado princípio da partilha dos poderes do empregador entre o utilizador e a agência privada de emprego, o trabalhador fica subordinado ao regime de trabalho em vigor na empresa utilizadora (EU) em tudo o que respeite «ao modo, lugar, duração e suspensão da prestação de trabalho, disciplina, segurança, higiene, saúde e acesso aos seus equipamentos sociais», competindo-lhe ainda elaborar o horário de trabalho e marcar as férias do trabalhador temporário. Poderá ainda exercer o poder disciplinar sobre o trabalhador temporário, se este lhe for delegado pela agência privada de emprego, salvo quanto à aplicação da sanção de despedimento, que cabe sempre a esta última, o que se compreende, atento o facto de o vínculo jurídico-laboral se estabelecer entre o trabalhador temporário e a agência privada de emprego (art.º 83, n.ºs 3 a 6).
Notas:
(146) Que as actividades de recrutamento e cedência de mão-de-obra pelas Agências Privadas de Emprego, só podiam ter como destinatários trabalhadores nacionais, tendo aquelas apenas legitimidade para contratar cidadãos de nacionalidade estrangeira para integrar os seus próprios quadros de pessoal e não para fins de cedência a terceiros, já parecia resultar do anterior Decreto n.º 6/2001 regulador das APE´s (ora revogado pelo Decreto n.º 36/2016), cujo art,º 3 dispunha: “Este decreto aplica-se a todas as Agências Privadas de Emprego, independentemente das categorias dos trabalhadores nacionais a recrutar ou para os quais se busque emprego, e dos ramos de actividade das entidades empregadoras para as quais se recrutem ou se cedam trabalhadores nacionais que se destinam ao mercado de emprego”.
Nesta conformidade, a Circular da Direcção de Trabalho Migratório n.º 484/MITRAB/DTM/GD/211/2014, de 17 de Setembro de 2014, determinava que as Direcções Provinciais de Trabalho se deverão abster de tramitar processos de contratação de trabalhadores de nacionalidade estrangeira submetidos por Agências Privadas de Emprego, para fins de cedência a terceiros.
Da conjugação do disposto no anterior Regulamento das Agências Privadas de Emprego (RegAPE´s), no Regulamento Relativo aos Mecanismos e Procedimentos para a Contratação de Cidadãos de Nacionalidade Estrangeira (RegCCNE) e na LT (que falava genericamente em «trabalhadores por conta de outrem»), não nos parecia pacífico o entendimento sufragado pela Direcção de Trabalho Migratório na referida Circular. Com efeito, sendo certo que o artigo 3 do RegAPE´s restringia a sua aplicabilidade apenas a trabalhadores nacionais, é igualmente verdade que o n.º 3 do art.º 2 do RegCCNE conferia o direito de as agências privadas de emprego poderem contratar cidadãos estrangeiros, para o que deveriam obedecer ao regime de quotas ou de autorização de trabalho, tal como acontece com o recrutamento directo pelas empresas. Ora, sendo ambos os Regulamentos, diplomas legais especiais e de força ou hierarquia legal idêntica (Decretos), como o RegCCNE (Decreto n.º 55/2008, de 30 de Dezembro) era posterior ao RegAPE´s (Decreto nº 6/2001, de 20 de Fevereiro), e atento o princípio de que “em tudo quanto uma lei anterior se encontre em contradição com uma lei posterior, valerá a lei posterior” (artigo 7.º, n.º 2, do CC), parecia-nos contrariamente à directriz da Circular emitida pela Direcção do Trabalho Migratório, que as Agências Privadas de Emprego podiam contratar trabalhadores de nacionalidade estrangeira para fins de cedência a terceiros.
Como se referiu a questão foi definitivamente resolvida pelo Decreto n.º 36/2016, de 31 de Agosto, cujo art.º 2 restringe a actividade das APE´s ao recrutramento de trabalhadores nacionais.
(147) O Regulamento não é aplicável igualmente à contratação de trabalhadores portuários (art.º 2 do preâmbulo do Decreto n.º 36/2016).
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