Capítulo VIII - Conflitos Colectivos
104. Conflito colectivo – Noção
A noção de conflito colectivo (242), não resulta directamente da lei, sendo antes uma construção doutrinária, em que o conceito de “conflitos colectivos de trabalho” por contraposição ao de “conflitos individuais de trabalho”, é consequência no fundo, da distinção prevista no art.º 1 da LT sobre o objecto, ao identificar as situações de trabalho que são juridicamente disciplinadas por este ramo do Direito:
- as “relações individuais de trabalho”, que se estabelecem entre o empregador e cada um dos trabalhadores individualmente considerados, e
- as “relações colectivas de trabalho” que se estabelecem entre, por um lado, um empregador ou associações de empregadores e, por outro lado, uma ou mais associações sindicais representativas de grupos de trabalhadores,
Compreende-se que assim seja, uma vez que não existe na maioria dos ordenamentos legislativos laborais em todo o mundo uma experiência predominante da arbitragem como técnica de solução de conflitos individuais do trabalho, salvo em países anglo-saxônicos nos quais surge, no entanto, como a forma única e obrigatória de resolução do conflito decorrente da interpretação e aplicação de direitos inscritos nos contratos ou convenções colectivas, uma vez que nesses países, o direito do trabalho é regulado não pela lei (“primado da lei”), mas predominantemente pelos contratos individuais ou convenções colectivas, e sendo, por isso, os conflitos individuais de trabalho oriundos sobretudo da interpretação das normas desses mesmos contratos ou convenções colectivas de trabalho.
Por sua vez, e no tocante aos conflitos colectivos a doutrina normalmente estabelece uma outra diferenciação entre conflitos colectivos “jurídicos” (ou de direitos) e conflitos colectivos “económicos” (ou de interesses), distinção que parte da diferente natureza da solução que cada um destes dois tipos de conflitos colectivos impõe:
Por conflito jurídico entende-se o conflito colectivo que tem por objecto a divergência acerca da interpretação ou aplicação de uma norma em vigor, in casu, das constantes das convenções colectivas de trabalho, como por ex., o caso de haver discordância entre um empregador ou associação de empregadores e um sindicato acerca do modo como se aplica determinada cláusula de uma convenção colectiva em vigor, que se soluciona pela interpretação e aplicação desse direito, tarefa essa exercida pelos tribunais (“função jurisdicional”);
Por seu turno, num conflito económico ou de interesses, as partes estão em desacordo não sobre o direito existente ou sobre a disciplina jurídica em vigor, mas sim acerca do direito que é necessário criar (jure constituendo ou direito a constituir) como por ex., o caso de existir uma divergência entre um sindicato e um empregador ou associação de empregadores sobre a celebração ou revisão de uma convenção colectiva de trabalho, o qual é solucionado por deliberação autónoma das próprias partes (que podem decidir por si mesmas, com ou sem ajuda, ou delegando em terceiros, v.g., conciliação ou mediação) ou por deliberação heterónoma (v.g., arbitragem voluntária).
À primeira vista, a LT não parece acolher esta distinção, uma vez que no n.º 1 do art.º 181 surge apenas a referência à solução por conciliação, mediação ou arbitragem dos conflitos colectivos de trabalho que resultem «da celebração ou revisão de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho», isto é, os conflitos colectivos económicos (ou de interesses), mas parece-nos forçoso concluir que o conceito de conflito colectivo resultante da lei abarca, ora os “conflitos colectivos” que resultam da celebração ou revisão, ora os que resultem da interpretação e integração de convenções colectivas, devendo ambos inserir-se no conceito amplo e mais abrangente de “conflitos colectivos” adoptado pela Lei do Trabalho.
Notas:
(242) Sobre a noção de conflito colectivo, Duarte da Conceição Casimiro et al., “Lei do Trabalho de Moçambique Anotada”, Escolar Editora, pp. 305-306; Maria do Rosário Palma Ramalho “Tratado de Direito do Trabalho - Parte III - Situações Laborais Colectivas” pp. 409-411; António Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho” pp. 877-891; Bernardo da Gama Lobo Xavier “Curso de Direito do Trabalho” pp. 231-233.
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