PARTE III – PROTECÇÃO SOCIAL
Capítulo I – Segurança Social
Conforme se referiu anteriormente (I.4.) as origens do Direito do Trabalho coincidem com a aprovação de leis de protecção social visando a protecção das categorias de trabalhadores considerados mais débeis (menores e mulheres), quanto às condições em que o seu trabalho era executado, posteriormente alargada às demais categorias de trabalhadores assalariados.
A ideia de protecção dos trabalhadores relativamente a determinados riscos inerentes à prestação da actividade laboral (sistemas de protecção contra acidentes e doenças profissionais, de higiene e segurança no trabalho, e da segurança social) aparece, pois, associada ao Direito do Trabalho desde o seu início.
Também em Moçambique, após a independência, a legislação que gradualmente tem criando um sistema de protecção social, referido como “direito ou legislação social”, surgiu e desenvolveu-se no âmbito do Direito do Trabalho.
Por isso, a Lei do Trabalho dedica o Capitulo VIII ao Sistema de Segurança Social, embora se limite a enunciar os princípios gerais e objectivos do sistema de segurança social, remetendo a respectiva regulação para legislação específica (art.º 258), e contempla normas sobre higiene, segurança e saúde dos trabalhadores (art.ºs 216 a 221), e acidentes de trabalho e doenças profissionais (art.ºs 222 a 236).
Neste sentido, também o facto de a tutela governamental e a organização departamental das áreas do trabalho, protecção e segurança social se encontrarem desde sempre integradas num único Ministério - na actualidade, o Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social. (181)
63. Sistema de Segurança Social
O art.º 256 da LT garante, a todos os trabalhadores moçambicanos, o direito à segurança social, o qual visa genericamente garantir a subsistência material e a estabilidade social dos trabalhadores nas situações de falta ou redução de capacidade para o trabalho e na velhice, bem como a sobrevivência dos seus dependentes, em caso de morte (art.º 257).
O sistema de segurança social é regulado por legislação específica (art.º 258), pelo que a legislação que gradualmente vem criando o sistema de segurança social tende a configurá-la como um “Direito da Segurança Social” autónomo do Direito do Trabalho. (182)
O regime da segurança social consta da Lei n.º 4/2007, de 7 de Fevereiro, que define as bases em que assenta a protecção social e reorganiza o respectivo sistema (“LPS - Lei da Protecção Social”).
O sistema de protecção social estrutura-se em três níveis (art.º 5):
- Segurança Social Básica;
- Segurança Social Obrigatória;
- Segurança Social Complementar.
63.1. Segurança Social Básica
A Segurança Social Básica – regulada pelo Regulamento do Subsistema de Segurança Social Básica, aprovado pelo Decreto n.º 85/2009, de 29 de Dezembro – abrange não só os trabalhadores, mas todos os cidadãos nacionais incapacitados para o trabalho, sem meios próprios para satisfazer as suas necessidades, designadamente, as pessoas em situação de pobreza absoluta, as crianças em situação difícil, os idosos em situação de pobreza absoluta, as pessoas portadoras de deficiência em situação de pobreza absoluta, e as pessoas com doenças crónicas e degenerativas (art.º 7 da LPS), que se concretizam através da concessão de prestações pecuniárias mínimas ou em espécie de saúde (prestações de risco), ou mediante o apoio a programas e projectos de desenvolvimento comunitário dirigidos a indivíduos ou grupos de pessoas com necessidades específicas a nível de habitação, acolhimento, alimentação (prestações de apoio social) - art.º 8 da LPS. (183)
63.2. Segurança Social Obrigatória
A Segurança Social Obrigatória – regulamentada através do Regulamento da Segurança Social Obrigatória (RegSSO) aprovado pelo Decreto n.º 51/2017, de 9 de Outubro – abrange os regimes dos trabalhadores por conta de outrem (art.ºs 18 a 20 da LPS, e art.º 1 do RegSSO) e por conta própria (art.ºs 21 a 23 da LPS, e art.º 1 do RegSSO).
63.2.1. Trabalhadores por conta de outrem
(i) Inscrição obrigatória
Quanto ao regime dos trabalhadores por conta de outrem, são obrigatoriamente abrangidos:
- os trabalhadores por conta de outrem, nacionais e estrangeiros residentes em território nacional, mesmo que o trabalho seja a tempo parcial, incluindo os períodos probatórios e de estágio laboral remunerado (art.º 3/1 do RegSSO);
- a lei considera também como trabalhadores por conta de outrem, abrangidos obrigatoriamente pelo regime da segurança social obrigatória, os administradores, gestores, gerentes, e os membros dos órgãos sociais das sociedades comerciais, incluindo os das sociedades unipessoais, com remuneração; os empresários em nome individual com trabalhadores ao seu serviço; os estivadores contratados por uma empresa ou agência de emprego; os profissionais ao serviço dos transportadores; os trabalhadores das instituições do Estado ou de autarquias locais e os trabalhadores das empresas públicas que não estejam abrangidos pelo Estatuto Geral de Funcionários e Agentes do Estado (184); os trabalhadores sazonais; os trabalhadores dos partidos políticos, sindicatos, associações, confissões religiosas e organizações sociais; os trabalhadores das embaixadas e das organizações não-governamentais; e os desportistas e artistas, com remuneração, vinculados a um clube ou empresa (alíneas a) a i) do art,º 3/2 do RegSSO);
- os trabalhadores moçambicanos no estrangeiro são abrangidos pelas disposições relativas à segurança social obrigatória, nos termos dos acordos celebrados com outros países sobre a matéria, ou, por adesão ao regime dos trabalhadores por conta própria, quando não se encontrem inscritos em nenhum sistema de inscrição obrigatória no país onde trabalham (art.º 18 da LPS);
(ii) Eventualidades protegidas
A Segurança Social Obrigatória concretiza-se através das prestações previstas no art.º 19 da LPS e art.º 5 do RegSSO:
- o subsídio por doença e o subsídio por internamento hospitalar, no caso de doença:
- o subsídio por maternidade, na situação de maternidade;
- as pensões por invalidez e por velhice, nos casos de invalidez e velhice; (185)
- os subsídios por morte, de funeral e a pensão de sobrevivência, no caso de morte.
(iii) Obrigações contributivas
O sistema de SSO é financiado basicamente pelas contribuições – existindo uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal das contribuições e o direito às prestações – que são repartidas entre os empregadores e os trabalhadores (art.º 20/1 da LPS), sendo o pagamento das contribuições devidas à entidade gestora da segurança social obrigatória (INSS) da responsabilidade da entidade empregadora, incluindo a parcela a cargo do trabalhador, que é descontada na remuneração respectiva, e à qual este não se pode opor.
Para o efeito, é estabelecida uma taxa global de contribuições para o sistema de segurança social fixada em 7% das remunerações e adicionais pagos mensalmente aos trabalhadores pelas respectivas empresas (186), sendo que 4% corresponde à contribuição da entidade empregadora e 3% à dos trabalhadores (art.ºs 1 e 2 do Decreto n.º 4/90, de 13 de Abril).
63.2.2. Trabalhadores por conta própria (TCP)
Relativamente ao regime dos trabalhadores por conta própria (art.ºs 21 a 23 da LPS) são obrigatoriamente abrangidos as “pessoas físicas que exploram uma actividade económica, com carácter permanente ou temporário, sem colaboradores” e os que “prestam serviço de carácter individual a outrem mediante contrato de prestação de serviços” (art.º 58, alíneas a) e b), do RegSSO).
Enquadram-se nesta categoria, os trabalhadores em regime livre ou de avença, bem como todos os que no exercício da sua actividade por conta própria:
- podem escolher os processos e meios de trabalho, sendo estes da sua propriedade, no todo ou em parte;
- não estão sujeitos a horários de trabalho, salvo se os mesmos resultarem da lei ou regulamento;
- não se integram na estrutura produtiva ou cadeia hierárquica de uma única empresa, nem constituem elemento essencial ao desenvolvimento dos objectivos de qualquer entidade empregadora;
- podem fazer-se substituir livremente (art.º 59 do RegSSO).
As contribuições do sistema são suportadas na totalidade pelos trabalhadores por conta própria (TCP), cuja taxa foi fixada pelo Decreto n.º 14/2015, de 16 de Julho, em 7% da remuneração mensal convencional escolhida pelo trabalhador que não pode, contudo, ser inferior ao salário mínimo do respectivo sector de actividade.
63.3. Segurança Social Complementar
A Segurança Social Complementar (art.ºs 31 a 33 da LPS) abrange, com carácter facultativo, as pessoas inscritas no sistema de segurança social obrigatória, visando reforçar as prestações por esta atribuídas, através de fundos de pensões ou outros, consubstanciados em patrimónios autónomos exclusivamente afectos à realização dos objectivos para que hajam sido constituídos, e cuja vinculação não afasta a obrigatoriedade de inscrição na segurança social obrigatória.
O Regulamento da Constituição e Gestão de Fundos de Pensões no âmbito da Segurança Social Complementar foi aprovado pelo Decreto n.º 25/2009, de 17 de Agosto.
Notas:
(181) Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social (http://www.mitess.gov.mz/) - Decreto Presidencial n.º 1/2015, de 16 de Janeiro, cria o Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social, Decreto Presidencial n.º 16/2015, de 25 de Março, define as respectivas atribuições e competências, Resolução n.º 5/2015, de 26 de Junho, aprova o Estatuto Orgânico do Ministério, e o Diploma Ministerial n.º 94/2015, de 9 de Outubro, aprova o Regulamento Interno do Ministério.
Assim sucedeu, até à orgânica do Governo estabelecida 2020, em que o Decreto Presidencial nº 2/2020, de 30 de Janeiro, extinguiu o Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social, criando em sua substituição o Ministério do Trabalho e Segurança Social (áreas do trabalho e segurança social) e a Secretaria de Estado da Juventude e Emprego (área do emprego).
Na sequência do qual, o Decreto Presidencial nº 5/2020, de 24 de Fevereiro, definiu as atribuições e competências do Ministério do Trabalho e Segurança Social, criado pela alínea a) do artigo 2 do Decreto Presidencial n.º 2/2020, de 30 de Janeiro, revogando o Decreto Presidencial nº 161/2015, de 25 de Março, tendo a Resolução n.º 43/2020, de 9 de Dezembro, aprovado o Estatuto Orgânico do Ministério do Trabalho e Segurança Social e revoga a Resolução n° 5/2015, de 26 de Junho; por seu turno, o Decreto Presidencial nº 7/2020, de 24 de Fevereiro, define as atribuições e competências da Secretaria de Estado da Juventude e Emprego, criada pelo Decreto Presidencial n.º 2/2020, de 30 de Janeiro, e a Resolução nº 9/2020, de 24 de Abril, aprovou o Estatuto Orgânico dessa mesma Secretaria de Estado da Juventude e Emprego.
(182) Na linha da corrente doutrinária actualmente dominante que propende a separar o “Direito do Trabalho e da Segurança Social” que surgia como consagrando o direito da segurança social intimamente ligado ao Direito do Trabalho, e que tende a consagrar a área da segurança social como uma disciplina autónoma do “Direito da Segurança Social”.
(183) Sobre a Segurança Social Básica, vide o Decreto n.º 47/2018, de 6 de Agosto, concernente à revisão dos Programas de Segurança Social Básica, criados pelo Decreto n.º 52/2011, de 12 de Outubro, o Decreto n.º 59/2018, de 6 de Setembro, respeitante à revisão dos valores dos subsídios dos Programas Subsídio Social Básico, Apoio Social Directo e Acção Social Produtiva criados pelo Decreto n.º 10/2015, de 8 de Junho, e ainda o Decreto n.º 46/2014, de 5 de Setembro, que aprovou o Regulamento da Implementação da Segurança Social Básica pelas Instituições Religiosas e Organizações Não Governamentais Nacionais e Estrangeiras que desenvolvem actividades na República de Moçambique.
(184) A segurança social obrigatória dos funcionários do Estado rege-se, nos termos do art.º 18/3 da LPS, por legislação específica, cujo Regulamento da Previdência Social dos Funcionários e Agentes do Estado, abreviadamente designado por REPFAE, foi aprovado pelo Decreto n.º 27/2010, de 12 de Agosto. Por outro, com vista a estabelecer a articulação entre os regimes de segurança social do sector privado e do sector público foi aprovado o Regulamento de Articulação do Sistema de Segurança Social Obrigatória dos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria com o dos funcionários e agentes do Estado, pelo Decreto n.º 49/2009, de 11 de Setembro. Mais recentemente, o Decreto-Lei n.º 1/2021, de 24 de Março, aprovou um regime específico de aposentação obrigatória dos trabalhadores do Sector Empresarial do Estado, diferenciando-se dos restantes agentes do Estado.
Ainda no mesmo domínio da articulação dos sistemas, o Decreto n.º 13/2019, de 27 de Fevereiro, aprovou o Regulamento de Articulação dos Sistemas de Segurança Social dos Trabalhadores por Conta de Outrem e por Conta Própria, dos Funcionários do Estado e dos Trabalhadores do Banco de Moçambique.
(185) O Decreto n.º 37/2019, de 17 de Maio, veio proceder à interpretação autêntica dando resolução a situações duvidosas surgidas da aplicação do RegSSO aprovado pelo Decreto n.º 51/2017, de 9 de Outubro, no que tange à atribuição das pensões de velhice. Assim, aos beneficiários que à data de entrada em vigor do Decreto n.º 51 /2017, de 9 de Outubro, reuniam, no prazo de 5 anos contados a partir dessa data, os requisitos para a fixação da pensão de velhice previstos no n.º 2 do art.º 28 daquele Decreto, é-lhes aplicável quanto ao período de garantia 300 meses com entrada de contribuições desde que tenha sido inscrito no sistema há pelo menos 30 anos; os beneficiários que completem 55 anos de idade, sendo mulher, ou 60 anos, sendo homem, desde que tenham completado 120 meses com entrada de contribuições, reúnam ou venham a reunir esses requisitos no prazo de 5 anos contados a partir da entrada em vigor do Decreto n.º 51/2017, têm direito à pensão de velhice (art.º 1 do Decreto n.º 37/2019); a pensão devida ao abrigo do número anterior é calculada nos termos do artigo 33 do Decreto n.º 51/2017, de 9 de Outubro (art.º 2 do Decreto n.º 37/2019).
(186) O art.º 11 do RegSSO dispõe que a base de incidência das contribuições é constituída pelo “Salário; Bónus de antiguidade; Gratificação de gerência; Prémios de rendimento, produtividade e assiduidade atribuídos com carácter de regularidade; Remuneração por substituição; Retribuição pela prestação de trabalho nocturno; Outros bónus, subsídios, comissões e outras prestações de natureza análoga atribuídos com carácter de regularidade”.
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