10 fevereiro, 2021

Faltas

42. Falta
O regime jurídico das faltas pondera a necessidade de combater o absentismo laboral, cujos efeitos negativos se reflectem não só ao nível da organização e funcionamento da organização empresarial, mas também o de garantir aos trabalhadores protecção face a diversas situações que não lhes permitam comparecer ao trabalho (doença, acidente, cumprimento de obrigações legais, etc.). 
Quanto à natureza do regime das faltas, a questão é a de saber se os motivos indicados nas alíneas a) a g), do n.º 3, do art.º 103, da LT são taxativos ou meramente exemplificativos, i.e., se por IRCT ou por acordo das partes, é possível prever outros factos justificativos das faltas, alargando o elenco legal, ou aumentar o número de dias de ausências justificadas previstos na lei? 
A expressão utlizada pelo n.º 3 do art.º 103 «São consideradas faltas justificadas as seguintes», parece inculcar que a enumeração é taxativa, sendo o regime absolutamente imperativo. 
Contudo, sobre esta questão é bom ter em atenção o que assinalámos atrás (I.13) de que as normas imperativas relativas são a regra em direito do trabalho, ou seja, de que salvo quando a lei estabeleça normas imperativas absolutas, as partes podem por IRCT ou contrato de trabalho estabelecer condições mais favoráveis para o trabalhador, estando desse modo a sua aplicação sujeita ao princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador - art.ºs 17, nºs 1 e 2, e 164/2, da LT. 
A interpretação do n.º 3 do art.º 103 da LT não permite concluir com certeza que o legislador tenha consagrado um regime inderrogável ou imperativo absoluto para o regime das faltas, tanto mais que a alínea g) prevê «outras situações, prévia ou posteriormente, autorizadas como faltas justificadas», da qual decorre implicitamente tratar-se de uma enunciação não taxativa. 
Por isso, somos de opinião, que aquela disposição fixa apenas garantias mínimas, o que significa que admite a sua alteração em sentido mais favorável para o trabalhador, sendo assim permitido às partes não só fixar outros motivos justificativos das faltas, como estabelecer períodos de ausência superiores aos previstos na lei.

42.1. Noção de falta 
Falta, na definição da LT, é «a ausência do trabalhador no local de trabalho e durante o período a que está obrigado a prestar a sua actividade» (art.º 103/1). 
Pode assim abranger todo o período normal de trabalho diário ou apenas uma fracção deste. Com efeito, sendo o PNT “o número de horas a que o trabalhador se obriga a prestar”, não basta saber que o trabalhador se obriga a trabalhar n horas por dia ou semana, sendo necessário também saber como estão distribuídas diária e semanalmente aquelas nº de horas no respectivo horário de trabalho estabelecido pelo empregador. Por mínima que seja a duração da ausência do trabalhador do seu local de trabalho, quando nele devia estar presente, há uma falta pelo período correspondente a essa ausência. 
Assim, se por ex., em determinado dia o trabalhador devia entrar às 7h30 e só compareceu às 8h00, ele esteve ausente durante meia hora, sendo de 30 minutos a duração da sua falta, o que decorre do n.º 4 do art.º 106, ao preceituar que «nos casos de ausência não justificada do trabalhador por tempo inferior ao período normal a que está obrigado, os respectivos tempos serão adicionados para determinação dos períodos normais de trabalho em falta». É, pois, através do resultado da adição desses pequenos períodos de ausência que se faz o apuramento dos dias de faltas. 
Por outro lado, desta definição legal resulta que, para se poder falar de falta, exige-se um elemento material (não presença física do trabalhador no seu local de trabalho) e um elemento normativo (em que a não presença ocorra durante o período normal de trabalho a que o trabalhador se encontra obrigado), não podendo por isso ser associada à ideia de incumprimento do contrato, mas tão só de que se trata de uma mera ausência ao trabalho, cuja valoração decorre do regime legal aplicável. 
Assim, não são faltas as ausências verificadas nos dias em que o trabalhador não tem o dever de comparecer ao serviço, como sucede no dia de descanso semanal, no período de férias e nos dias feriados, bem como naqueles dias em que a ausência é devida a facto ligado à empresa (suspensão do contrato por motivos tecnológicos, de mercado ou estruturais) ou a motivos disciplinares (suspensão do trabalho). 
Ou seja, a falta tanto pode constituir uma conduta violadora dos deveres contratuais (constituindo infracção disciplinar nos termos do art.º 106, n.ºs 1 e 2), como ser uma consequência do exercício de um direito, podendo dizer-se, neste último caso, que o trabalhador goza da faculdade de faltar ao trabalho (por ex., de acordo com o art.º 103, n.º 3, alínea b), o trabalhador tem o direito de faltar 5 dias por ocasião do seu casamento).

42.2. Tipos de faltas 
 As faltas podem ser justificadas ou injustificadas (art.º 103/2). 

§ 1. Faltas justificadas 
Na ausência de regulamentação convencional ou contratual diversa, consideram-se faltas justificadas, nos termos do n.º 3 do referido art.º 103 da LT, as seguintes: 
  •  dadas pelo trabalhador, na altura do seu casamento, até 5 dias; 
  • as motivadas por falecimento do cônjuge, pai, mãe, filho, enteado, irmão, avós, padrasto e madrasta do trabalhador, até 5 dias; 
  • as motivadas por falecimento dos sogros, tios, primos, sobrinhos, netos, genros, noras e cunhados do trabalhador, até 2 dias; 
  • as dadas pela mulher-trabalhadora, por licença de maternidade, até 60 dias, os quais podem ter início 20 dias antes da data provável do parto; 
  • as motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto que não seja imputável ao trabalhador, nomeadamente doença ou acidente; 
  • as dadas por trabalhadores como mães ou pais acompanhantes dos seus próprios filhos ou outros menores sob a sua responsabilidade internados em estabelecimento hospitalar; 
  • as motivadas por convalescença de mulheres trabalhadoras em caso de aborto antes de sete meses anteriores ao parto previsível; 
  • as dadas pela mulher-trabalhadora em caso de amamentação até 1 ano após o nascimento da criança, em 2 períodos diários de meia hora, ou num período de 1 hora; 
  • as prévia ou posteriormente autorizadas pelo empregador, v.g., para participação em actividades desportivas e culturais. 
Para além das situações indicadas no art.º 103, é de referir ainda o regime de ausências relativo à protecção da maternidade da mulher trabalhadora previsto n.º 6 do art.º 11 da LT em que são ainda consideradas faltas justificadas «não determinando a perda de quaisquer direitos, salvo quanto à remuneração, as ausências ao trabalho da trabalhadora, até trinta dias por ano, para prestar assistência a filhos menores, em caso de doença ou acidente». 
Por outro lado, são também entendidas como justificadas, com direito a remuneração, as faltas dadas por ocasião de tolerâncias de ponto concedidas pelo Estado (art.º 8 do Regulamento das Tolerâncias de Ponto, aprovado pelo Decreto n.º 7/2015, de 3 de Junho).

§ 2. Faltas por doença 
As faltas por doença não estão legalmente limitadas por um número de dias de ausência predefinido (artigo 103/3, alínea d)), razão pela qual um trabalhador pode permanecer ausente do seu local de trabalho, por doença prolongada, mas sem prejuízo do disposto no art.º 104. 
 Deste modo, se um trabalhador estiver ausente por motivo de doença por mais de 15 dias consecutivos, ou por mais de 5 dias por trimestre, a entidade empregadora pode submetê-lo à Junta de Saúde (ou a outra entidade devidamente licenciada para o efeito), com vista a determinar a (in)capacidade do trabalhador para retomar o trabalho. 

§ 3. Faltas injustificadas 
As faltas injustificadas são determinadas por exclusão de partes - entendem-se como tal todas as que a lei não considera justificadas (art.º 103/4). 
A falta injustificada tanto pode abranger um dia de trabalho, como um período de tempo inferior ao PNT a que o trabalhador está obrigado (art.º 106/4), caso em que os respectivos tempos serão adicionados para determinação dos períodos normais de trabalho em falta e sujeitos a desconto na remuneração. 
É ainda considerada como falta injustificada a ausência do trabalhador a uma acção de formação profissional organizada pelo empregador, para a qual tenha sido atempadamente convocado, passível, aliás, de procedimento disciplinar por violação de um dever profissional (art.º 58, alínea d),da LT). Só assim não será se o trabalhador apresentar, em tempo útil, a indispensável justificação.

42.3. Efeitos das faltas 
As faltas correspondem, em princípio, a uma situação de incumprimento da prestação de trabalho.
Sendo a falta justificada, esse incumprimento é, contudo, lícito, não podendo o trabalhador ser sancionado pela sua ausência. 
 Pelo contrário, na falta injustificada ocorre uma situação de incumprimento ilícito da prestação laboral, à qual são associados efeitos desfavoráveis para o trabalhador. 

§ 1. Efeitos das faltas justificadas 
As faltas justificadas não determinam a perda ou prejuízo de quaisquer direitos ou regalias do trabalhador, inclusive quanto à remuneração, antiguidade e férias (art.º 105/1). 
Se esta é a regra, casos há em que as faltas justificadas determinam perda de remuneração. Determinam ou podem determinar perda de remuneração (n.ºs 2 e 3, do art.º 105): 
  • as faltas dadas pelas mães ou pais acompanhantes dos seus próprios filhos ou outros menores sob a sua responsabilidade internados em estabelecimento hospitalar (alínea e) do n.º 3 do art.º 103), podendo, opcionalmente, e de acordo com a vontade do trabalhador, ser descontadas nas férias, até ao limite de 10 dias por cada período de um ano de trabalho efectivo, ou na remuneração. 
  • no caso das faltas motivadas por doença ou acidente (art.º 103/3, alínea d)), o trabalhador não tem direito à remuneração por conta do empregador, sem prejuízo de ter direito a receber um montante por incapacidade temporária do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).
§ 2. Comunicação e prova das faltas justificadas 
As faltas justificadas quando previsíveis, serão obrigatoriamente comunicadas à entidade empregadora com antecedência mínima de 2 dias (art.º 103/5); e, quando imprevisíveis, logo que possível. 
A ausência destas comunicações, nos termos referidos (i.é., com a antecedência de, pelo menos, 2 dias no caso de faltas previsíveis e, dentro do mais curto espaço de tempo possível no caso das faltas imprevisíveis) torna essas faltas, que o empregador, em princípio, não podia deixar de justificar, em faltas injustificadas. 
Além disso, se a entidade empregadora exigir ao trabalhador que faça prova dos factos que alegou para a justificação das faltas dadas, o trabalhador terá de fazer tal prova, para as ver justificadas – é o que decorre do n.º 2 do art.º 106 ao dispor que a “alegação de um motivo justificativo comprovadamente falso poderá ser objecto de procedimento disciplinar”, o que significa dispor o empregador do poder de averiguar a validade dos motivos de justificação invocados pelo trabalhador. 

§ 3. Efeitos das faltas injustificadas 
As faltas injustificadas podem desencadear diferentes efeitos, a saber: efeitos sobre a remuneração, efeitos sobre as férias, efeitos sobre a antiguidade e, eventualmente, efeitos disciplinares (art.º 106/1):
(i) Efeitos sobre a remuneração e férias
As faltas injustificadas determinam sempre a perda da remuneração correspondente ao período de ausência, o qual é descontado igualmente no período de férias; 
(ii) Efeitos sobre a antiguidade 
Relativamente à antiguidade o período de falta injustificada será descontado na antiguidade, ou melhor, não será contado para esse efeito; 
(iii) Efeitos disciplinares 
As faltas injustificadas constituem uma violação do dever de assiduidade e como tal configuram-se como uma infracção disciplinar que poderá dar lugar a aplicação de uma sanção disciplinar, designadamente se as faltas injustificadas atingirem 3 dias consecutivos ou 6 dias interpolados num semestre ou for alegado um motivo justificativo comprovadamente falso. 
Por outro lado, a ausência injustificada por 15 dias consecutivos constitui presunção de “abandono do trabalho pelo trabalhador”, devendo, neste caso, ser obrigatoriamente instaurado processo disciplinar com vista à invocação pelo empregador de causa de cessação do contrato de trabalho.

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