03 março, 2021

Noções gerais

Capítulo VII – A Remuneração 

49. Noções gerais 
O dever principal do empregador é o de pagar ao trabalhador a «remuneração» que, logo na definição do contrato de trabalho (art.º 18), aparece como elemento essencial deste: o contrato de trabalho é, por essência, um contrato oneroso. 
A remuneração do trabalho é, assim, um dos elementos essenciais do contrato de trabalho - trata-se, no fundo, da principal obrigação que a entidade patronal assume através do contrato de trabalho, como contrapartida dos serviços recebidos e prestados pelo trabalhador. 
 A remuneração aparece, pois, à face da lei, ligada por um nexo de reciprocidade à prestação de trabalho (sinalagma): se a prestação de trabalho é o principal dever do trabalhador, a remuneração representa o seu principal direito, porquanto, na grande maioria das situações, é o único rendimento de que o trabalhador dispõe para a sua subsistência e da respectiva família. 
Podendo ser encarada sob diferentes perspectivas (económica, social e jurídica) interessa-nos, no contexto da presente publicação, analisar tão só a remuneração na perspectiva técnico-jurídica. 

49.1. Conceito de remuneração 
Do ponto de vista legal, a remuneração é “a contrapartida a que trabalhador tem direito, nos termos do contrato de trabalho, do acordo colectivo ou dos usos, pela prestação do seu trabalho” (art.º 108/1 da LT), revestindo os seguintes elementos:

(i) Obrigatoriedade 
Só se considera remuneração aquilo a que o trabalhador tem direito decorrente da lei (131) do contrato de trabalho, do IRCT ou dos usos que o regulam, e que constituam obrigatoriedade do empregador, com isto se pretendendo afastar da remuneração as prestações salariais atribuídas ao trabalhador com mero carácter de liberalidade. 

(ii) Patrimonialidade 
A remuneração deve possuir valor económico ou patrimonial, caracterizado pelo facto de ser avaliável em dinheiro, embora possa ser paga em dinheiro ou em espécie (art.º 113/1, alínea a)).

(iii) Reciprocidade 
A reciprocidade significa que só têm carácter remuneratório ou salarial, prestações pagas pelo empregador quando devidas pela actividade prestada pelo trabalhador. Como se referiu, a remuneração surge à face da lei, ligada por um nexo de reciprocidade à prestação de trabalho (sinalagma) em que o dever de pagar tem como contrapartida o dever de trabalhar, muito embora esta reciprocidade nem sempre se verifique: existem situações em que a obrigação de remuneração se mantém apesar de o trabalhador estar ausente do trabalho, como, por ex., nas faltas justificadas (art.º 105/1), nos feriados (art.º 96) ou nas férias (art.º 99).

49.2. Componentes da remuneração: salário base e prestações regulares e periódicas 
O legislador preocupou-se em fornecer os critérios gerais que permitem determinar quais as prestações que devem ser integradas na noção de remuneração – tendo em atenção que, por vezes, se torna necessário saber o que se deve incluir no conceito de «remuneração» (por ex., para se determinar o montante da indemnização por cessação do contrato de trabalho, a lei emprega, umas vezes, o termo “salário” (n.ºs 2 e 3 do art.º 128), outras vezes, o de “remunerações” ou “remuneração” (n.º 3 do art.º 128, e n.º 2 do art.º 129) – razão pela qual, no n.º 2 do art.º 108, se determina concretamente que «a remuneração compreende o salário base e todas as prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie». 
A «remuneração» é, assim, integrada: 
(i) pelo salário base; e 
(ii) por todas as outras prestações patrimoniais regulares e periodicamente feitas ao trabalhador. (132)
Os critérios legais da determinação qualitativa da remuneração são, pois, os seguintes: 
  • em primeiro lugar, a remuneração integra o “salário base” que embora não definido pela LT, corresponde ao “montante mínimo definido no contrato de trabalho ou em IRCT”, recebido pelo trabalhador como contrapartida directa da prestação do trabalho realizado habitualmente e o rendimento que o trabalhador recebe normalmente e com o qual satisfaz as suas necessidades e da respectiva família, constituindo, por isso, a principal parcela da remuneração; 
  • a segunda nota do critério legal é que apenas integram a «remuneração» as prestações regulares e periódicas recebidas pelo trabalhador. Acentua-se aqui o carácter constante da atribuição das prestações em causa, atribuição que não é feita esporadicamente e de forma arbitrária, mas que segue uma regra permanente. Dos atributos “periódico” e “regular” resulta que as prestações terão de ser pagas em períodos certos no tempo, com isto não se pretendendo, evidentemente, a exigência de uma ligação entre a remuneração e a efectividade da prestação de trabalho (visto que existem diversas situações em que falta essa prestação de trabalho e em que se mantém o direito à remuneração), mas apenas excluir certas prestações que não têm causa no serviço prestado, tais como as ajudas de custo, gratificações, prémios e, em geral, todas as prestações cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido. 
  • em terceiro lugar, a remuneração é um conjunto de valores, expressos ou não em moeda (conjunto dos valores pecuniários ou não). Cabe nela o valor de bens que conjuntamente com uma parte pecuniária, sejam entregues pelo empregador, em contrapartida dos serviços obtidos. Prevê-o o art.º 113, n.º 1, alínea a), da LT, acautelando, no entanto, que as “prestações não pecuniárias” não ultrapassem 25% do total da remuneração.
49.3. Prestações adicionais ao salário base 
A principal parcela da remuneração é, como referimos no ponto anterior, o “salário base”, que está afecto às necessidades correntes do trabalhador. 
Ao lado do salário base, a lei admite, no entanto, a existência de outras atribuições patrimoniais, de natureza temporária ou permanente, integrantes do conceito lato de remuneração (art.º 109/2). 
À excepção do bónus de antiguidade (“diuturnidade”), estas prestações adicionais não são consideradas como remuneração (v.g., para o cálculo da indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho), salvo quando as partes assim o acordarem (art.º 109/3). 
Entre essas componentes adicionais da remuneração, enumeradas exemplificadamente no n.º 2 do art.º 109, salientam-se: 

(i) Ajudas de custo, despesas de transporte, de instalação por transferência do trabalhador e outras equivalentes (art.º 109/2, alínea a)) 
São abonos atribuídos aos trabalhadores, quer por razões de deslocação em serviço quando esta ultrapasse determinados limites mínimos espaciais e temporais e referidas a cada dia durante os quais se verifique (ajudas de custo e subsídios de transporte), quer por razões de outra natureza (transferência do trabalhador ou outras), visando compensar os trabalhadores por despesas efectuadas nesse âmbito.
 
(ii) Abonos para falhas (art.º 109/2, alínea b)) 
Trata-se de importâncias atribuídas geralmente aos trabalhadores com funções nas áreas da tesouraria ou cobrança e que manuseiem ou tenham à sua guarda valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis. 

(iii) Subsídio de refeição (art.º 109/2, alínea b)) 
Abono com a natureza de benefício social, pago em moeda ou em espécie (quando a refeição tenha lugar em cantinas ou refeitórios postos à disposição do trabalhador pelo empregador), estando, em regra, o seu pagamento dependente da efectiva prestação de serviço por parte do trabalhador. 

(iv) Pagamentos pela prestação de trabalho nocturno (art.º 109/2, alínea d)) 
Trata-se da remuneração especial devida pela prestação de trabalho nocturno (subsídio de trabalho nocturno), prevista no n.º 3 do art.º 115 da LT. (v) Pagamentos pela prestação de trabalho em condições anormais de trabalho (art.º 109/2, alínea e)) São acréscimos de remuneração relacionados com certas condições anormais de trabalho (subsídios de risco, de intempérie, de isolamento, de condições penosas de trabalho, etc.) que apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento.

(vi) Bónus condicionados a indicadores de eficiência de trabalho (art.º 109/2, alínea f)) Trata-se de bónus concedidos pelo empregador em função de determinados indicadores de eficiência (prémios de assiduidade, de produtividade, etc.) e que revestem carácter aleatório e eventual, na medida em que somente são atribuídos aos trabalhadores que atinjam os indicadores pré-definidos. Em muitos casos, a atribuição destes bónus está dependente do resultado do processo de avaliação de desempenho dos trabalhadores, isto é, da performance por estes evidenciada na execução das respectivas funções. 

(vii) Bónus de antiguidade (art.º 109/2, alínea g)) Geralmente designado como “diuturnidade”, este bónus constitui um complemento pecuniário para compensar a permanência do trabalhador na mesma empresa ou categoria profissional, o qual, uma vez vencido, se integra na remuneração como parcela a somar ao salário base. 
Ou seja, na medida em que o bónus de antiguidade (“diuturnidade”) constitui um complemento pecuniário a que o trabalhador tem direito desde que atinja uma determinada antiguidade, o mesmo têm carácter salarial adicionando-se aos salários base das categorias respectivas, a fim de se achar o mínimo salarial próprio do trabalhador com certo tempo na mesma categoria. E sendo ele possuidor dessa característica, integrando-se o bónus na remuneração e constituindo parte integrante e certa da mesma, terá de ser tomado em conta para o cálculo da indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho (art.º 109/3). 

(viii) Participações no capital social (art.º 109/2, alínea h)) 
A LT prevê, como prestação adicional ao salário base, a participação dos trabalhadores no capital social, os denominados planos de opções de acções para empregados (“employee stock option plans”). 
Os planos de opções de acções para empregados são instrumentos utilizados na remuneração dos trabalhadores que se estabelecem ligando directamente uma componente dessa remuneração com o acréscimo de resultados da empresa caracterizando-se, grosso modo, por opções atribuídas aos empregados mediante a verificação, ou não, de determinados requisitos, e que lhes concedem o direito de: 
  • adquirir um determinado número de acções da entidade patronal a um preço previamente determinado ou determinável (opções cuja liquidação é efectuada pela emissão de acções ou pela cedência de acções próprias possuídas ou recompradas pela entidade emitente); 
  • receber um determinado montante, variável com o preço das acções ou com o valor dos dividendos (opções cuja liquidação se processa através do pagamento de um montante em dinheiro). 
As stock options são, pois, uma remuneração em espécie paga pela entidade empregadora aos trabalhadores, de valor contingente ou aleatório, o qual poderá oscilar entre um montante nulo e um valor indefinido, dependendo da evolução futura da cotação das acções da entidade ou do valor dos dividendos. 

(ix) Bónus de natureza extraordinária e prestações devidas por outras condições excepcionais (art.º 109/2, alínea i)) 
Este preceito prevê ainda e facultativamente a atribuição pelo empregador de outros bónus de natureza extraordinária (v.g., benefícios sociais visando suprir necessidades de segurança, saúde, invalidez, como os subsídios de doença, seguros de saúde, etc.) e de outras prestações devidas por condições excepcionais em que o trabalho é prestado, como os complementos de remuneração atribuídos a determinados cargos da empresa, quer devido à natureza das funções exercidas (por ex., comissões dos vendedores) quer devido ao grau hierárquico (os denominados “fringe benefits” v.g., despesas de representação, viagens, planos de utilização de automóveis…).

49.4. As modalidades da remuneração 
São três as modalidades que a remuneração pode revestir (art.º 110): 
  • remuneração por rendimento; 
  • remuneração por tempo; e 
  • remuneração mista 
(i) Remuneração por rendimento 
É aquela que é calculada em função de vários factores («natureza, quantidade e qualidade do trabalho prestado», art.º 111/1), como sucede com o “trabalho à peça” (tanto por cada unidade produzida) ou “por obra” (tanto por determinada obra) previstos no n.º 3 do art.º 111. 
A «remuneração por rendimento» assume natureza variável, na medida em que é calculada em função do resultado ou rendimento do trabalho determinado em função de diversos factores (natureza, quantidade e qualidade do trabalho prestado, n.º 1 do art.º 111), não se encontrando, por isso mesmo, pré-determinado o respectivo montante. 
Esta modalidade de remuneração é aplicável quando a natureza do trabalho, os usos da profissão ou do ramo de actividade o permitam, ou esteja estabelecido em norma legal, contratual ou de IRCT (art.º 111/2). 
A remuneração varíavel coloca dois problemas: o primeiro diz respeito à forma como é determinado o seu valor, e o segundo consiste em saber se a remuneração pode ser inteiramente variável.
Relativamente, ao primeiro, a lei limita-se a indicar o rendimento como único factor de remuneração, o que permite uma diversidade de soluções: nele se incluem, entre outros, o chamado “trabalho à peça” ou “por obra”, previstos no n.º 3 do art.º 111, mas também, por ex., o “trabalho à comissão” em que o trabalhador recebe em função do montante das vendas por ele levadas a bom termo. 
Quanto à questão de saber se a remuneração pode ser inteiramente variável, a existência de legislação sobre “salários mínimos”, parece impedir “prima facie”, a forma de uma remuneração totalmente variável, visto que aquela legislação assegura sempre uma parte certa, por forma a garantir os montantes mínimos exigidos. Contudo, na medida em que o n.º 2 do art.º 111 admite que a modalidade de remuneração variável seja aplicável «quando a natureza do trabalho, os usos da profissão, do ramo de actividade ou norma, previamente estabelecida, o permitam», entendemos que é perfeitamente legal a adopção de esquemas de remunerações total ou inteiramente variáveis. 

(ii) Remuneração por tempo 
Ao contrário da remuneração por rendimento, a «remuneração por tempo» é certa, porque calculada apenas em função do tempo de trabalho (art.º 112), isto é, tanto por hora, tanto por dia, tanto por semana, tanto por quinzena, tanto por mês, ou seja, tanto por certa unidade de tempo. 
De salientar que uma coisa é a unidade de cálculo (hora, dia, semana, quinzena, mês), outra é a periodicidade do pagamento: pode, com efeito, convencionar-se um tanto por hora, para ser pago só no fim do mês. 

(ii) Remuneração mista 
A «remuneração mista» é a constituída por uma parte certa (por tempo) e por uma parte variável (por rendimento) - art.º 110/2. 

Notas: 
(131) A lei interfere na fixação das remunerações quando, por ex., garante os valores dos salários mínimos aplicáveis a grupos de trabalhadores, nos termos do disposto no art.º 108/5 da LT. 

(132) Jurisprudência: - Acórdão Tribunal Supremo de 1/07/2008 (Proc. 50/03-L) - BR, III Série n,º 4, 2.º Suplemento de 29 de Janeiro de 2010: Remuneração – Subsídio especial pago regular e periodicamente – Integra o conceito de remuneração. - Acórdão Tribunal Supremo de 31/08/2010 (Proc. 176/06-L) - BR, III Série n,º 23, de 6 de Junho de 2012: Remuneração – Importâncias pagas a título excepcional e sem carácter permanente – Não integram o conceito de remuneração.

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