53. Princípio do “trabalho igual salário igual”
Um princípio estruturante do direito do trabalho relativo à remuneração é o de “a trabalho igual salário igual” (136), o qual é acolhido no regime laboral moçambicano no art.º 108/3, da LT, segundo o qual todos os “trabalhadores, nacionais ou estrangeiros, sem distinção de sexo, orientação sexual, raça, cor, religião, convicção política ou ideológica, ascendência ou origem étnica, têm direito a receber salário e a usufruir regalias iguais por trabalho igual”.
Esta disposição consagra assim o princípio de “a trabalho igual salário igual”, em concretização dos princípios constitucionais da “universalidade e igualdade” (art.º 35), da “igualdade do género” (art.º 36) e da “justa remuneração” (art.º 85/1), todos da Constituição, e que tem afloração em diversas outras disposições da LT (art.ºs 4/1, 11/5, 31/3, 54/1, alínea d), e 59, alínea e)).
Afirma-se, assim, neste preceito o princípio da igualdade remuneratória, que se traduz na fórmula “para trabalho igual salário igual”, assumindo projecção normativa directa e efectiva no plano das relações de trabalho.
A delimitação deste princípio é de grande importância, embora origine enormes dificuldades práticas no que respeita à sua concretização.
Conforme resulta do enunciado legal, esta norma não visa a realização de uma indistinta igualdade salarial, limitando-se apenas a proibir diferenciações salariais fundadas em critérios que não tenham a ver especificamente com a quantidade, qualidade e natureza da actividade desempenhada. Com efeito, constituem fundamentos de diferenciação salarial, factores relativos à quantidade (duração ou intensidade), qualidade (mérito ou produtividade) e natureza (penosidade ou risco) do trabalho prestado. Estes factores justificam inclusivamente o estabelecimento de diferenciações salariais que em nada contrariam aquela igualdade de tratamento; o que este princípio da igualdade proíbe são as distinções que não obedeçam aos critérios previstos na lei. (137)
Por outro lado, o princípio de “a trabalho igual salário igual” tem uma estreita conexão lógica e genética com o da não-discriminação em função do sexo. A diferenciação salarial com base no sexo constitui um fenómeno muito radicado na história da regulamentação do trabalho e, por isso, a moderna produção normativa sobre a paridade remuneratória tem sido centrada, sobretudo, na questão da discriminação entre homens e mulheres. (138)
Quando os factores de discriminação enunciados no n.º 3, do art.º 108, forem invocados como discriminatórios no plano salarial, e embora a lei não o refira expressamente, entendemos que é o empregador que tem de provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação, com a inversão da regra geral do ónus da prova prevista no artigo 342.º, n.º 1, do CC.
Já quando for alegada violação do princípio do “trabalho igual salário igual”, sem que tenham sido invocados quaisquer factos susceptíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar factores de discriminação, cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do mencionado art.º 342.º, n.º 1, do CC, dos factos constitutivos do direito alegado, não beneficiando da referida presunção.
Notas:
(136) Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho”, pp. 468-476; Maria do Rosário Palma Ramalho “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais” pp. 643 e ss.
(137) Vide o art.º 54/5, alínea d), da LT, nos termos do qual o trabalhador tem direito a «ser remunerado em função da quantidade e qualidade do trabalho que presta», e o art.º 59, alínea e), de acordo com o qual o empregador deve «pagar ao trabalhador uma remuneração justa em função da quantidade e qualidade do trabalho prestado».
(138) Com efeito, em Moçambique como em todo o Mundo, a a igualdade entre mulheres e homens está longe de estar alcançada, desde logo no mercado de trabalho. Este direito traduz-se não somente na garantia de salário igual pela realização de trabalho igual ou semelhante, mas também na valorização das profissões onde a concentração mais elevada de mulheres dita, até hoje, que sejam pior remuneradas. Reconhecido, desde 1951, pela Convenção n.º 100 da OIT sobre a Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres por Trabalho de Igual Valor (já ratificada por Moçambique), este direito resulta também do consagrado no art.º 36 da CRM «o homem e a mulher são iguais perante a lei em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural».
Guia Prático para a Convenção n.º 100 da OIT - Como eliminar a discriminação salarial baseada no género em Moçambique?
(https://egidiovaz.files.wordpress.com/2012/04/manual-guia-prc3a1tico-para-a-convenc3a7c3a3o-da-oit-nc2ba100.pdf)
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