Capítulo IV – Duração do contrato de trabalho
33. A duração do contrato
O contrato individual de trabalho é celebrado, em regra, por tempo indeterminado (sem prazo); porém, como vimos (II.30) pode ser aposto ao contrato de trabalho um prazo de duração (termo resolutivo) certo ou incerto – é o que resulta igualmente do n.º 1 do art.º 41.
O n.º 2 do art.º 41 estabelece uma presunção da celebração por tempo indeterminado do contrato de trabalho no qual falte a aposição da cláusula da duração. Trata-se, contudo, de uma presunção legal, nos termos do art.º 350.º do CC que, pode ser ilidida pelo empregador, provando a “temporalidade ou transitoriedade” das actividades que são objecto do contrato.
33.1. Contrato a prazo certo (110)
Antes do mais, refira-se que, tal como resulta do artigo 17, n.º 2, da LT, as disposições legais sobre o regime jurídico dos contratos a prazo revestem natureza imperativa absoluta, não podendo, pois, ser afastadas por contratos de trabalho ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ainda que em sentido mais favorável. (111)
O regime do contrato de trabalho a prazo (112), previsto na LT obedece a três ideias mestras, abstraindo dos aspectos que especificamente respeitam à cessação do vínculo em causa:
- admissibilidade do contrato a prazo certo e incerto (art.º 41/1);
- exigência de uma razão objectiva e explícita para a celebração de contratos a prazo, certo ou incerto, independentemente da duração (art.ºs 40/2 e 44), e
- permissão do encadeamento de contratos a prazo certo (por máximo de duas renovações) sendo o período da sua duração máxima 2 anos (art.ºs 42/1, e 43, n.ºs1 e 2). (113)
§ 1. Celebração
O fundamento genérico essencial para a admissibilidade da contratação a prazo reside, de acordo com o n.º 1 do art.º 40, na satisfação de necessidades temporárias por contraposição a necessidades permanentes, desde que o prazo convencionado não exceda o estritamente necessário à satisfação daquele objectivo.
A LT adoptou um critério geral, enunciado no art.º 40/1 (o da satisfação de necessidades temporárias da empresa) e, a título meramente exemplificativo, elencou várias situações demonstrativas do que podem ser “necessidades temporárias”.
Do disposto neste n.º 1 resulta que os requisitos para a contratação a prazo são cumulativos: por um lado é necessária a verificação de que o contrato apenas é celebrado para responder a necessidades temporárias da empresa, e, por outro, a vigência deste está limitada ao período necessário para a satisfação das referidas necessidades.
Este modelo de contratação não pode – e bem – ser utilizado sempre que estejam em causa necessidades permanentes da empresa tal como definidas no n.º 3 do art.º 40.
O legislador laboral moçambicano ao prever no n.º 3 o conceito de “necessidades permanentes” («as vagas previstas no quadro de pessoal da empresa ou as que, mesmo não estando previstas no quadro de pessoal, correspondam ao ciclo normal de produção ou funcionamento da empresa») por contraposição ao das “necessidades temporárias”, permite a densificação, senão da totalidade, da grande maioria das situações que por natureza são incompatíveis com a contratação a prazo.
O princípio geral enunciado no n.º 1 permite, assim, desde que sejam respeitados os referidos requisitos, abranger mais situações do que as enumeradas no n.º 2, e integrar mais motivos para a celebração de contratos a prazo. Ou seja, parece-nos admissível uma interpretação extensiva no sentido de permitir a celebração de contratos a prazo por outros motivos que não os constantes do n.º 2 do art.º 40, se bem que circunscritos à previsão geral do n.º 1 do art.º 40 da LT. (114)
Pelo exposto, a celebração de um contrato a prazo, deverá ser objecto de duas verificações simultâneas:
(i) a indicação de um motivo que pode ou não constar do enunciado do n.º 2;
(ii) a adequação ou subsunção do motivo invocado ao princípio geral do n.º 1 - que funciona como um instrumento de controlo de admissibilidade dos contratos a prazo, limitando a contratação à verificação dos requisitos nela previstos - no sentido de averiguar se o contrato corresponde efectivamente a uma necessidade temporária, e se é celebrado pelo tempo imprescindível para responder a essa necessidade.
Como já assinalamos, o princípio geral do n.º 1 é completado nas diversas alíneas do n.º 2 por uma enumeração exemplificativa dos motivos justificativos para a celebração de contratos a prazo:
- a alínea a) do n.º 2 prevê que, quando um trabalhador se encontre impedido de prestar serviço (v.g., por motivo de doença, de maternidade, cumprimento do serviço militar obrigatório, licença sem remuneração, etc.), o correspondente posto de trabalho pode ser preenchido mediante a contratação a termo de um outro trabalhador. Nestes casos, a contratação a termo do trabalhador substituto tanto pode ter lugar a termo certo (n.º 1 deste preceito) como a termo incerto (art.º 44), observado que esteja o respectivo condicionalismo.
- a alínea b) do n.º 2 admite que tanto o acréscimo excepcional ou anormal de produção, como a realização de actividades sazonais da empresa são susceptíveis de justificar a contratação a termo. Aqui, a lei não dá qualquer definição do que deva entender-se por “acréscimo excepcional ou anormal” ou por “actividades sazonais”. Propendemos para a ideia de que, o primeiro esteja conotado com a produção de bens ou a prestação de serviços que só por razões acidentais e sem carácter de continuidade caiam no âmbito da actividade da empresa, enquanto o segundo se encontra ligado a actividades que correspondem a exigências de determinada estação, isto é, de trabalhos que se renovam a cada ano em determinado período limitado deste, perdendo posteriormente a sua utilidade (são exemplos de actividades sazonais as colheitas agrícolas e os «picos» dos serviços de turismo em determinadas épocas do ano), Seja como for, estamos em presença de conceitos relativamente imprecisos, razão pela qual só em face das circunstâncias de cada caso concreto e perante os fundamentos invocados se poderá aquilatar da licitude da contratação a termo. Os fundamentos previstos nesta alínea b) permitem a contratação a prazo certo, (n.º 1 deste artigo), bem como na contratação a prazo incerto (art.º 44).
- as alíneas c) e f) do n.º 2 reportam-se às actividades não permanentes do empregador. Embora a lei não explicite o conteúdo das mesmas, julgamos que o legislador se quer reportar às necessidades ocasionais ou pontuais não incluídas na actividade principal da empresa, pois se assim fosse, seriam necessidades permanentes da entidade empregadora e não possibilitariam a contratação a prazo, e de que são ex., as situações em que se torne necessária a contratação temporária de trabalhadores para o exercício de funções específicas que se encontram fora da actividade principal da empresa.
- nas alíneas d) e e) prevê-se que a realização de obras ou projectos, incluindo a execução, direcção e fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas e reparações industriais em regime de empreitada, subcontratação ou terceirização de serviços, constituem outras das áreas em que é permitida a contratação a prazo certo e incerto (art.ºs 40 e 44). Para que seja lícita a contratação a prazo, ao abrigo destas alíneas, é necessário que a obra ou o projecto determinante da celebração do contrato a prazo não se insira na actividade corrente da empresa (a actividade tem de ser “determinada e temporária”), pois, se assim não for, não se justificará uma vinculação precária.
§ 2. Forma
A lei exige não só que exista motivação ou justificação da celebração do contrato a prazo, mas também que esta seja indicada no documento escrito de que constarão as estipulações contratuais (art.º 38, n.º 1, alínea g), e n.º 2).
Se a situação concreta não preencher nenhuma das hipóteses previstas no n.º 2 ou se não constar no contrato a “indicação do motivo justificativo”, a consequência é a mesma: tem-se por inválida a estipulação do termo e o vínculo é considerado de duração indeterminada. (115)
O contrato de trabalho a prazo é, assim, sempre excepcional, só podendo ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, as quais deverão ser indicadas e fundamentadas no escrito contratual, considerando-se sem termo o contrato em que faltem ou sejam insuficientes essas indicações.
Ou seja, a validade do contrato de trabalho a prazo pressupõe tanto a observância formal da indicação do motivo justificativo que torna válida a estipulação do termo, como a conformidade substantiva, i.e., que o motivo justificativo invocado e o prazo previsto tenham correspondência com a prestação do trabalhador contratado e com a actividade laboral da empresa (por exemplo, esta conformidade substantiva mostra-se observada sempre que as tarefas de que o trabalhador contratado a prazo foi incumbido de realizar façam parte do conteúdo funcional da categoria profissional do trabalhador que foi substituir). Por isso, apenas é susceptível de ser considerado motivo justificativo do contrato a prazo a necessidade do empregador que seja concretizada por escrito no respectivo contrato.
§ 3. Limites
O n.º 1 do art.º 42 da LT contém dois limites à vigência do contrato a prazo celebrado para a satisfação de necessidades “temporárias” da empresa: o primeiro, respeita à sua duração máxima (2 anos); o segundo respeita à renovação, isto é, à alteração da cláusula de duração, a qual só pode acontecer por duas (2) vezes, nas grandes empresas, e até ao limite dos primeiros 10 anos de actividade, nas pequenas e médias empresas (PME).
Há quem, interpretando o disposto neste n.º 1, defenda que o limite de duração dos contratos de prazo é de 6 anos (116), da qual discordamos. Na verdade, o legislador parece-nos claro no sentido de que a duração dos contratos a prazo não pode exceder o limite máximo de 2 anos.
O facto de as partes poderem convencionar um período inferior ao limite máximo, possibilidade essa que decorre evidentemente da liberdade contratual, não obsta a que tenha de ser observado, ainda que com a possibilidade de renovação por duas vezes, a duração máxima do contrato a termo certo de 2 anos prevista por lei.
Sendo certo que o legislador introduziu na presente LT uma maior flexibilidade na contratação a prazo – passando a admitir a renovação dos contratos a prazo por duas vezes, o que na anterior LT n.º 8/98 de 20 de Julho, só era permitida por uma vez (art.º 9/2), e a livre celebração de contratos a prazo certo nos primeiros 10 anos da sua actividade por parte das PME – a verdade é que, por alguma razão (que só pode ser o da excepcionalidade da contratação a prazo) manteve inalterada a duração máxima (2 anos) dos contratos a prazo.
Neste caso, não podemos subvalorizar a estreita conexão existente entre a duração máxima dos 2 anos estabelecida na lei e o pressuposto legal de que a contratação a prazo se destina apenas a responder a necessidades temporárias da empresa sendo a vigência limitada ao período necessário para a satisfação das referidas necessidades, o que é dificilmente coadunável com a ideia de que a contratação a prazo se prolongue por um período que pode ir até 6 anos.
Neste caso, não podemos subvalorizar a estreita conexão existente entre a duração máxima dos 2 anos estabelecida na lei e o pressuposto legal de que a contratação a prazo se destina apenas a responder a necessidades temporárias da empresa sendo a vigência limitada ao período necessário para a satisfação das referidas necessidades, o que é dificilmente coadunável com a ideia de que a contratação a prazo se prolongue por um período que pode ir até 6 anos.
Por outro lado, recorrendo ao elemento histórico que compreende a ideia de interpretar a lei verificando o contexto histórico que levou à formação de uma determinada disposição, convém salientar a eliminação da locução “por um prazo fixo até dois anos” constante do correspondente artigo 9, n.º 2, da anterior Lei do Trabalho n.º 8/98, e a sua substituição pela expressão “por um período não superior a dois anos” do n.º 1 da actual Lei, parece indiciar que a actual LT pretendeu colocar a ênfase na conformação do(s) contrato(s) a prazo, não à duração máxima da respectiva celebração, mas sim ao limite da duração da contratação a prazo.
Ou seja, em nosso entender, nada obsta a que um contrato a prazo certo celebrado inicialmente por 6 meses, não possa ser sujeito a uma 1.ª renovação por igual período de 6 meses, e a uma 2.ª renovação por 1 ano, tal como um contrato com a duração inicial de 12 meses, possa ser objecto de duas renovações por períodos de 6 meses cada, não podendo em quaisquer dos casos, ser ultrapassada a duração máxima dos 2 anos. Se for inicialmente celebrado com um prazo de duração de 2 anos, esgota-se o período de duração máxima previsto na lei, não sendo possível qualquer renovação do contrato.
Ainda no tocante aos limites da contratação a prazo certo, o n.º 2 do art.º 42 determina a conversão do contrato a prazo certo em contrato por tempo indeterminado (sem termo), quando aquele tenha sido celebrado com violação dos pressupostos legais, isto é, quando forem excedidos os prazos de duração máxima (2 anos) ou o número de renovações (2 renovações) a que se refere o n.º 1.
Ou seja, o que resulta do inicialmente disposto no n.º 2, é que a ultrapassagem dos limites máximos de duração ou do número de renovações legalmente admitidos “determina” a conversão do vínculo em contrato de trabalho por tempo indeterminado. Contudo, a parte final do n.º 2 deste dispositivo, admite que aquela conversão não ocorra se as partes optarem pelo direito à indemnização prevista no art.º 128.
Em conclusão, o regime legal tal como previsto nos n.ºs 2 in fine e 4 do art.º 42, comina duas soluções diferenciadas para a violação do número de renovações ou dos prazos de duração máxima dos contratos a prazo certo:
(i) conversão do contrato a prazo certo em contrato por tempo indeterminado; ou,
(ii) em alternativa e, caso haja acordo das partes nesse sentido, o pagamento de indemnização ao trabalhador nos termos do art.º 128, com a consequente cessação do vínculo laboral.
Américo Oliveira Fragoso (cit., pp. 32-34) contesta esta solução de o legislador não prever a possibilidade de conversão do vínculo em contrato por tempo indeterminado nos casos de celebração de contratos com fundamentos contrários à lei em que se limita a impôr a cessação imediata da relação laboral com o consequente direito à indemnização legal, ao contrário do que prevê para as situações de ultrapassagem dos limites máximos de duração do contrato ou do número de renovações, por considerar que «a não consagração da possibilidade de conversão do contrato nos casos de celebração com um fundamento inadmissível é contrária à tutela dos direitos dos trabalhadores e penaliza pouco a celebração de contratos fraudulentos.
Aparentemente para o legislador é mais censurável a ultrapassagem dos limites máximos dos contratos a prazo, do que a celebração dos contratos assentes em fundamentos inválidos. Somos do entendimento que a conversão do vínculo laboral temporário em prazo indeterminado funciona como garantia de segurança para os trabalhadores e para o próprio regime dos contratos a prazo, daí que tenhamos como duvidosa a opção do legislador em sancionar estas condutas apenas com a indemnização prevista no 128.º da LT. O risco que representa para as entidades empregadoras a conversão dos contratos a prazo em vínculos por tempo indeterminado é consideravelmente superior, do que o mero pagamento de uma indemnização calculada nos termos do artigo 128.º da LT.»
Embora tendendo a concordar com esta posição doutrinária à luz dos princípios da tutela dos direitos dos trabalhadores contratados a prazo, a verdade é que “de jure constituto” não é possível a conversão em contrato por tempo indeterminado de contrato a prazo celebrado com violação da fundamentação prevista no art.º 40, impondo a lei a cessação imediata da relação laboral e a atribuição ao trabalhador da indemnização prevista no artigo 128. Poder-se-á quando muito consagrar “de jure constituendo” uma tal solução em sede de futura revisão da presente LT.
§ 4. Renovação
O contrato de trabalho a prazo certo dura pelo tempo determinado pelas partes, podendo ou não renovar-se. O n.º 1 do art.º 43 permite a renovação do contrato a prazo (termo certo) por período diferente do estipulado inicialmente; na falta de declaração das partes em contrário, o contrato renova-se no final do termo estipulado por período igual ao inicial (n.º 2), sempre sem prejuízo dos limites previstos nos n.ºs 1 e 3 do art.º 42. O que significa, por ex., que um contrato a prazo celebrado pelo período de 2 anos não pode ser objecto de qualquer renovação e que um contrato a prazo celebrado pelo período de 1 ano só poderá ser renovado uma vez por igual período (cfr. supra II.33.1.(c)).
As partes podem, pois, acordar que o contrato de trabalho a prazo certo não fica sujeito a renovação, nada impedindo que ao abrigo da liberdade contratual as partes prevejam no próprio contrato uma cláusula prevendo que, findo o prazo de vigência inicialmente aposto, este não se renovará (art.º 43/ 2).
Na ausência dessa estipulação e de declaração de qualquer das partes que o faça cessar, feita com a antecedência prévia legalmente estabelecida, o contrato renova-se no final do termo, por igual período, considerando-se como único contrato aquele que seja objecto de renovação (art.º 43/3). Quer isto dizer que a renovação não consubstancia um acto constitutivo de novo contrato, mas a alteração do existente, que se mantém, somando-se os períodos das diversas renovações do contrato.
A renovação pode ser expressa ou tácita. A renovação expressa ocorre sempre que as partes pretendam renovar o contrato por um período diferente do inicial, devendo nesses casos declarar expressamente essa intenção e cumprir todos os requisitos formais exigíveis para a celebração do contrato a prazo (art.º 43/1). A renovação tácita produz-se sempre que no final do período contratual em curso nenhuma das partes faça operar a caducidade, verificando-se nesse caso uma renovação tácita do contrato por prazo idêntico ao inicial (art.º 43/2)
Por razões de segurança jurídica, sugere-se que a renovação, independentemente do respectivo prazo, conste de aditamento (adenda) ao contrato, dele fazendo parte integrante, que deverá conter as cláusulas obrigatórias previstas no n.º 1 do art.º 38, em especial a relativa à fundamentação da sua celebração.
O contrato de trabalho a prazo certo caduca no final do prazo estipulado, ou da sua renovação, desde que o empregador ou o trabalhador comunique à outra parte a vontade de o fazer cessar, por escrito, 30 dias antes de o prazo expirar (art.ºs 129/2 e 131/2). Portanto, tal comunicação prévia constitui pressuposto necessário de verificação da caducidade, que só se opera quando é comunicada expressamente através de uma declaração de vontade recebida pela outra parte (declaração receptícia – art.º 224.º do CC).
Uma última questão é a de saber se a renovação do contrato a prazo poderá assentar em fundamento diferente daquele que esteve na origem da sua celebração. A título de exemplo, equacione-se a situação em que um trabalhador originariamente contratado para a substituição de trabalhador impedido temporariamente de executar a sua actividade (alínea a), do n.º 2, do art.º 40), renova o contrato com fundamento no acréscimo excepcional ou anormal da produção (art.º 40, n.º 2, alínea b)).
Em nossa opinião, e muito embora a lei não o concretize expressamente, a renovação do contrato a prazo ocorrida numa situação de alteração de fundamento no âmbito da renovação, deve ser entendida como situação análoga à da outorga inicial, implicando a celebração de um novo contrato a prazo, uma vez que estamos, no âmbito da mesma organização empresarial, diante de uma nova necessidade temporária ou não permanente. A renovação do contrato a prazo pressupõe a verificação dos fundamentos que originaram a sua celebração, sendo imprescindível a subsistência do requisito justificativo inicial, para que se proceda à renovação do contrato.
Se assim não se entendesse, estaríamos perante uma fraude à lei, em que a entidade empregadora poderia contratar um único trabalhador a prazo para fazer face a diversas necessidades temporárias da empresa, as quais deveriam ser supridas mediante a celebração de diferentes contratos a prazo.
§ 5. Regime excepcional de contratação a prazo nas pequenas e médias empresas (PME´s)
A lei estabelece um regime excepcional de contratação a prazo para as pequenas e médias empresas, as quais podem, livremente, celebrar contratos a prazo certo - a lei excluiu deste regime excepcional a celebração dos contratos a prazo incerto - nos primeiros 10 anos da sua actividade (art.º 42/3)
Do art.º 42 (n.ºs 1 in fine e 3) resulta que existem dois requisitos, necessariamente cumulativos, para a aplicação do regime excepcional:
(i) a tipologia da empresa (art.º 34);
(ii) a duração da actividade da empresa.
O regime excepcional da contratação a prazo aplica-se, assim, apenas às “pequenas empresas” (as que empregam até 10 trabalhadores) e “médias empresas” (as que empreguem mais de 10 até ao máximo de 100 trabalhadores), só não se aplicando, pois, às “grandes empresas” (as que tenham mais de 100 trabalhadores).
Relativamente ao requisito da duração de actividade da empresa, a lei estabelece que o regime só se aplica nos primeiros 10 anos de actividade da PME.
No caso das PME´s constituídas antes da entrada em vigor na actual Lei do Trabalho (2007), a renovação livre do contrato a prazo certo é admitida nos primeiros 10 anos da vigência da LT (art.º 270/3).
A razão de ser para a consagração deste regime excepcional radica na ideia de que sendo a contratação a prazo um incentivo fundamental para o desenvolvimento do sector empresarial do País, constituído predominantemente por PME´s, estas não devem estar sujeitas a todos os constrangimentos legais aplicáveis a este modelo de contratação.
Também por isso, e embora a lei não o especifique, entendemos que o regime da livre celebração de contratos a prazo certo por parte das PME´s incide não só sobre a inexistência de limitações ao número de renovações e ao período máximo de duração dos contratos, mas também quanto à respectiva fundamentação. Ou seja, não nos parece possível a coexistência de um vínculo a prazo certo por 10 anos com a exigência legal da realização de tarefas temporárias (art.º 40) como condição para a celebração e manutenção desse mesmo vínculo laboral.
Notas:
(110) Sobre a contratação a prazo, na doutrina moçambicana, Duarte da Conceição Casimiro “O Contrato de Trabalho a Prazo no Direito Moçambicano”, e em geral Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho” pp.322-333 e Maria Rosário Palma Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho” pp. 223 e ss.
(111) Américo Oliveira Fragoso “Dos Contratos de Trabalho a Prazo - Reflexões sobre o regime jurídico introduzido pela nova Lei do Trabalho de Moçambique (Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto)” http://www.fd.ul.pt/LinkClick.aspx?fileticket=aw4ZZjPi%2BAA%3D&tabid=339, pág. 15
(112) Adoptamos genericamente a designação de “contrato a prazo”, e não a de “contrato a termo resolutivo” (art.º 39, n.º 2, da LT) porque, pese embora ambas caracterizem a mesma realidade jurídica, para além de ser um conceito de mais fácil apreensão, trata-se da expressão tradicionalmente usada pela lei.
(113) Jurisprudência: Acórdão do TS de 28.04.2011 - Proc.º n.º 52/2007-L (BR, III Série, n.º 23, de 6 de Junho de 2012); Acórdão do TS de 8.09.2010 - Proc.º n.º 89/01 (BR, III Série, n.º 60, de 29 de Julho de 2015); Acórdão TS de 28.04.2010 - Proc.º 52/2007-L (BR, III Série, n.º 23 de 6 de Junho de 2012); Acórdão do TS de 12.11.2008 – Proc.º 103/03-L (BR, III Série, n.º 7, Suplemento, de 18 de Fevereiro de 2010); Acórdão do TS de 21.11.2006 - Recurso de apelação n.º 13/04-L (www.saflii.org.mz).
(114) Por exemplo, a possibilidade de recorrer ao contrato de trabalho a prazo na contratação de jovens recém-formados, prevista no art.º 241 da Lei do Trabalho.
(115) Américo Oliveira Fragoso, cit., pp. 16-17, defende de igual modo que na elaboração de contratos a prazo «não basta a identificação do fundamento legal, é também necessário identificar as circunstâncias factuais que justificaram o recurso ao contrato a prazo. Concretizando, para além da indicação do fundamento legal que é apontado como justificação para a celebração do contrato é necessário ainda subsumi-lo à situação fáctica concreta de modo a estabelecer entre ambos um nexo. Ao abrigo da nova Lei do Trabalho, não basta a referência simples ou meramente remissiva a uma das alíneas do número 2 do artigo 40.º da LT que se considere aplicável ao contrato, deve constar sempre a descrição circunstanciada dos motivos de facto que lhe servem de base.
A incorrecta, parcial ou omissa identificação formal dos factos e respectiva subsunção ao fundamento legal é um vício formal, que nos termos do artigo 38º n.º 6 da LT faz presumir a responsabilidade do mesmo sobre a entidade empregadora, com as respectivas consequências legais. No caso em apreço, e embora a lei não o preveja expressamente, entendemos que as consequências legais decorrentes do referido vício se devem situar na invalidade do termo, convolando-se a relação laboral, em relação sem termo, sem que com isso se afecte a validade do vínculo laboral, nem os direitos adquiridos do trabalhador - o que aliás está em conformidade com o número 6 do artigo 38.º da LT».
(116) O limite de duração dos contratos de prazo é de 6 anos, uma vez que «conjugando as regras de duração máxima do prazo inicial com a possibilidade máxima de renovações, constatamos que o actual regime do contrato a prazo certo permite a manutenção de um vínculo laboral com estas características por um máximo de 6 anos, sendo este o novo máximo legal. Exemplificando, se um trabalhador foi inicialmente contratado a prazo certo por dois anos é admissível que o seu contrato seja objecto de duas renovações pelo mesmo período, o que a verificar-se significará que no final o seu contrato terá durado 6 anos» (Américo Oliveira Fragoso, cit., p. 29).
33.2.Contrato a prazo incerto
A distinção entre as figuras dos contratos a prazo, certo e incerto, reside tão só nos aspectos referentes à duração, renovação e cessação do contrato, motivo pelo qual não nos parece existir uma distinção conceptual entre estas formas de contratação a prazo. (117)
O disposto no art.º 39, n.º 2, da LT segundo o qual «as cláusulas acessórias referentes ao termo resolutivo determinam o prazo certo ou incerto da duração do contrato de trabalho», é que permite distinguir juridicamente os contratos a prazo certo ou incerto.
Ao contrato de trabalho pode ser aposto termo certo ou incerto, em função do momento em que o evento futuro ocorrerá – o prazo é certo desde que sejam precisos a produção do evento futuro e o momento em que este ocorrerá, e será incerto quando for apenas exacto a verificação do evento futuro, mas não o momento em que este ocorrerá – como pode igualmente não haver qualquer termo, sendo nesse caso designado por contrato por tempo indeterminado.
Ao invés, ao nível da fundamentação, os motivos previstos na lei para a celebração dos contratos a termo certo e incerto são os mesmos, uma vez que de acordo com o art.º 44 da LT a celebração de contrato de trabalho a prazo incerto «só é admitida nos casos em que não seja possível prever com certeza o período em que cessa a causa que o justifica, designadamente nas situações previstas no n.º 2 do artigo 40 da presente Lei», o que remete a fundamentação dos contratos a prazo incerto para os mesmos fundamentos do prazo certo.
A admissibilidade da contratação de trabalho incerto parece fazer apelo a um sentido restritivo e cautelar, embora, contraditoriamente, o legislador recorra a conceitos vagos ou indeterminados (“casos em que não seja possível prever”) para a tipificação dos casos em que pode ocorrer e dando apenas como exemplo a lista das situações previstas no art.º 40, n.º 2. Afigura-se-nos que o texto do art.º 44 não é suficientemente claro, afastando-se do que sucede em normas referentes a esta modalidade contratual existentes em direito comparado, o que merece critica, tendo em conta que deste tipo de contrato resulta para o trabalhador, parte mais débil da relação laboral, uma situação de maior precariedade do que a que advém do contrato a prazo certo.
O recurso ao contrato de trabalho a prazo incerto deveria, em nossa opinião, obedecer a uma tipificação taxativa, ou seja, circunscrita a situações legal e previamente estabelecidas. A opção do legislador, no sentido de permitir uma tal solução aos casos em que não seja possível prever com certeza a data em que cessa a causa que justifica o recurso a esta modalidade contratual, confere-lhe uma amplitude excessiva, próxima do contrato de trabalho por tempo indeterminado (sem prazo) e mais dificilmente sindicável pelos tribunais e pela administração do trabalho. No limite, poderemos estar perante uma situação que se prolongue por vários anos, sem que o empregador lhe ponha termo.
Do disposto na lei é possível, no entanto, concluir que os limites máximos de duração e da renovação dos contratos a prazo certo não se aplicam aos contratos a prazo incerto, pois estes últimos duram pelo período necessário à verificação do facto que fundamentou a celebração do contrato. A título de exemplo, nos caso da celebração de um contrato a prazo incerto motivado pela substituição de trabalhador nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 40.º, o contrato durará até ao momento do regresso do trabalhador impedido ao posto de trabalho que ocupava. Deste modo, o contrato a prazo incerto não se renova: ou caduca quando se verifique o facto extintivo ou converte-se em contrato por tempo indeterminado.
§ 1. Denúncia do contrato a prazo incerto
A denúncia, enquanto faculdade de qualquer contraente fazer cessar uma relação contratual a que se encontra vinculado por força de negócio jurídico bilateral é, em regra, livre, não carecendo de qualquer causa justificativa, embora não imediata, pois pressupõe um pré-aviso destinado a acautelar a outra parte contra uma cessação imprevista. É, no fundo, o regime previsto no art.º 129 da LT para a denúncia do contrato pelo trabalhador.
No entanto, quanto à denúncia do contrato a prazo incerto, o n.º 1 do art.º 45 da LT exige que ocorra o facto a que as partes atribuam eficácia extintiva. Prevê-se, assim, expressamente que é a verificação do facto extintivo que determina a caducidade do contrato, e não a ausência de denúncia.
A caducidade do contrato a prazo incerto produz-se sempre que:
- ocorram os efeitos da denúncia, que está dependente da verificação efectiva do facto extinto; ou,
- após a verificação do facto extintivo, o trabalhador deixe de estar ao serviço da empresa.
Nas outras situações, não impondo a lei nenhum prazo de aviso prévio, entendemos que, por aplicação do princípio da boa-fé negocial, deverá ser feito com antecedência razoável, e que a sua falta embora não determine a conversão em contrato por tempo indeterminado, deve gerar a obrigação de indemnizar por parte da entidade empregadora.
§ 2. Conversão do contrato a termo incerto em contrato por tempo indeterminado (sem prazo)
O n.º 2 do art.º 45 estabelece duas situações diferenciadas que determinam a conversão do contrato a termo incerto em contrato por tempo indeterminado (sem termo):
- sempre que o trabalhador contratado a prazo incerto permanecer ao serviço após a data da produção dos efeitos da denúncia (isto é, a verificação da causa extintiva), desde que tenham decorrido 7 dias após o regresso do trabalhador substituído; ou,
- em caso de cessação do contrato de trabalho por conclusão da actividade, serviço, obra ou projecto para que tenha sido contratado.
§ 3. Caducidade do contrato a prazo incerto
Como veremos mais adiante, a cessação do contrato a prazo incerto pode ocorrer também por caducidade nos termos do disposto nos art.º 124, n.º 1, alínea a), e 125, n.º 1, alínea a), caducidade que não opera ipso jure, pois carece sempre de uma comunicação escrita à outra parte manifestando a vontade de fazer cessar o contrato. (118)
Notas:
(117) A este propósito, Beijamim Alfredo acentua: «A Lei de trabalho fez reentrar no campo da legalidade a contratação de trabalho incerto. Fê-lo, todavia, numa postura restritiva e cautelar: são tipificadas, dentro da lista de hipóteses a que, em geral, se liga a possibilidade de celebração do contrato de trabalho a termo, aquelas, em reduzido número, que justifiquem a aposição de termo incerto», in “Noções Gerais do Regime Jurídico do Processo Disciplinar, Despedimento e outras formas de Cessação do Contrato de Trabalho”, p. 28.
(118) O legislador moçambicano acautela somente a questão da denúncia no contrato a prazo incerto (artigo 45, n.º 2, da LT “se o trabalhador contratado a prazo incerto permanecer ao serviço do empregador após a data da produção dos efeitos da denúncia ou, na falta desta, decorridos 7 dias após o regresso do trabalhador substituído, ou em caso de cessação do contrato de trabalho por conclusão da actividade, serviço, obra ou projecto para que tenha sido contratado, considera-se contratado por tempo indeterminado”), não estabelecendo a Lei do Trabalho nenhum prazo de aviso prévio da caducidade do contrato de trabalho a prazo, pelo que se as partes não o estabelecerem, não existe obrigatoriedade da observância de qualquer aviso prévio, podendo mesmo os empregadores informarem os trabalhadores da cessação do contrato por caducidade no último dia da vigência do contrato.
Sem comentários:
Enviar um comentário