21 agosto, 2021

Princípio do tratamento mais favorável

76. Princípio do tratamento mais favorável 
Abordámos antes (I.14) um dos princípios fundamentais e conformadores do direito do trabalho, intrinsecamente ligado ao direito da contratação colectiva, que é o “princípio do tratamento mais favorável”, i.e., a regra da aplicação da norma que estabeleça um tratamento mais favorável ao trabalhador, ainda que, tal norma se encontre contida numa fonte hierarquicamente inferior. 
Conforme se encontra disposto no art.º 16/1 da LT «as fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as fontes hierarquicamente inferiores, excepto quando estas, sem oposição daquelas, estabeleçam tratamento mais favorável ao trabalhador». O alcance deste n.º 1 é, termos simples, o seguinte: em princípio, as fontes de grau hierárquico superior prevalecem sobre as fontes de grau hierárquico inferior. Admite-se, contudo, a aplicação preferente de normas de fontes inferiores quando estabeleçam um tratamento mais favorável para o trabalhador e desde que não afectem o conteúdo imperativo das fontes superiores. Ou seja, as normas de grau superior só cederão perante as normas de grau inferior na justa medida em que estas, tratando mais favoravelmente o trabalhador, não encontrem oposição naquelas (cfr. supra I.13. Hierarquia das fontes internas). 
Por outro, o art.º 17 da LT sobre o princípio do tratamento mais favorável, estabelece:
«1. As normas não imperativas da presente Lei só podem ser afastadas por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e por contratos de trabalho, quando estes estabeleçam condições mais favoráveis para o trabalhador. 2. O disposto no número anterior não se aplica quando as normas da presente Lei não o permitirem, nomeadamente quando sejam normas imperativas.» 
Da conjugação do disposto nestes art.ºs 16 e 17 da LT, resulta o seguinte: 
  • o princípio do tratamento mais favorável não implica qualquer alteração na ordem hierárquica das fontes de direito. Ou seja, mesmo quando a norma hierarquicamente inferior contém um regime mais favorável para o trabalhador, ela só prevalecerá sobre a norma de grau hierárquico superior se esta não se opuser, isto é, se não for uma norma imperativa. É claramente isto que diz o n.º 1 do art.º 16 da LT que mantém o princípio geral da hierarquia das normas contra um indefensável entendimento de que em Direito do Trabalho esse princípio cederia perante o princípio do favor laboratoris
  • o princípio do tratamento mais favorável é um princípio específico das normas do Direito do Trabalho. Historicamente, o Direito do Trabalho autonomizou-se do Direito Civil como um direito de protecção do trabalhador (como parte mais débil da relação de trabalho), restringindo a liberdade contratual em tudo aquilo que pudesse representar a desprotecção dos trabalhadores face à supremacia económica, social e jurídica dos empregadores. Contudo, o próprio Direito Civil, inspirando-se no direito laboral, acabou por desenvolver diversos mecanismos de tutela do contraente débil. Por isso, sendo este princípio específico do Direito Laboral, não é dele exclusivo; 
  • a protecção do trabalhador, a parte mais débil, é assegurada pelo princípio do favor laboratoris (n.º 1 do art.º 17), segundo o qual as normas hierárquicas superiores (legais) consagram normas de protecção mínima do trabalhador que poderão, no entanto, ser afastadas por outras normas estabelecidas pela autonomia colectiva ou singular que contenham regimes mais favoráveis (“in melius” e não “in pejus”) para o trabalhador; 
  • para aplicação deste princípio, é necessário um maior rigor na utilização dos critérios gerais de interpretação das leis (artigo 9.º do CC) quando se trate de identificar normas imperativas absolutas. Os princípios do artigo 9.º do CC são aplicáveis na interpretação de toda e qualquer norma juslaboral, incluindo as que fixam condições mínimas. 
O princípio de aplicação da norma mais favorável exige normalmente um afastamento ou proibição, em termos expressos e directos, da relevância da norma inferior que se traduza numa melhoria da protecção do trabalhador. Quando não o afirmem inequivocamente ou fora dos casos em que fixam limites máximos (de que é exemplo a norma da alínea a) do n.º 1 do art.º 47 da LT, que estabelece que o período probatório não pode exceder 90 dias) a identificação de normas imperativas absolutas deve ser feita com maior grau de exigência, no que toca à valoração do elemento literal de interpretação, por necessidade de uma maior certeza e oposição à relevância das normas inferiores mais favoráveis. (212)

Notas: 
(212) Sobre o princípio do tratamento mais favorável ou favor laboratoris, na doutrina moçambicana Paulo Daniel Comoane, Aplicação da Lei do Trabalho (…), pp. 55-56; Duarte da Conceição Casimiro, Carlos Antunes e outros, Lei do Trabalho Anotada, pp. 34 e ss.; Domingos Carlos Madeira Júnior “A Supletividade das Normas Jurídico-Laborais”, Boletim Informativo ISTAC, n.º 11, de 15-06-2016.
Jurisprudência: Acórdão do TS de 26.04.2007 – Recurso de apelação n.º 110/03-L (www.saflii.org/mz) produzido no domínio da Lei do Trabalho n.º 8/98, de 20 de Julho, donde se extrai o seguinte: “De acordo com o preceituado no artigo 1, n.º 2 da Lei do Trabalho 8/98, de 20 de Julho, nada obsta a que normas hierarquicamente inferiores consagrem soluções mais favoráveis para os trabalhadores do que as contidas naquele diploma legal.” 
Na doutrina portuguesa, Maria do Rosário Palma Ramalho “Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral” pp. 252-266, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, pp. 120-126, Bernardo Xavier, Curso (…), pp. 613-633.

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