78. Natureza jurídica
A LT ao preceituar que os IRCT´s têm por objecto o “estabelecimento e a estabilização das relações colectivas de trabalho e regulam, nomeadamente, os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e dos empregadores vinculados por contratos individuais de trabalho” (art.º 164, n.º 1, alínea a)), tem o sentido de reconhecer como “normas jurídicas” as normas das convenções colectivas de trabalho.
A convenção colectiva de trabalho é, pois, um acordo entre organizações antagónicas que, entre si, podem estabelecer a disciplina obrigacional das suas relações recíprocas. Mas é um contrato que só preenche a sua função económica e social na medida em que possa regular de forma directa e imediata as relações individuais entre os trabalhadores e os empregadores.
O problema da natureza jurídica da convenção colectiva é, assim, o da concepção da relação de causa e efeito entre um contrato e a sua eficácia normativa face a terceiros.
As duas teses antagónicas existentes relativas à natureza jurídica da convenção colectiva, são as seguintes:
- Teses contratualistas
78.1. Teses contratualistas- Teses normativistas
Os defensores destas teses afirmam que a convenção colectiva de trabalho é apenas um contrato de direito privado, isto é, um acordo de vontades criador de vínculos jurídico-laborais. Ou seja, a convenção colectiva que resulta de uma negociação entre as partes, segundo o princípio da autonomia colectiva e sem a intervenção do Estado, é um mero contrato gerador de obrigações para as partes celebrantes relacionadas com a execução do acordado.
Neste sentido, a sua eficácia seria meramente contratual, pelo que apenas obrigaria os seus subscritores, podendo alargar-se aos que por ela devam considerar-se abrangidos por força de um mecanismo de direito privado – o mandato, a gestão de negócios, a cláusula a favor de terceiros, etc.
A dificuldade destas teses deriva, assim, da dificuldade em explicar como esse contrato também gera obrigações para terceiros, designadamente, para os filiados nas organizações celebrantes.
78.2. Teses normativistas
Neste caso, os tratadistas defendem que a convenção colectiva seria uma norma ou um complexo de normas substancialmente idênticas às normas emanadas dos poderes públicos. Entendem estes autores que a convenção colectiva de trabalho é uma emanação do poder normativo pertencente às organizações que participam na sua elaboração. Isto é possível, porque o Estado delega nas associações de empregadores e sindicatos o poder de emitirem normas jurídicas aplicáveis às relações de trabalho subordinado por meio de actos com natureza de verdadeiros regulamentos profissionais. Se as teses contratualistas sobrevalorizam a origem negociada da convenção colectiva, já a concepção regulamentar ou normativa atribui especial relevo à eficácia vinculativa que aquela assume para todos os seus destinatários individualmente considerados.
No entanto, mantém-se a questão central que deriva da oposição entre a estrutura da convenção colectiva e a sua eficácia normativa, ou seja, o antagonismo entre a noção de contrato, pelo qual duas ou mais partes em posição de equivalência formal, realizam em conjunto a auto-regulamentação dos seus próprios interesses contrastantes e a noção de preceito ou norma por meio da qual um sujeito que se coloca numa posição de supremacia, dita a disciplina vinculante das relações acordadas.
78.3. Teses dualistas ou mistas
A insuficiência quer das teses contratualistas quer das teses normativistas levaria ao aparecimento de uma outra acepção que vem defender que a convenção seria um misto de contrato e de norma, teses estas denominadas de dualistas ou mistas.
Segundo, os seus defensores a convenção colectiva é uma síntese de uma faceta obrigacional com uma faceta normativa, sendo ao mesmo tempo um contrato (“contrato-lei”) e um regulamento (“lei negociada”). Na convenção colectiva podem, pois, distinguir-se genericamente duas facetas: a obrigacional e a normativa.
(i) A faceta obrigacional revela-se em vários aspectos:
- Quanto ao processo de elaboração - a convenção colectiva é produto de um acordo entre as partes colectivas, obtido através das formas comuns de negociação, ou com recurso a formas específicas do estabelecer de acordos adaptados às características das relações colectivas de trabalho e dos conflitos colectivos entre as partes;
- Quanto aos mecanismos de aplicação - da convenção colectiva de trabalho emergem deveres que vinculam as partes celebrantes a adoptarem procedimentos idóneos para fazer cumprir o celebrado pelas partes, obrigações que guardam certa autonomia face à parte normativa, vd. cláusulas que respeitam à organização da empresa.
Com efeito, a convenção colectiva contém cláusulas de que emanam comandos jurídicos vinculativos destinados, primariamente, a definir o conteúdo das relações individuais de trabalho que se estabelecem entre os trabalhadores e empregadores filiados nas organizações celebrantes, comandos jurídicos que são gerais, abstractos e se destinam a um número indeterminado de pessoas, pelo que estas cláusulas se consideram como autênticas normas jurídicas.
A aquisição de eficácia normativa da convenção colectiva está dependente, em princípio, da publicação em boletim oficial sem a qual não tem força obrigatória como fonte de direito, existindo enquanto contrato, mas não produzindo efeitos normativos.
Importa assinalar, contudo, que o ordenamento jurídico-laboral moçambicano não prevê a publicação das convenções colectivas em publicação oficial (em Boletim da República ou em publicação específica do Ministério responsável pela área laboral de Moçambique, como é o caso por ex. do Boletim de Trabalho e Emprego português), pelo que a eficácia normativa das CCT´s estará apenas dependente do depósito junto deste departamento governamental.
As teses dualistas conseguiram uma síntese entre as anteriores, resumida na feliz formulação do eminente jurista italiano Carnelutti (214) que caracterizava a convenção colectiva como um acto híbrido com forma de contrato e alma de lei (“um ibrido che ha la forma del contrato e l´anima della legge”).
Notas:
(214) Francesco Carnelutti “Teoria del regolamento collettivo dei rapporti di lavoro”, Università di Padova, Facoltá di Scienze Politiche”, Padova. CEDAM, 1936.
(215) Em geral, sobre a natureza jurídica da convenção colectiva, Maria do Rosário Palma Ramalho “Tratado de Direito do Trabalho - Parte III - Situações Laborais Colectivas” pp. 225 e ss; António Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho” pp. 657 e ss.; Carlos Antunes e Carlos e Perdigão “Direito da Contratação Colectiva de Trabalho” Petrony Editora, pp. 32-39.
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