01 outubro, 2020

Evolução Histórica do Direito do Trabalho em Moçambique

7. Evolução Histórica do Direito do Trabalho em Moçambique 
A dimensão histórica é essencial, em todos os ramos do Direito, e naturalmente também no Direito do Trabalho. Apenas através da história se pode compreender o Direito (do Trabalho) que nos rege, sem a qual compreensão não há conhecimento ou aprendizagem críticas. 
A evolução histórica do trabalho tem sido objecto de investigações insuficientes no nosso País, cujo reconhecimento radica, por um lado, na míngua dos estudos e do ensino histórico-jurídico deste ramo do Direito que apenas nos anos mais recentes logrou consagração universitária nas Faculdades de Direito moçambicanas e, por outro, na ainda ténue jurisprudência juslaboral dos tribunais moçambicanos.

7.1. A regulamentação laboral no período colonial (17) 
A abordagem da regulação laboral no período colonial, que vai desde a chegada de Vasco da Gama em 1497 até à independência nacional, em 25 de Junho de 1975, é, ao mesmo tempo, diversa e complexa. 
A realidade que é hoje Moçambique, nada tem a ver com a que existia aquando da chegada dos portugueses, sendo na altura Moçambique composto por vários Impérios e Reinos independentes de diversas etnias de origem bantu. (18) 
Moçambique foi assim formando-se ao longo do período colonial, só tendo as fronteiras assumido a sua configuração definitiva e actual após a instauração da administração colonial efectiva, a seguir à realização da Conferência de Berlim (1884-1885). 
Até essa altura, o Direito português pouco penetrou em Moçambique, uma vez que até finais do século XIX a presença oficial portuguesa se limitava a umas quantas capitanias ao longo da costa. Moçambique era governado a partir do Império do Oriente, estabelecido em Goa, de onde provinham directamente as ordens relativas ao território. Na verdade, a expectativa era a de que os comerciantes que se iam estabelecendo no interior do território formassem o substrato para uma administração efectiva. Naquela época, o fundamental era o controlo do comércio, primeiro do ouro, nos séculos XVI e XVII, e depois do marfim e dos escravos. O «trabalho escravo» que perdurou em Moçambique até à abolição da escravatura em todo o Império Português pela Lei de 25 de Fevereiro de 1869 (19), não é, como se sabe, regulado pelo Direito do Trabalho que abrange apenas as formas de trabalho livre, voluntariamente prestado, em proveito alheio e remunerado.

7.1.1. Regulamentos de 1878 e 1899 
A abolição da escravatura não evitou que, a coberto de diversos subterfúgios legais, emergisse e perdurasse em Moçambique por muitas décadas o regime do trabalho forçado, que muito pouco se distinguia daquela. Assim, a Lei de 29 de Abril de 1875, depois de declarar que «um anno depois da publicação da presente lei nas províncias ultramarinas é considerada extinta a condição servil designada no decreto com força de lei de 25 de Fevereiro de 1869, e declarados livres aquelles a quem ella se refere» (art.º 1.º), sujeita «os indivíduos que assim obtiverem a condição de liberdade à tutela pública» (art.º 2.º), os quais eram obrigados «a contratar os seus serviços por dois anos, mostrando perante a autoridade esse ajuste», «de preferência com os antigos patrões, se estes o quizerem» ou «não se contratando com os antigos patrões deverão faze-lo com outros» (art.º 5.º e seus §§ 1 e 3). 
A não celebração dos contratos sujeitava os “libertos” à pena de vadiagem cuja punição consistia na prestação de «trabalho obrigatório até dois annos nos estabelecimentos do estado, ou nas fortalezas e obras publicas da provincia» podendo «contudo contratar em qualquer tempo os seus serviços com pessoas particulares e n’esse caso cessa a obrigação do serviço publico» (art.º 27.º e § 1). 
A seguir, o “Regulamento para os contratos de serviçaes e colonos nas províncias da Africa portugueza”, de 21 de Novembro de 1878, veio extinguir a tutela pública sobre os “libertos” (art.º 1.º), cessando a obrigação de contratarem os seus serviços por tempo determinado e com os antigos patrões (artigo 2.º), sendo os contratos de serviçaes e colonos «sujeitos á interferencia, vigilancia e fiscalisação dos curadores gerais e dos governadores das províncias» (art.º 7.º). O diploma manteve, contudo, a proibição da vadiagem estabelecendo penas de trabalho forçado para os “vadios” (art.ºs 3.º, 22.º, e 90.º e seguintes). 
Em 9 de Novembro de 1899 é publicado o “Regulamento de trabalho dos indígenas das províncias ultramarinas portuguezas” que, baseando-se embora no princípio da celebração voluntária dos contratos de trabalho (pelo período de 3 anos), manteve ainda assim imposição do trabalho em determinadas circunstâncias (“Artigo 1.º Todos os indígenas das províncias ultramarinas portuguezas são sujeitos á obrigação, moral e legal, de procurar adquirir pelo trabalho os meios que lhes faltem, de subsistir e de melhorar a própria condição social. Têem plena liberdade para escolher o modo de cumprir essa obrigação; mas, se a não cumprem de modo algum, a autoridade publica póde impor-lhes esse cumprimento”)
Após a implantação da República, surgem os Decretos de 27 de Maio de 1911 e de 30 de Março de 1912 sobre o trabalho indígena nas colónias portuguesas que pouco diferem do Decreto de 1899 (o primeiro reduziu de 3 para 2 anos a duração dos contratos, a qual, voltou a ser estabelecida em 3 anos no último dos citados diplomas). Em 1914, foi publicado o Decreto n.º 951 de 14 de Outubro de 1914, sobre o “Regulamento geral do trabalho dos indígenas nas colónias portuguesas” que revogou toda a legislação anterior sobre o trabalho indígena. Reafirmando o princípio da liberdade contratual [“a escolha do modo de cumprir a obrigação de trabalhar imposta pelo artigo 1.º é livre para os maiores de 18 anos; e a todos os modos legítimos do seu incumprimento é garantida a protecção da lei e dos funcionários encarregados de excecutá-la” (art.º 3.º)], o certo é que o diploma manteve a obrigatoriedade do trabalho relativamente a todos aqueles que não o fizessem voluntariamente [“todo o indígena válido que não tiver domícilio certo, nem meios de subsistência, nem exercer habitualmente alguma profissão, oficio ou outro mester em que ganhe a sua vida nos termos do artigo 1.º, não provando necessidade de fôrça maior, que o justifique, de se achar nestas circunstâncias, será julgado pelo curador de serviçais e colonos, administrador do respectivo concelho ou circunscrição civil, ou se for pelo capitão-mor respectivo, conforme os casos, e, condenado, será entregue à autoridade administrativa, que lhe poderá fornecer trabalho pelo período que entender conveniente, dentro da área do respectivo distrito, por um espaço de tempo não inferior a 3 meses, nem superior a um ano” (art.º 2.º)], além de impor o trabalho compelido e correcional para os considerados “vadios”, isto é, todos os que não cumprissem voluntariamente a obrigação de trabalho (art.ºs 94 e seguintes).

7.1.2 Código do Trabalho dos Indígenas de 1928 
Com o advento da ditadura militar de 1926, foi publicado logo nesse ano o “Estatuto político, civil e criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique” pelo Decreto 12.533, de 23 de Outubro, e mais tarde em 1928, o “Código do Trabalho dos Indígenas nas Colónias Portuguesas de África” através do Decreto n.º 16.199 de 6 de Dezembro (que revogou o Decreto n.º 951 de 14 de Outubro de 1914) – o CTI.
Embora o diploma conservasse a filosofia central dos Regulamentos anteriormente citados, relativamente ao modelo do trabalho obrigatório, ostenta uma alteração significativa no que respeita à abolição do sistema de trabalho obrigatório para fins particulares (20), que apenas foi mantido para fins públicos e, mesmo assim, quando se verificassem determinados requisitos, tais com a urgência inadiável de execução da obra ou prestação do serviço e a contrapartida remuneratória (art.ºs 296.º e 299.º). 
O CTI assegurava desse modo “aos indigenas das suas colónias plena liberdade de escolherem o trabalho que melhor lhes convier, quer de conta própria nas suas terras ou nas que o Govêrno para isso lhes destina em larga escala em todas as colónias, quer por contrato para serviço de outrem, se assim o preferirem, reservando-se porém o direito de os incitar a trabalhar por conta própria, tanto quanto fôr razoável, para melhoria da sua susbsistência e condição social, e o de fisacalizar e tutelar beneficamente o seu trabalho em regime de contrato” (art.º 4.º). 
O Código do Trabalho dos Indígenas de 1928 representou algum progresso em relação aos diplomas anteriores em matérias como salários, alimentação, alojamento, assistência social, trabalho de menores e mulheres, jornada de trabalho, descanso obrigatório e os acidentes de trabalho, mas conservou alguns aspectos negativos que vinham do Regulamento de 1899, como o da conservação do trabalho compelido para fins públicos, as agências de recrutamento e o trabalho correccional como medida punitiva dos trabalhadores que violassem os deveres decorrentes das relações de trabalho. (21)

7.1.3. Código do Trabalho Rural de 1962 
Só a partir da entrada em vigor do Código do Trabalho Rural (CTR) aprovado pelo Decreto n.º 44.309, de 27 de Abril de 1962, é que se institui o trabalho verdadeiramente livre e se pode falar em direito laboral (regime regulador do trabalho livre, voluntariamente prestado, em proveito de outrem e remunerado) em Moçambique, no período colonial. 
Note-se que o CTR, publicado como consequência necessária da abolição do indigenato pelo Decreto n.º 43.893, de 6 de Setembro de 1961, que fez ruir toda a estrutura em que assentava o Código de Trabalho dos Indígenas de 1928, era aplicável não só aos “trabalhadores rurais” (afectos à «exploração agrícola da terra e recolha dos produtos ou destinados a tornar possível ou a assegurar aquela exploração» - art.º 3.º), mas também aos “assalariados indiferenciados” («trabalhadores cujo serviço se reduza à simples prestação de mão-de-obra desde que não possam ser considerados empregados ou operários especialmente qualificados» - art.º 3.º/ 2). 
Excluídos do respectivo âmbito de aplicação, estavam assim as relações de trabalho dos trabalhadores qualificados das actividades industrial e comercial (exercidas então exclusivamente pelos trabalhadores de origem europeia estabelecidos em Moçambique e os “naturais assimilados”) que se regulavam pelas disposições do direito comum do Direito do Trabalho (Estatuto do Trabalho Nacional), extensivo a Moçambique pelo Diploma Legislativo 1.595, de 28 de Abril de 1956 (alterado pelo Diploma Legislativo n.º 57/71, de 5 de Junho), que aprovou o regime jurídico das relações de trabalho entre todas as entidades patronais e todos os trabalhadores profissionalmente enquadrados nos sindicatos únicos nacionais com representação em Moçambique. 
O CTR regulava o contrato de trabalho (“convenção por força da qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra pessoa, sob a direcção desta” - art.º 10.º/1), sendo de salientar as exigências de consentimento expresso do trabalhador (art.º 11.º), da redução a escrito e conteúdo obrigatório dos contratos dos trabalhadores efectivos (art.ºs 13.º e 14.º), da fiscalização prévia pela Inspecção do Trabalho (art.º 16.º) e da duração dos contratos (art.ºs 20.º a 22.º). 
No Título III, o Código ocupava-se das condições gerais do trabalho, entre as quais, as remunerações (art.ºs 69.º e ss.), o estabelecimento do princípio da igualdade salarial (“a um trabalho igual deverá sempre ser atribuído salário igual” - art.º 69.º/1), o horário de trabalho, que não podia exceder as 8 horas diárias e as 48 horas semanais (art.º 93.º), e o direito a um dia de descanso semanal (art.º 96.º) e a duas semanas de férias anuais (art.ºs 98.º e ss.). 
A cessação do contrato de trabalho (art.ºs 51.º e seguintes) podia ocorrer por “caducidade” (morte do trabalhador ou do empregador, salvos os casos em que, por esse facto, se opere a transmissão da exploração da actividade económica), “mútuo acordo dos contraentes”, “denúncia” ou “rescisão com justa causa”. 
A denúncia apenas era admitida nos contratos por tempo indeterminado (art.º 56.º), uma vez que os contratos a prazo não podiam ser denunciados unilateralmente antes de expirar o prazo convencionado sob pena de indemnização (art.º 55.º). Quanto à rescisão com justa causa - entendida como a violação grave ou repetida de deveres gerais ou especiais dos contraentes e qualquer facto ou circunstância grave que tornasse prática e imediatamente impossível a subsistência das relações de trabalho - tinha de ser apreciada pelo juiz, segundo o seu prudente arbítrio, tendo sempre em atenção o carácter das relações entre dirigentes e subordinados, a condição social e o grau de educação de uns e de outros e as demais circunstâncias do caso (art.º 60.º).

7.2. O Direito do Trabalho após a independência 
O surgimento e a evolução do Direito do Trabalho em Moçambique – cujo estudo tem vindo a ser progressivamente aprofundado pela doutrina moçambicana (22) – inspira-se, com especificidades, no direito laboral português acompanhando a evolução recente deste, inserto na matriz romano-germânica. (23) 
A principal clivagem entre as formações do Direito do Trabalho moçambicano pós-indepedência e o português reside que, diferentemente do que aconteceu em Portugal (e na Europa em geral) em que a origem do Direito do Trabalho se encontra nas degradantes condições de trabalho, particularmente do trabalho das mulheres e crianças (cfr. supra I.4.), e em que as normas laborais nascem de condições ligadas à protecção dos trabalhadores (“prestação do trabalho”), em Moçambique (e na África em geral) o Direito do Trabalho tem como eixo fundamental a luta pela liberdade pessoal do trabalhador e as normas laborais surgem das condições ligadas à liberdade de contratar (“celebração do contrato”). (24)
Por outro lado, outra particularidade da evolução do direito laboral moçambicano é o da relativa fraqueza dos parceiros sociais (designadamente, das organizações representativas dos trabalhadores) enquanto dinamizadores do Direito do Trabalho, fraqueza que tem sido compensada por um papel liderante assumido pelo Estado e pelo poder político em todo este domínio jurídico-laboral. Em momentos decisivos da progressão juslaboralista, não houve, na verdade, uma actuação determinante das organizações laborais, antes se assistiu a uma evolução decisivamente marcada por intervenções legislativas do Estado. 
Por isso, a periodificação e evolução do Direito do Trabalho em Moçambique, acaba, assim, por atender sobretudo ao critério ligado à política legislativa a nível estadual: a cada período político dominante corresponde uma fase juslaboral bem determinada. O início formal do Direito do Trabalho em Moçambique surge, pois, com a independência do país, tornando-se possível na evolução subsequente do juslaboralismo, apontar três fases distintas, a que correspondem, aliás, as três Constituições e as três Leis do Trabalho entretanto publicadas:

7.2.1. O período de economia planificada (1975-1990) 
Constituição da República Popular de Moçambique de 1975 
Lei do Trabalho n.º 8/85, de 14 de Dezembro 
O primeiro período é marcado pela Constituição de Moçambique (CRPM) que entrou em vigor em simultâneo com a proclamação da independência nacional em 25 de Junho de 1975 e instituiu um regime socialista de economia planificada, embora tenha consagrado na área laboral, princípios gerais como o da dignificação do trabalho e da justa repartição dos rendimentos do trabalho (art.º 51), o direito à livre escolha da profissão e proibição do trabalho compulsivo (art.º 88), o direito a justa remuneração, ao descanso e a férias, a protecção, segurança e higiene no trabalho bem como o da proibição de despedimento sem motivo estabelecido na lei (art.º 89), a liberdade de organização em associações profissionais ou em sindicatos (art.º 90), o direito à greve e a proibição do lock-out (art.º 91). 
Tendo em conta o disposto no art.º 209 da CRPM, segundo o qual “a legislação anterior no que não for contrária à Constituição mantém-se em vigor até que seja modificada ou revogada”, pode considerar-se que, em termos de autonomização do Direito do Trabalho moçambicano, existe um período de transição que vai desde 1975 até à publicação da primeira Lei do Trabalho em 1985 (mais de 10 anos depois), em que existe no domínio laboral uma fragmentação legislativa, na qual coexistem em vigor, diplomas do período colonial, a par de diplomas dispersos entretanto publicados, dos quais importa salientar: 
  • Decreto-Lei n.º 1/76, de 6 de Janeiro, sobre o regime de emprego de trabalhadores estrangeiros em Moçambique; 
  • Decretos n.ºs 2/76 e 3/76, de 31 de Janeiro, com disposições relativas à retribuição do trabalho; 
  • Decreto n.º 37/76, de 26 de Outubro, sobre medidas de protecção à maternidade; 
  • Decreto n.º 5/77, de 20 de Janeiro, sobre a regulação dos horários de trabalho; 
  • Decreto n.º 4/80, de 10 de Setembro, quanto a medidas de carácter laboral e reguladoras da remuneração de trabalho. 
 Ou seja, a independência nacional viabilizou a publicação de sucessivos diplomas dispersos em matéria jus-laboral; porém, a reforma de fundo só veio a ocorrer com a primeira lei laboral sistemática (Lei do Trabalho 8/85, de 14 de Dezembro) que assumiu, em consonância com o sistema constitucional de economia centralmente planificada, um forte conteúdo socializante com uma feição excessivamente garantística na defesa dos interesses dos trabalhadores e a adopção de normas demasiado rígidas e penalizadoras para os empregadores, que se viriam a revelar incapazes de solucionar determinadas questões, sobretudo as suscitadas pela introdução do sistema da economia de mercado a partir de 1990.

7.2.2. O período de economia de mercado (de 1990-2004) 
Constituição da República de Moçambique de 1990 
Lei do Trabalho nº 8/98, de 20 de Junho 
A Constituição de 1990 (CRM 1990), opera uma viragem de regime relativamente à Constituição de 1975, introduzindo alterações muito profundas em praticamente todos os campos da vida do país, sendo de realçar, na área económica, o abandono por parte do Estado da sua anterior função basicamente intervencionista, para dar lugar a uma função mais reguladora, com a introdução de mecanismos da economia de mercado e do pluralismo dos sectores de propriedade. 
A segunda Lei do Trabalho, aprovada pela Lei n.º 8/98, de 20 de Junho, na linha da revisão constitucional de 1990, veio consagrar um regime laboral mais flexível, que procurou estabelecer um equilíbrio entre os interesses dos trabalhadores e dos empregadores nas organizações do trabalho, em ordem ao estabelecimento de conciliação dos interesses económicos e sociais e de elevação dos níveis de produtividade e competitividade da economia nacional.

7.2.3. O período da Constituição de 2004 em diante 
Constituição da República de Moçambique de 2004 
Lei do Trabalho n.º 23/2007, de 1 de Agosto 
A Constituição de 2004 (CRM 2004), não representando uma ruptura com o regime constitucional de 1990, reforçou e consolidou o regime de Estado democrático de Direito proveniente de 1990, cujo aspecto mais relevante, no que ao Direito do Trabalho diz respeito, tinha sido a constitucionalização dos seus princípios fundamentais, como o da segurança no emprego, a proibição do despedimento sem justa causa e do lock-out, o direito à actividade sindical, à greve, à segurança social, à justa remuneração, ao descanso e a férias, que se mantêm consagrados na CRM de 2004 entre os direitos, deveres e liberdades fundamentais com desenvolvimento no capítulo dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais.
Na sequência da revisão constitucional de 2004, foi publicada em 2007, a terceira Lei do Trabalho (Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto) (25), cujas alterações mais significativas se podem sintetizar nos termos seguintes:
  • protecção da dignidade e estabilidade do trabalhador no emprego; 
  • regime do contrato de trabalho a prazo adaptado às necessidades temporárias de contratação das empresas; 
  • adopção dos regimes do trabalho temporário e de outros instrumentos de flexiblização de contratação (cedência ocasional, contratação de jovens, etc.); 
  • promoção da flexibilidade laboral em termos de modificabilidade do contrato de trabalho, adaptabilidade de horários, e de cessação do contrato; 
  • consagração da mediação e arbitragem laboral como meios de resolução alternativa de conflitos individuais e colectivos de trabalho. 
Notas: 
(17) A doutrina juslaboralista portugesa nunca dedicou a atenção devida ao nascimento e evolução dos regimes jurídico-laborais nas colónias, pelo que são, infelizmente, parcos os estudos jurídicos sobre a matéria. 

(18) Malyn Newitt, “História de Moçambique”, Publicações Europa-América, 1997, e A. Rita Ferreira, “Fixação Portuguesa e História Pré-Colonial de Moçambique”, 1982, Estudos, Ensaios e Documentos, N.º 142, Instituto de Investigação Científica Tropical. 

(19) "Fica abolido o estado de escravidão em todos os territórios da monarquia portuguesa, desde o dia da publicação do presente decreto. Todos os indivíduos dos dois sexos, sem excepção alguma, que no mencionado dia se acharem na condição de escravos, passarão à de libertos e gozarão de todos os direitos e ficarão sujeitos a todos o deveres concedidos e impostos aos libertos pelo decreto de 19 de Dezembro de 1854.", D. Luís, Diário do Governo, 27 de Fevereiro de 1869.
 
(20) “O Govêrno da República não impõe nem permite que se exija aos indígenas das suas colónias qualquer espécie de trabalho obrigatório ou compelido para fins particulares, mas não prescinde de que êles cumpram o dever moral, que necessariamente lhes cabe, de procurarem pelo trabalho os meios de subsistência, contribuindo assim para o interêsse geral da comunidade” (artigo 3.º).
 
(21) O Estatuto do Indigenato foi concebido originariamente como um estatuto de protecção e de respeito do direito privado das populações autóctones e dos seus usos e costumes (direito costumeiro). Por esta razão, Cabo Verde, Índia e Macau (Decreto-Lei n.º 43.893, de 6/09/1961) que nunca foram colónias de indigenato e, posteriormente, São Tomé e Príncipe e Timor que o deixaram de o ser, pelo que o Estatuto só era aplicável em Angola e Moçambique. Todavia, no seu desenvolvimento, o Estatuto do Indigenato conformou-se como um estatuto de discriminação contra as populações autóctones destas duas colónias dado que se traduziu na prática e acabou por se configurar como um estatuto de menoridade.
 
(22) Ao contrário da vastíssima elaboração científica, doutrinária e jurisprudencial sobre o Direito do Trabalho a nível mundial, os estudos doutrinários sobre o direito laboral moçambicano são ainda relativamente escassos. Não é, por isso, de estranhar que, na presente obra, sem embargo de citarmos preferencialmente os juslaboralistas moçambicanos que têm vindo a publicar estudos sobre a temática do Direito do Trabalho, não sejamos supletivamente tributários da doutrina juslaboralista portuguesa.

(23) Dário Moura Vicente “O Lugar dos Sistemas Jurídicos Lusófonos Entre as Famílias Jurídicas” http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Vicente-Dario-O-lugar-dos-sistemas-juridicos-lusofonos-entre-as-familias-juridicas.pdf, pp. 31-33, embora negando a autonomização de uma “família jurídica lusófona” entende que os «Direitos vigentes nos países lusófonos, ainda que possuam características particulares comuns a todos eles, não reflectem um conceito próprio do Direito – o que constitui, de acordo com aquele critério, um requisito imprescindível a fim de se poder autonomizar uma família jurídica. Nesta medida, os sistemas lusófonos não podem ser colocados no mesmo plano da família jurídica romano-germânica, antes se integram nela. Mas isso não quer dizer – cumpre sublinhá-lo – que não se possa falar, a respeito dos países e territórios de língua portuguesa, de uma comunidade jurídica, entendida como uma realidade simultaneamente mais restrita e mais profunda do que uma família jurídica. Mais restrita, porque se trata aqui de uma comunhão de institutos, valores e soluções para determinados problemas, que não corresponde a um particular conceito de Direito, distinto do que informa os demais sistemas jurídicos. Mais profunda, porque ela reflecte laços históricos, culturais, sociais e afectivos mais intensos do que aqueles que muitas vezes existem entre os membros das famílias jurídicas», que como bem assinala este académico resultam «da comunhão forjada entre estes sistemas jurídicos, e também graças à cooperação nos domínios da produção legislativa, do ensino universitário do Direito e da formação dos magistrados, em que é manifesta a facilidade de comunicação entre os juristas oriundos dos países e territórios mencionados, verificando-se até que, em muitos casos, um jurista formado num daqueles sistemas jurídicos se encontra apto, sem grande esforço, a exercer a sua profissão nos demais». 

(24) Muito embora o sistema jurídico-laboral moçambicano se encontre inserido no direito pertencente à família romano-germânica - a Lei do Trabalho de Moçambique tem como fonte privilegiada o Código do Trabalho português -, que o torna tributário de todo o lastro científico e doutrinário trazido pelo direito laboral pertencente a esta família e, designadamente do direito laboral português, ainda assim parece-nos indesejável transpor para uma sociedade como a moçambicana, todas as particularidades da evolução do Direito do Trabalho na Europa e Portugal, cujo papel de adequação do direito laboral aos fenómenos sociais e culturais especificamente moçambicanos caberá primordialmente à doutrina e jurisprudência moçambicanas. 

(25) Em geral, e quanto à Lei n.º 23/2007, em vigor, vd. "Lei do Trabalho Anotada” Duarte da Conceição Casimiro e outros (Escolar Editora, 2015), e “Lei de Trabalho Anotada” Abdul Carimo Issá, Duarte Casimiro e Paulo Comoane (UTREL, Maputo, 2007).

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