05 dezembro, 2021

Mediação

107. Mediação 
Como referimos antes (IV.105) a mediação diferencia-se da conciliação não tanto quanto à natureza – ambas são formas amigáveis de resolução de litígios em que se procura alcançar um acordo entre as partes através de um “mediador” ou “conciliador”, em que a decisão cabe em quaisquer dos casos e sempre às partes envolvidas – mas em função do grau de intervenção do papel desempenhado pelo terceiro facilitador da composição. (245) 
Com efeito, enquanto na conciliação a intervenção do “conciliador” se limita a assistir as partes na tentativa de chegarem a um consenso, e sem qualquer poder, portanto, de emitir propostas de solução, na mediação existe uma atitude mais interventiva do “mediador” o qual tem o poder de apresentar uma proposta de solução ou superação do conflito, que as partes têm o poder de aceitar (total ou parcialmente) ou rejeitar. 
Diferentemente do conciliador, o mediador tem, pois, a prerrogativa de sugerir ou propor uma solução para o conflito, que as partes são livres de aceitar ou não. 
 Conforme também assinalámos anteriormente, esta subtil distinção entre os procedimentos da conciliação e mediação não resulta da lei laboral, mas sim do art.º 60 da Lei n.º 11/99, de 8 de Julho (Lei de Arbitragem, Conciliação e Mediação), aplicável subsidiariamente aos litígios laborais.

107.1. Natureza – Obrigatoriedade da mediação? 
No ordenamento jurídico-laboral moçambicano, o procedimento da “mediação” tem carácter obrigatório, isto é, as partes estão vinculadas a sujeitar a resolução do conflito colectivo de trabalho a mediação, antes de recorrerem à arbitragem ou à via judicial dos tribunais de trabalho (art.º 184/1). 
No caso de assim não suceder, o n.º 2 impõe que os órgãos de arbitragem ou os tribunais de trabalho cujos processos lhe fossem submetidos sem que tivessem sido sujeitos a mediação (o legislador fala também em “conciliação”, mas julga-se que por lapso, uma vez que a própria lei no art.º 185 diz tratar-se de uma fase facultativa) devem notificar as partes para o cumprimento do disposto no n.º 1, ou seja, de sujeição prévia do conflito ao procedimento da mediação. 
Qual o alcance deste artigo da LT? Será que o legislador tem o direito de impor a obrigatoriedade da mediação na resolução dos conflitos laborais? 
A questão da constitucionalidade da mediação obrigatória foi já objecto de decisão do Conselho Constitucional que se pronunciou sobre a inconstitucionalidade das normas constantes dos nos 1 e 2 do artigo 184 da Lei do Trabalho, em diversos acórdãos (246), todos eles proferidos em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, pelo que os seus efeitos são apenas vinculativos para as partes, nas respectivas acções judiciais e esgotam-se nos respectivos processos, continuando as normas em vigor na ordem jurídica interna. 
A fundamentação de inconstitucionalidade das normas constantes nos n.ºs 1 e 2 do artigo 184 da Lei do Trabalho, comum a todos os arestos, é de que «o artigo 184 da Lei do Trabalho é materialmente inconstitucional porque, sem autorização constitucional expressa, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 56 da Constituição, limita, nos domínios das relações jurídico-laborais, concretamente, das relações individuais de trabalho, o direito de recorrer aos tribunais, reconhecido aos cidadãos pela norma do artigo 70, conjugada com a norma constante da primeira parte do n.º 1 do artigo 62, ambos da Constituição. 
Limita, igualmente, o poder jurisdicional dos tribunais judiciais em matéria laboral, partilhando-o com os Centros de Mediação e Arbitragem laboral, órgãos da administração pública, ao obrigarem os tribunais a não conhecerem o mérito das acções laborais que lhes forem submetidas, sem que os conflitos, exceptuando as providências cautelares, tenham sido previamente submetidos à conciliação ou mediação prévias, levadas a cabo por aqueles centros». 
Por outro lado, tratando-se de acórdãos em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade, acrescentam que «nos processos de fiscalização concreta de constitucionalidade, os efeitos da decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Conselho Constitucional, se reflectem apenas in casu, isto é, têm efeito de caso julgado no processo, e que a norma é declarada inconstitucional, mas não é erradicada da ordem jurídica». 
Por outro lado, o n.º 3 do art.º 212 da CRM, dispõe que «Podem ser definidos por lei mecanismos institucionais e processuais de articulação entre os tribunais e demais instâncias de composição de interesses e de resolução de conflitos», norma que não parece limitar o acesso dos cidadãos aos tribunais garantido pelo art.º 70 da CRM. 
Tanto a norma constitucional do art.º 212/3, como os acórdãos da suprema instância de apreciação da constitucionalidade ao considerarem que a obrigatoriedade de submissão prévia dos conflitos laborais (antes de os submeter aos órgãos judiciais ou de arbitragem) à mediação extrajudicial configura uma inconstitucionalidade material, levam-nos a concluir que o art.º 184 da LT se mantém em vigor, não tendo sido erradicado da ordem jurídica moçambicana, por força da declaração de inconstitucionalidade proferida em sede de processos de fiscalização concreta. (247) 
Qualquer que seja, no entanto, a interpretação doutrinal que se faça dos citados Acórdãos do Conselho Constitucional, afigura-se-nos razoável defender que a “mediação” se mantém no ordenamento jurídico-laboral moçambicano como procedimento de resolução de conflitos colectivos de trabalho, pelo menos com carácter facultativo, i.e., sem obrigatoriedade de sujeição prévia do conflito à mediação antes do recurso aos tribunais de trabalho. 
A este propósito, refira-se que a natureza do instituto da “mediação” (tal como a “conciliação”) sendo formas de exercício extra-judicial de solução de conflitos assentam, em princípio, na absoluta dependência da vontade das partes desde o seu início (são os próprios interessados que decidem escolhê-la ou não) até ao fim (são também as partes que decidem chegar ou não a acordo, aceitando ou não, a proposta do mediador). 
Portanto, determinar por lei a obrigatoriedade da “mediação” – independentemente do juízo de (in)constitucionalidade que se faça sobre ela – parece-nos que contraria a sua própria natureza de instrumento de “resolução voluntária de conflitos” em que são as partes que decidem quando e como quiserem. O fundamental na mediação é o pleno domínio do processo pelas partes, princípio que é, em simultâneo, o seu fundamento e, naturalmente, uma sua característica permanente. A mediação assenta na ideia de que é nas partes em conflito que reside a solução do problema, que é através delas – as donas do litígio – que se encontrará a solução adequada e justa.
 Acresce que a “mediação obrigatória” surge na lei do trabalho moçambicana como um pré-processo, isto é, não como uma forma de afastar o recurso aos tribunais, mas como um modo de previamente tentar a solução do diferendo (art.º 25 do RegCOMAL), o que a torna simplesmente numa forma de atrasar o recurso à via judicial, contrariando a ideia de “celeridade” inerente a estes mecanismos de resolução alternativa de conflitos por contraponto à “morosidade” do recurso às instâncias judiciais. É pois estranha a solução legal consagrada no art.º 184 da LT da mediação obrigatória – de resto, extremamente rara em termos de direito comparado com outros ordenamentos jurídico-laborais (248) – que penaliza assim uma mais célere resolução de conflitos laborais. 
É essencial ter sempre presente que a mediação, entendida como uma instituição com carácter voluntário inserida no sistema jurídico-laboral de um país, requer inexoravelmente a existência de um processo judicial, o qual não substitui; assim, se o mediador não conseguir que as partes cheguem a acordo, estas terão sempre a possibilidade de agir judicialmente. 
A mediação voluntária (forma não contenciosa) apoia-se, pois, na existência do processo judicial (forma contenciosa) que actua como resseguro daquela. Mas a opção por uma dessas duas diferentes vias de resolução de conflitos tem, a nosso ver, de ser deixada à vontade das partes, e não imposta por lei (mediação obrigatória).

107.2. Funcionamento 
O processo de mediação desdobra-se de acordo com a lei em diversas fases reguladas na LT (art.ºs 186 e 187) e nos art.ºs 19 a 26 do RegCOMAL, e subsidiariamente pela Lei de Arbitragem, Conciliação e Mediação (Lei n.º 11/99, de 8 de Julho - art.ºs 60 a 66) - vide art.º 57 do RegCOMAL

107.2.1. Início da mediação 
O impulso para o início do processo de mediação é dado por uma das partes (acto unilateral) ou por ambas as partes (por acordo no âmbito da autonomia colectiva), solicitando a intervenção de uma entidade, por eles escolhida, com competência para proceder à mediação (art.º 183/1). 
Em caso de escolha unilateral, se o órgão escolhido não merecer a concordância da contraparte, a designação do mesmo compete à Comissão de Mediação e Arbitragem Laboral (n.º 3). 
O pedido de mediação tem de ser requerido de acordo com os requisitos prescritos na LT e no regulamento específico do órgão encarregue da resolução do litígio (art.º 183/2), devendo nomeadamente indicar a matéria controvertida e fornecer os elementos susceptíveis de ajudar o mediador na resolução do conflito e respectiva fundamentação (art.º 186) - este último preceito tem o intuito de clarificar que o pedido da mediação deve delimitar o seu objecto mediante a indicação da “matéria controvertida” e “fornecer os elementos susceptíveis de ajudar o mediador na resolução do conflito e respectiva fundamentação”. Trata-se de uma norma de extrema relevância, porquanto permitirá maior eficácia e celeridade na resolução do conflito, evitando que o objecto seja, ele próprio, mais um ponto de discórdia e garantindo que o procedimento de mediação não bloqueia logo no momento da delimitação do objecto. 
Nos processos de mediação submetidos à COMAL, a mediação inicia-se com o pedido de uma das partes através de requerimento dirigido ao Director do Centro de Mediação e Arbitragem Laboral (CMAL) o qual deve conter de forma resumida a questão controvertida, o valor, nomes, endereços e números de telefone das partes, dos seus representantes legais e do mediador proposto pelo requerente, se o houver (n.ºs 1 e 2 do art.º 20 do RegCOMAL). 
Quando o pedido de mediação não é feito conjuntamente pelas partes, a parte que solicita a mediação deve enviar cópias do pedido de mediação à outra parte ou partes (art.º 20, n.º 3, do RegCOMAL). 
Por último, a aceitação do pedido de mediação está sujeita ao pagamento das custas de mediação (art.º 20, n.º 4, do RegCOMAL). 

107.2.2. Nomeação do mediador 
A mediação pode ser assegurada por quaisquer entidades – pessoas colectivas (públicas ou privadas) ou singulares – a quem as partes entendam atribuir essa competência. (249) A nomeação do mediador pelo órgão escolhido pelas partes ou por decisão da Comissão de Mediação e Arbitragem Laboral é efectuada no prazo de três (3) dias após a recepção da solicitação da sua intervenção (art.º 187, n.º 1, da LT, e art.ºs 20, n.º 5, e 21, n.º 1, do RegCOMAL), mediador que deve, por seu turno, comunicar às partes a data, hora e local de realização da mediação. (250) 

107.2.3. Procedimento de mediação 
O procedimento de mediação não deve ultrapassar 30 dias, contados a partir da data do pedido da mesma, embora nada impeça – recorde-se que o regime é supletivo – que as partes possam aumentar este prazo. 
Este prazo pode igualmente ser prorrogado pelo mediador até ao máximo de 30 dias no caso de falta de comparência injustificada do (s) representante (s) da associação sindical na sessão de mediação, e reduzido se a falta se dever ao empregador (n.ºs 2 e 3 do art.º 187 da LT). 
A lei impõe ao mediador o arquivamento do processo em caso de não comparência injustificada na audiência de mediação da parte que a tenha requerido; se a falta de comparência se dever à outra parte, o mediador deve remeter oficiosamente o processo para a arbitragem, devendo em quaisquer dos casos a parte faltosa pagar uma multa fixada pelo centro de mediação e arbitragem (art.º 187/4). 
Por outro, garante-lhe um «dever de informação» mediante o qual pode, por um lado, solicitar às partes, ou outras entidades, dados e informações de que estas disponham e, por outro lado, o de realizar com as partes, conjunta ou separadamente, todos os contactos que considere convenientes e viáveis no sentido da obtenção de um acordo para a resolução do conflito (art.º 187/5). (251) 

107.2.4 – Decisão 
 Havendo consenso, o mediador elabora o texto definitivo do acordo que, assinado pelas partes e depois de depositado, «tem a mesma força executiva de uma sentença arbitral» (art.º 66 da LACM - Lei n.º 11/99, de 8 de Julho). 
Persistindo o conflito por inexistência de resolução no final do procedimento de mediação, o mediador emite a denominada «certidão de impasse», que habilita a subsequente submissão do conflito à arbitragem ou aos tribunais do trabalho (art.º 187, n.ºs 6 e 7 da LT).
Do mesmo modo, no âmbito dos processos de mediação realizados no âmbito da COMAL, se as partes chegarem a um acordo sobre a resolução do litígio, devem redigir e assinar o competente acordo estabelecendo, com o apoio do mediador, se o solicitarem, os termos pelos quais desejam que o mesmo venha a reger-se (art.º 24, n.º 1, alíneas a) e e), do RegCOMAL). 
 Havendo impasse na resolução do litígio, o mediador deve emitir uma declaração formal relativa ao impasse no prazo de 3 dias, podendo as partes nesse caso submeter o caso à arbitragem ou ao tribunal de trabalho no prazo fixado na lei (art.ºs 24, n.º 2 e 25 do RegCOMAL).

Notas: 
(245) Quanto à mediação em geral, Duarte da Conceição Casimiro et al., “Lei do Trabalho de Moçambique Anotada”, Escolar Editora, pp. 311-315; Maria do Rosário Palma Ramalho “Tratado de Direito do Trabalho - Parte III - Situações Laborais Colectivas” pp. 418-420; António Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho” pp. 907-910; Carlos Antunes e Carlos Perdigão “Direito da Contratação Colectiva de Trabalho” Petrony Editora, pp. 239-243. 

(246) Acórdão do Conselho Constitucional nº 3/CC/2011, de 7 de Outubro, publicado no BR nº 41, I Série, de 18 de Outubro de 2011 (http://www.cconstitucional.org.mz/Jurisprudencia/3-CC-2011); Acórd. 03/CC/2017, 25 de Julho, BR, I Série, n.º 164, de 20 de Outubro de 2017 (http://www.cconstitucional.org.mz/Jurisprudencia/09-CC-2017); Acórd. 9/CC/2017, de 27 de Dezembro, BR, I Série, n.º 203, 8.° Supl. de 29 de Dezembro de 2017); e Acórd. n.º 06/CC/2021 de 13 de Julho (http://www.cconstitucional.org.mz/Jurisprudencia/6-CC-2021

(247) Sobre esta questão da inconstitucionalidade da mediação obrigatória, vide Duarte da Conceição Casimiro et al., “Lei do Trabalho de Moçambique Anotada”, Escolar Editora, pp. 311-312 e 401-402. 

(248) O carácter voluntário pode, no entanto, não ser considerado essencial à mediação, uma vez que há países (casos da França e Argentina) em que vigoram ou já vigoraram regimes de mediação obrigatória, embora não no domínio dos conflitos laborais. 

(249) O art.º 63 da Lei n.º 11/99, de 8 de Julho – Lei de Arbitragem, Conciliação e Mediação – preceitua que “têm competência para proceder à conciliação e mediação instituições especializadas de conciliação e mediação, nos termos do artigo 69, e pessoas singulares, se respeitados os requisitos previstos no presente artigo” (n.º 1), acrescentando o n.º 2 que “pode ser mediador ou conciliador toda a pessoa singular, maior e plenamente capaz”. Por seu turno, o art.º 69 dessa mesma LACM dispõe que “as pessoas jurídicas podem constituir e administrar centros institucionalizados de arbitragem, conciliação e mediação estabelecendo, nos seus estatutos o carácter representativo da instituição responsável pelo centro de arbitragem, conciliação e mediação e o fim constitutivo especializado de arbitragem, conciliação e mediação” (n.º 1, alíneas a) e b)]). 

(250) Relativamente à nomeação do mediador no âmbito da COMAL, o Centro de Mediação e Arbitragem Laboral deverá constituir a comissão de mediação no prazo de 3 dias após a recepção do pedido de mediação, a qual pode ser constituída por um só mediador ou por um número ímpar de mediadores, que poderão ser indicados pelas partes (art.º 21, n.ºs 1 e 2 do RegCOMAL). 

(251) No que respeita à tramitação no âmbito da COMAL, o art.º 22 do respectivo RegCOMAL determina que as partes podem acordar a forma de depoimento sobre a questão em litígio, devendo fornecer ao mediador a sua pretensão, no prazo de 7 dias, acompanhada de cópias dos seus depoimentos escritos e de suporte à outra parte ou partes. 
A mediação deve ser conduzida do modo que for julgado mais adequado pela Comissão ou mediador, nos termos previstos no art.º 23, embora tendo sempre em atenção as particularidades do caso e a vontade manifestada pelas partes. 
O processo de mediação - sujeito ao regime de confidencialidade e privacidade previsto no art.º 26 - termina quando as partes cheguem a um acordo ou informem o mediador que não será possível alcançar acordo, quando o mediador informe as partes que, em sua opinião, a mediação não vai resolver a questão em litígio, ou quando o prazo limite para a mediação previsto em acordo prévio tenha expirado e as partes acordarem em não prorrogá-lo (art.º 24).

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